Os trabalhadores pouco qualificados na América Latina podem sofrer até uma década com salários mais baixos e ter sua vida profissional permanente marcada pelas crises econômicas como a da pandemia da Covid-19. No caso do Brasil, o impacto sobre o emprego e os salários do trabalhador médio pode perdurar nove anos após o seu início. É o efeito “cicatriz” da crise, de acordo com o relatório do Banco Mundial “Emprego em Crise: Trajetória para Melhores Empregos na América Latina Pós-Covid-19”.
O problema é mais grave para os jovens que estão entrando no mercado de trabalho durante a crise. Já os trabalhadores altamente qualificados sofrem apenas impactos de curta duração e se recuperam rapidamente aumentando ainda mais a desigualdade no Brasil e na região.
Para o Banco Mundial, a pandemia vem cobrando um preço cruel do mercado de trabalho de toda a região, que vive hoje uma taxa “extraordinária de destruição” de empregos e níveis crescentes de pobreza. Estima-se que a crise provocará a recessão mais severa do mercado de trabalho na história de alguns países.
O relatório, divulgado esta semana, no Brasil em webinar organizado pelo Banco Mundial, traz novas evidências sobre os efeitos das crises e recomenda políticas para o emprego com respostas mais rápidas para estimular o crescimento econômico inclusivo e de longo prazo.
Os dados mostram que as grandes sequelas das crises na região persistem por muitos anos, com uma redução longa e expressiva dos índices de emprego formal. Mesmo 20 meses após o início de uma recessão, a taxa geral de empregos continua menor. A taxa de emprego formal, com carteira assinada, continua mais baixa mesmo 30 meses após o início da recessão.
Esse efeito acontece em toda a região, apesar das diferenças nos mercados de trabalho. A crise contribui ainda mais para a redução das oportunidades de empregos tradicionalmente considerados “bons empregos”. Ou seja, empregos do tipo “padrão”: estáveis, protegidos e associados ao setor formal.
“Quando se trata de empregos, a ideia de uma recuperação econômica após grandes crises é um mito”, avalia Joana Silva, economista sênior do Banco Mundial e uma das autoras do estudo. Joana ressalta que a recessão da Covid-19 foi mais dura do que a média, e a contração do emprego formal duradouro pode chegar a 4%. “Quem sofre mais são os jovens que têm um azar que dura 10 anos”, afirma Joana.
Caminho é a informalidade
Nas crises, diz ela, a trajetória do emprego se desvia de uma forma quase permanente no caminho da informalidade. Quem está ingressando no mercado na crise tem muito mais probabilidade de ser informal, de ter empregos piores e com trajetória salarial diferente dos demais. “Eles levam quase uma década para se recuperar e alguns nunca recuperam mesmo”, diz.
Os trabalhadores mais escolarizados, por outro lado, retomam a trajetória que tinham de emprego e salário em mais ou menos um ou dois anos. A economista destaca que o importante neste momento é pensar em novas políticas para que o trabalhador tenha alternativas e outras oportunidades de emprego. “Não é só apoiar financeiramente, mas é ligar esse apoio com políticas ajudando a ter esse trampolim com políticas de formação profissional”, afirma.
Segundo ela, um dos problemas mais graves e preocupantes é que há dificuldade de criação vigorosa do emprego no pós-crise na América Latina. Na crise da Covid-19, cercada ainda de muita incerteza, esse problema se acentua. É o caso do Brasil que está observando uma retomada econômica, mas com níveis muito elevados de desemprego.
Para o economista sênior do Banco Mundial para o Brasil, Matteo Morgandi, o relatório revela a importância de não deixar sozinhas pessoas de baixa qualificação num mundo de trabalho que muda rapidamente e que exige requerimentos profissionais sempre em constante evolução. “Temos que pensar em outras maneiras de seguir formando as pessoas”, diz.
Os resultados sugerem que as crises têm o potencial de empurrar o mercado de trabalho para um novo equilíbrio entre o emprego formal e informal, com consequências de longo prazo para a produtividade e o bem-estar do trabalhador. O impacto de curto prazo das crises sobre o mercado de trabalho é sentido mais fortemente através do desemprego do que da transição para a informalidade.
Estes efeitos da crise têm feito com que as oportunidades tradicionais no setor formal estejam minguando gradualmente. O estudo mostra que, no Brasil, as crises causaram uma redução persistente da produtividade das empresas. Os dados apontam ainda que os empregos em empresas mais protegidas no Brasil, aquelas que enfrentam menos concorrência, são menos afetados pelas crises em comparação aos empregos em empresas menos protegidas.
Seguro-desemprego: função ‘estabilizadora’
O Banco Mundial sugeriu ao Brasil e a outros países da América Latina uma reforma no programa de seguro-desemprego para se adaptar com mais rapidez às novas condições do mercado de trabalho depois da crise da pandemia da Covid-19.
Um dos desafios para a região é a alta informalidade da força de trabalho, que não é coberta pelo seguro-desemprego tradicional. O relatório mostra que a ampliação dos programas de transferência voltados para as necessidades das famílias – e não se o emprego perdido era formal ou informal – podem ter uma função “estabilizadora”.
Somente um terço dos países da região tem seguro-desemprego e, onde há, ele não alcança o trabalho informal (ou seja, sem carteira de trabalho assinada) mais atingido pela crise. “É importante que o seguro-desemprego tenha mais cobertura e seja mais reativo face às crises”, avalia Joana Silvia, uma das autoras do relatório.
Segundo a economista sênior do Banco Mundial, o Brasil foi um dos países que mais fortemente respondeu com apoio na pandemia. Mas mesmo numa economia diversificada, como a brasileira, há o problema de que o trabalho informal não está coberto.
No relatório, o banco recomenda mais investimento em programas de qualificação profissional para os trabalhadores, sobretudo os informais. E também o fortalecimento das redes de seguridade social da região, fazendo com que alguns desses programas se tornem contingentes e sejam ativados automaticamente quando, por exemplo, a taxa de desemprego ultrapassar determinado limiar. Isso deve ser acompanhado de regras claras sobre a duração, as estratégias de redução gradual de escala e os custos fiscais.