Diante do grande acumulado de chuvas registradas desde o início de janeiro, produtores de hortaliças de Juiz de Fora contabilizam perdas que, em alguns casos, atingiram 90% da produção, gerando prejuízo de mais de R$ 12 mil. Na região da Zona da Mata, segundo levantamento realizado pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater) entre os 51 municípios, 2.300 hectares (ha) de plantação foram totalmente perdidos, prejudicando a safra de verão do milhão em grão, de milho para silagem, do feijão e o plantio de hortaliças. Na cidade, o impacto resultou em grandes perdas principalmente para os que cultivam hortaliças, produtos frágeis que sofrem mais com a variação climática.
O feirante e produtor de verduras Ely Carlos diz que viu 90% da sua lavoura morrer nas primeiras duas semanas do ano. A plantação, que fica no Bairro Linhares, tem quatro hectares e mais de dez tipos de hortaliças diferentes, como couve, alface, almeirão, mostarda, salsinha, cebolinha, agrião, espinafre, rúcula, brócolis e taioba. “Nós tivemos um prejuízo muito grande. A couve, por exemplo, perdi toda, não sobrou nem muda nos pés. A gente tem que tentar refazer a plantação pedindo muda emprestada de outras pessoas, mas nesta época é difícil, porque ninguém consegue muda de couve. Alface também vai precisar replantar, assim como almeirão, rúcula, brócolis, cebolinha, salsinha. A perda foi grande mesmo.”
Segundo Ely Carlos, o prejuízo ocasionado pela chuva deste ano é o maior já registrado desde que começou a cultivar mudas, há 20 anos atrás. “Em janeiro do ano passado choveu bastante também. Nós tivemos algumas perdas, mas não foi igual as deste ano. Em 2021, o clima ajudou um pouco, nós perdemos alguns pés, mas não quase toda a produção, como aconteceu agora. Choveu muito, uns 15 dias diretos, e a água começou a nascer nos canteiros. Depois veio esse sol muito quente, o que prejudicou mais ainda e fez com que tudo morresse. Depois da chuva, nós fazemos um trabalho muito braçal, você tem que mexer na terra toda de novo com cuidado, se não o pouco que sobrou acaba morrendo também.”
Por conta disso, a oferta e o preço desses produtos foram impactados. Em dezembro, um pé de hortaliça colhido por Ely era vendido por R$ 1,50. Em alguns casos, quando tinha muita mercadoria, o preço caía para até R$ 0,50 a unidade. “Com essa chuva e o prejuízo que todos os produtores sentiram, as verduras sumiram. Hoje na feira, a gente está vendendo um pé de alface a R$ 3 e um molho de couve, a R$ 3 também. Porque se antes a gente levava 500 unidades de couve para vender, hoje, leva 70. Não tem condição, é muita demanda, para pouca mercadoria.
Em Minas
Os prejuízos causados pelas chuvas nas lavouras se estenderam por quase metade dos municípios mineiros. De acordo com a Emater, a maior parte do prejuízo registrado no estado foi na produção de grãos (74,5 mil hectares) e de hortaliças (3,4 mil hectares). Cerca de 127 mil produtores sofreram algum tipo de impacto na atividade por causa das chuvas, e as perdas atingiram 416 municípios, o que corresponde a 48,7% do total. Em relação às hortaliças, as culturas com a maior área perdida foram as de alface (416 hectares), tomate (365 hectares) e quiabo (236 hectares).
‘Eu perdi mais de 15 mil pés de verduras por conta da chuva’
O produtor de hortaliças Marlos Santos também teve perdas e amargou um prejuízo de aproximadamente R$ 12 mil. Da plantação de dois hectares, o produtor comercializava cerca de 600 pés por dia. “Eu perdi mais de 15 mil pés de verdura por conta da chuva. Deu aquela chuvarada, depois abriu aquele sol quente, planta nenhuma aguentou, morreram todas. Uma perda desse jeito eu nunca tinha visto. Já teve início de ano que tivemos muita chuva também, só que você perde uma plantinha aqui, outra ali, mas nada nessa escala.”
Para não deixar faltar mercadoria para os clientes, Marlon passou a ir buscar verduras em outras regiões, que foram menos afetadas pelas chuvas. Solução que aumenta os custos do produto e, consequentemente, o valor a ser pago por ele. “Estou indo para a região de Teresópolis, no Rio de Janeiro, e Barbacena, no Campo das Vertentes, para buscar essas verduras e não deixar ninguém na mão, mas isso faz com que o produto fique mais caro. O preço aumentou bruscamente, dobrou. Eu vendia um pé de alface por R$ 0,80, hoje tenho que vender por R$ 1,50. Meu lucro diminuiu também. Nas roças que estou indo comprar, os pés saem por R$ 1,40. Estou tendo R$ 0,10 de lucro em cada unidade, fora o gasto que tenho com gasolina.”
Uma alternativa para tentar proteger a plantação seria a instalação de uma estufa no terreno. Entretanto, o orçamento do projeto é caro, o que dificulta o acesso a esses recursos. “Hoje, a estufa está muito fora de mão, inviável pra gente que é produtor pequeno. Ela é muito cara. Eu procurei há uns dois anos, para colocar no meu terreno, e a instalação ficava em R$ 1,7 milhão.”
O processo de replantar as mudas já começou, mas devido às etapas de crescimento natural das hortaliças, o preço elevado nos supermercados pode demorar cerca de dois meses para estagnar. “Eu comecei a plantação na semana passada, até essa planta sair de novo leva, mais ou menos, de 50 a 60 dias. Tem até como você adiantar o processo de crescimento, mas teria que estar usando agrotóxico, o que encarece o produto e faz a verdura perder a qualidade. A gente quer que a população fique ciente de que o preço ainda vai demorar essa faixa de dias para normalizar novamente.”
Impacto nos preços
Um levantamento de preços realizado pelo Ceasa em Juiz de Fora constatou o impacto da chuva no custo dos produtos que chegam ao consumidor. Na primeira quinzena de janeiro, em comparação com o mesmo período de dezembro do ano passado, as hortaliças registraram aumentos, enquanto as frutas tiveram queda nos valores. A abobrinha italiana foi o produto que mais teve reajuste, com aumento de 150%. A caixa com 18kg, que era vendida por R$ 20 em dezembro, passou a custar R$ 50 em janeiro. O saco de 50kg da batata lisa subiu de R$ 90 para R$ 140, reajuste de 64%. A mandioca teve aumento de 14%, e a caixa com 22kg saltou de R$ 35 para R$ 40.
Já as frutas tiveram redução de preço em diversos itens. A embalagem com 20kg de goiaba, por exemplo, que custava R$ 79 em dezembro, agora é vendida a R$ 40, queda de 49%. A laranja teve redução de 7,8%, saindo de R$ 38 o saco com 18kg, em dezembro, para R$ 35 em janeiro. A caixa de uva com cinco quilos caiu de R$ 45 para R$ 30, diferença de 33%. A banana, entretanto, foi uma das frutas que teve aumento de preço. A embalagem com 18kg subiu de R$ 55 para R$ 70, aumento de 27%.
Inflação e escassez de oferta impacta os mais pobres
A professora de Economia Doméstica da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Ana Lídia Coutinho Galvão, explica que a perda generalizada no campo causa um desabastecimento no mercado, o que faz a demanda ultrapassar a oferta, encarecendo os preços. “Muitos lugares sofreram com a seca, e outros, como para nós da região de Minas Gerais, sofreram com excesso de chuva. Isso resulta em impactos no campo. Com essas perdas, os agricultores perdem dinheiro, e o consumidor também é prejudicado, porque o pouco que sobra está tendo encarecimento de cerca de 50%. Então, produtos que eram da safra e que seriam mais em conta pra gente comprar, não estão sendo mais, está tudo caro.”
Além do aumento da inflação, que já vem acometendo a população brasileira, lidar com mais um aumento gerado pela falta de oferta de produto pode impactar ainda mais os consumidores, principalmente os mais pobres, alerta Ana Lídia. “As pessoas já não estavam tendo acesso a esses alimentos mais saudáveis. Agora o acesso ficou mais restrito ainda. O pior é que o cenário no futuro também não é favorável. A gente ainda deve ter um problema mais pra frente com os alimentos não perecíveis, como o milho e o arroz. Muitas plantações desses produtos foram perdidas por causa da seca, então nós já estamos prevendo, para daqui alguns meses, um aumento maior ainda nos preços desses itens.”
Para quem tem condições, a professora sugere que seja feita uma horta caseira para ajudar a passar por esses momentos de escassez. “A gente está sujeito a esse tipo de situação, principalmente com o desmatamento. Então é bom que, principalmente famílias de baixa renda, tentem ter uma hortinha em casa, porque o básico para comer você vai ter ali. Você não vai ter uma plantação de batata ou mandioca, mas dá pra ter um vaso com uma couve, alface, tomate, outras coisas que são menores.”
Ajuda aos agricultores do estado
Diante da quantidade de produtores prejudicados no estado, o Governo mineiro lançou o Plano Recupera Minas, que vai destinar R$ 603 milhões em recursos estaduais para ações na área de infraestrutura e de suporte a pessoas e cidades afetadas pelos fortes temporais. O plano conta com medidas imediatas ou de rápida implementação.
Para agricultores familiares que precisam comprovar as perdas causadas pelas chuvas, a Emater vai elaborar, gratuitamente, laudos técnicos. Estas comprovações são essenciais para que os agricultores familiares consigam renegociar suas dívidas ou financiamentos, além de garantir acesso a seguros. Os profissionais também vão elaborar projetos técnicos para os produtores que necessitem obter recursos junto aos agentes financeiros para recuperação de estruturas nas propriedades ou dos sistemas produtivos prejudicados pelas chuvas.
Além disso, a Emater também irá orientar os produtores sobre o recebimento do Garantia-Safra, um benefício do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) voltado a agricultores familiares da região do Semiárido. O Garantia-Safra é pago aos agricultores inscritos, com renda mensal de até um salário mínimo e meio, com plantio entre 0,6 e cinco hectares, e que tiverem perdas comprovadas por estiagem ou excesso de chuva em lavouras de feijão, milho, arroz, mandioca e algodão. A estimativa é que cerca de 40 mil agricultores poderão ser beneficiados.