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JF perde quase metade dos salões de beleza

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O setor de beleza de Juiz de Fora vive um momento crítico, reflexo da crise provocada pela pandemia da Covid-19. As atividades estão paralisadas desde 16 de março, quando foi publicado o decreto municipal com restrições ao comércio e aos serviços a fim de garantir o isolamento social, considerado a medida mais eficaz ao enfrentamento da doença, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Desde então, quase metade (47%) dos 9.592 estabelecimentos registrados na cidade fecharam as portas de vez, o que fez com que mais de 2.500 pessoas perdessem o emprego, conforme dados do Sindicato Intermunicipal da Classe Econômica do Setor de Beleza e Similares de Juiz de Fora e Região (Sinterbel).

Diante da gravidade da situação, o setor tem pedido a retomada das atividades seguindo protocolos de segurança. Na última quarta-feira (24), representantes do Sinterbel e de outros sindicatos de Minas Gerais se reuniram com o governador Romeu Zema (Novo), em Belo Horizonte, para apresentar a proposta de reabertura. No dia anterior (23), foi realizada reunião com representantes da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) com o mesmo intuito. No entanto, ainda não há previsão de quando isso irá acontecer.

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Inicialmente, o setor foi inserido na chamada onda vermelha do programa Minas Consciente, que corresponde à última fase de retomada das atividades. Em junho, o Governo de Minas realocou o setor na onda amarela, que compreende a segunda fase do processo de reabertura.

Neste momento, Juiz de Fora está incluída na onda verde, quando apenas os serviços considerados essenciais podem funcionar. Os municípios podem avançar de uma onda para a outra, à medida que apresentam melhores índices relativos à pandemia, passando assim da onda verde para a onda branca, à onda amarela e, por fim, à onda vermelha.

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Por conta do avanço da Covid-19 no estado, registrado nos últimos dias, a assessoria da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Sede-MG) informou que “após a deliberação anunciada e publicada na quinta-feira (25), a onda amarela está  suspensa para conter o avanço da pandemia”.

As atividades estão paralisadas desde 16 de março, quando foi publicado decreto com restrições ao comércio e aos serviços (Foto: Fernando Priamo)

‘Você precisa escolher entre se alimentar ou pagar o aluguel’

As perdas do setor em Juiz de Fora atingem negócios de todos os portes. “Tivemos os pequenos salões que não resistiram e, também, estabelecimentos que estavam há 40 anos no mercado e empregavam um número considerável de funcionários com carteira assinada. A situação é muito grave e impacta a economia. É uma pena que ainda não tenham entendido a importância do nosso setor”, lamenta o presidente do Sinterbel, Paulo Bitar.

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Ele relata as dificuldades enfrentadas pelos profissionais. “Cerca de 90% do nosso setor é composto por mulheres que são arrimo de família e que agora estão passando aperto para sustentar os filhos”, afirma. “A contabilidade do sindicato orientou 600 pessoas a receberem o auxílio emergencial. O jurídico tem auxiliado muitos proprietários na negociação do aluguel.”

Segundo ele, há casos ainda mais delicados. “Temos pedido a ajuda de empresas e amigos para montarmos cestas básicas, pois há famílias que não têm o que colocar na mesa.” Até o momento, foram entregues 300 cestas.

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Sem carteira assinada

Um dos principais gargalos consiste na Lei do Salão Parceiro, a Lei 13.352, em vigor desde 2017. Por meio dela, os profissionais puderam exercer as atividades nos salões como microempreendedores individuais (MEIs). Quando foi implantada, a lei abriu mais oportunidades no mercado, mas com a pandemia surgiram desvantagens. “Ser MEI me ajudou muito porque eu recebo por produtividade. Tinha dias que agendava clientes até mais tarde para poder juntar dinheiro”, afirma uma manicure que preferiu não se identificar. “Mas nesse momento foi muito ruim não ter a carteira assinada porque passei a depender do auxílio emergencial, que não é fácil de receber e tem um valor baixo. Você precisa escolher entre se alimentar ou pagar aluguel.”

Profissionais defendem reabertura com segurança

Com os salões de beleza fechados, a alternativa de muitos profissionais tem sido o atendimento domiciliar. Porém, eles acreditam que a situação implica em mais riscos do que a retomada das atividades nos estabelecimentos.

Antes da pandemia, o Stúdio Andréa Fernandes, no Bairro Quintas da Avenida, mantinha uma boa movimentação. “Tínhamos clientes que faziam escova e unha toda semana”, conta a proprietária Andréa Fernandes. Para suprir a queda da renda por conta da Covid-19, ela tem atendido nas residências. “Mas a procura é pequena.”

Andréa publicou um vídeo nas redes sociais como forma de apelo. “Pedi ao prefeito Antônio Almas que olhe pela nossa classe. Atendendo na casa da cliente, tenho menos segurança. No salão, posso gerir os horários para evitar aglomeração, ter controle dos processos de prevenção e garantir os insumos para higienização.”

Sócio da esposa no Espaço de Beleza Patrícia Fernandes, no Bairro Milho Branco, e distribuidor de produtos para o setor, Wagner Cajá conta como a família tem lidado com a crise. “Desde março, me vi numa situação preocupante, pois os custos fixos não deixaram de existir. O primeiro infeliz reflexo foi a dispensa de dois vendedores externos.”

Na tentativa de minimizar os impactos econômicos, ele criou estratégias de divulgação dos produtos nas redes sociais, e a esposa passou a fazer os atendimentos nas casas de clientes, mas a procura tem sido pequena. “Aguardamos essa liberação, pois temos muitos colegas entregando imóveis, passando aperto sem perspectivas e sem renda por não poderem exercer a profissão. Esperamos que as autoridades enxerguem que o nosso setor é sério e muito importante para a população e a economia.”

Orientação

O salão Luciano Castro Cabelereiros, no Bairro Alto dos Passos, também segue de portas fechadas. “Como não concordo com o atendimento residencial, minha receita hoje é zero”, afirma o proprietário Luciano Castro.  Neste período, ele tem negociado com fornecedores e o proprietário do imóvel. “Tem sido um momento muito difícil.”

Para ele, as autoridades municipais deveriam elaborar um plano econômico e sanitário específico para a cidade. “A nossa economia é pautada nos setores de comércio e serviços. Os protocolos do Minas Consciente não atendem a cidade da melhor forma.”  Luciano critica o fato de o setor não ser considerado essencial. “Nós não cuidamos apenas do embelezamento. Nossos serviços contribuem para cuidados pessoais e prevenção de doenças.” O proprietário acredita que o setor pode atuar sem disseminar o vírus. “Temos total condição de retomar as atividades com segurança.”

Justiça diz que PJF deve decidir sobre reabertura

Desde março, o Sinterbel iniciou um trabalho na tentativa de reverter a decisão que mantém as atividades do setor de beleza paralisadas. “Enviamos ofício ao presidente da República, ao Governo de Minas e à Prefeitura”, diz o presidente Paulo Bitar. Segundo ele, também foi solicitado que o sindicato integrasse o Comitê Municipal de Enfrentamento à Covid-19 e entregue uma carta convite para negociar a reabertura com o Município. “Diante da ausência de resposta da Prefeitura, entramos com um mandado de segurança em maio.”

Na decisão, o juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias Municipais da Comarca de Juiz de Fora, Marcelo Alexandre do Valle Thomaz, cita o parecer do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece a autoridade municipal como responsável pelas medidas de isolamento social.

O texto explica que “a imposição dos governantes locais (prefeitos e governadores) se sobrepõe às determinações do Governo Federal” e segue afirmando que “apesar de também não concordar com esse posicionamento (…) mesmo que o Governo federal reconheça que barbearias, salões de beleza e congêneres sejam serviço de utilidade pública, como o Governo local não fez tal reconhecimento, as decisões desse último preponderam sobre as daquele. Assim somente poderia o Poder Judiciário intervir nos critérios de conveniência e oportunidade do ato administrativo caso este fosse ilegal, o que no caso dos autos não o é.”

PJF avalia cartilha de segurança

Desde junho, representantes da PJF e do Sinterbel têm se reunido para discutir a situação. Nesses encontros, o sindicato apresentou uma cartilha desenvolvida com o auxílio do Sebrae e de uma infectologista para auxiliar a reabertura dos estabelecimentos. O documento foi encaminhado ao Comitê Municipal de Enfrentamento à Covid-19.

Procurada pela Tribuna, a assessoria da PJF esclareceu que “a reabertura de salões de beleza e estética está condicionada ao avanço do município nas ondas do programa Minas Consciente.” Em nota, destacou que a classificação e a liberação das atividades econômicas  é realizada pelo Governo de Minas, “de acordo com critérios previstos no programa”.

Sobre a participação do Sinterbel no Comitê Municipal de Enfrentamento à Covid-19, a PJF afirmou que “o setor de comércio e serviços possui representação por meio da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), podendo, ainda, encaminhar suas demandas através de outras entidades, órgãos da Administração Direta ou do Legislativo”.

Reabertura não garante retomada econômica

A ascendência da curva da Covid-19 em Juiz de Fora aumenta as incertezas sobre quando o cenário irá se normalizar e quais serão os impactos sociais e econômicos da pandemia. Na última quinta-feira (25), o prefeito Antônio Almas voltou a pedir a população que cumpra o isolamento social. Naquele dia, o índice de ocupação dos leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) era de 85%. Considerando os leitos da rede privada, de 74%.

Na avaliação do economista e professor da UFJF, Fernando Perobelli, a pandemia tem evidenciado a realidade de desigualdade de renda em todo o Brasil. “Quem tem reserva financeira consegue lidar por alguns meses com a situação. Por outro lado, quem não tem esse colchão de liquidez se encontra mais vulnerável. Entre os próprios setores econômicos, vemos diferença. Aqueles que estão mais próximos da informalidade são os mais prejudicados.”

O especialista diz que a solução para a crise econômica vai além da decisão de reabertura dos estabelecimentos. “Vimos exemplos de cidades e países que retomaram as atividades, precisaram retroceder e, ao fecharem os estabelecimentos de novo, criaram um problema ainda maior para economia. A solução para esta crise é a longo prazo.”

Perobelli destaca que a pandemia revelou, ainda, a necessidade de novas formas de consumo. “O momento de crise é similar a uma guerra, em que temos restrições de circulação, de renda e de funcionamento do mercado. A cesta de consumo mudou por conta da incerteza sobre emprego, renda e duração desta realidade”, explica. “Então, mesmo que haja a reabertura dos estabelecimentos, a recuperação econômica não acontecerá rapidamente, pois temos uma parte das pessoas praticando este consumo precaucionista e a outra que está endividada, sem renda. Temos que lembrar que são poucos os brasileiros que têm capacidade de poupança.”

Gargalos

Para Perobelli, o Brasil poderia ter se preparado melhor para o enfrentamento à Covid-19. “Nós fomos um dos últimos países a receber a doença e poderíamos ter aprendido com os exemplos de fora. Infelizmente, o isolamento social não foi realizado com sucesso. Nos momentos de pico, tínhamos apenas 50% da população cumprindo a medida, enquanto o percentual em outros países chegou a 80%. Além disso, realizamos o isolamento de forma tardia, pois já tínhamos casos da doença antes de março.”

Ele também destaca que o momento político não favoreceu o processo. “A divergência entre os governos central e estaduais criou uma instabilidade de informações sobre a eficácia do isolamento. Além disso, a política liberal do ministro Paulo Guedes defende menor participação do Estado na economia, o que fez com que as medidas emergenciais demorassem a ser criadas. Houve uma atuação difusa do Governo nesta condução.”

Solução

Perobelli analisa que a retomada da economia depende de ações efetivas do Governo. “A solução é em longo prazo e passa pela oferta de linhas de crédito para pessoas jurídicas e transferência de renda para pessoas físicas. Também é fundamental aumentar o número de testes da doença para conhecermos a realidade em que vivemos e escalonarmos de forma segura e eficaz a reabertura das atividades.”

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