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Domésticas anseiam por mudanças

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“É uma garantia para o trabalhador. No meu caso, será mais uma oportunidade de ajudar minha família” Maria Natalina da Silva, doméstica

“Somos uma classe que ainda tem medo. Acostumamos com um modelo antiquado de relação de trabalho.” A declaração da presidente da Associação das Empregadas Domésticas de Juiz de Fora, Neuza Felipe da Silva, em entrevista à Tribuna na última terça-feira, 16 de junho, reflete a difícil realidade enfrentada pela categoria ao longo do tempo. Para se ter ideia, quase metade dos domésticos da cidade, 45,8% ou 10.128 trabalhadores, não tinham carteira assinada em 2010, conforme dados do último Censo do IBGE. Entre eles, apenas 12% contribuíam para a Previdência. Cinco anos depois, a informalidade continua entre os principais problemas enfrentados pelas domésticas, além de jornada de trabalho abusiva, atrasos de salário e pagamento inferior ao que foi combinado, conforme informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A expectativa é que esta realidade seja modificada a partir de outubro, quando novos direitos da classe entram em vigor (ver quadro).

Os benefícios são assegurados pela proposta de emenda à Constituição (PEC) 478/10, também conhecida como PEC das Domésticas, promulgada em 2013. Desde então, os trabalhadores estavam à espera de sua aplicação e, no início deste mês, finalmente foi regulamentada. Para a presidente da entidade, trata-se de uma “grande conquista” de direitos, embora ela mesma já esteja aposentada e não vá desfrutá-los. “Estou feliz porque é o resultado de um trabalho árduo. Foram muitas reuniões em Brasília. Já até dormi na porta do Congresso, para conseguir valer esses direitos”, relembra. “Sou de um tempo em que a menina começava a trabalhar criança e crescia na casa de família. Não tinha jornada definida, domingo de folga e nem recolhimento do FGTS. Tive a sorte de ter a carteira assinada naquela época e ter me aposentado de forma tranquila. Mas, ainda hoje, isso não acontece com todas.”

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A doméstica E., 38 anos, por exemplo, trabalhou de dezembro a junho sem carteira assinada. Além da informalidade, E. conta que enfrentou outros problemas em sua rotina. A trabalhadora nunca assinou folha de ponto e nem recebeu pelas horas extras. “Meu horário era até 19h, mas várias vezes fiquei até 22h, porque tinha que esperar os patrões chegarem. Este foi o principal motivo para eu pedir demissão.”Segundo E., o acerto de contas também foi problemático. Conforme cálculos da Associação das Empregadas Domésticas, ela recebeu valor menor do que deveria. “Já estava desconfiada e, por isso, recorri à Justiça do Trabalho. Mas como não tinha carteira assinada, não consegui comprovar vínculo.” Animada com a nova legislação, E. afirma que, daqui para frente, irá se preocupar em fazer valer seus direitos. No entanto, ainda desconhece a maioria deles. “Não sabia que já tinha que assinar ponto.” Pronta para procurar uma nova oportunidade, ela teme ter dificuldades. “Minha preocupação é se as pessoas vão continuar contratando com a obrigatoriedade de pagamento destes benefícios.”

Na análise do professor doutor do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, André Moysés Gaio, a partir de agora, os empregados domésticos deverão se impor como portadores de novos direitos para que, assim, ocorram as tão esperadas mudanças nas relações trabalhistas. “O trabalho doméstico, sob as novas condições, irá requerer um completo reajustamento. Antes, era visto e praticado como uma extensão das relações de escravidão, embora emocionalizadas pelos empregadores, que afirmavam ser a empregada quase um membro da família.” Ele destaca que o “modelo antiquado de trabalho” citado por Neuza é bem atual para as sociedades de países pobres e em desenvolvimento. “Mudanças recentes afetaram a categoria, especialmente porque se expandiu o mercado de diaristas e aumentou a demanda salarial de domésticas.” Atualmente, conforme Gaio, o trabalho doméstico emprega 6,7 milhões de mulheres e 500 mil homens, mas a formalização só alcança 26,3%. “Com a regulamentação, o salário tende a aumentar,assim como a especialização dos profissionais.”

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‘Não há motivo para demitir’

A preocupação de E. é extensiva a muitas empregadas. Os dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que de 2012 para 2013, ano em que a PEC das Domésticas foi promulgada, o salário médio dos trabalhadores do setor em Juiz de Fora reduziu de R$ 652,51 para R$ 639,83. A queda pode ser explicada pelos casos em que o empregador pagava acima do mínimo (R$ 622 na época) e decidiu reduzir o salário por conta do aumento de custos que foi gerado com a ampliação dos direitos da categoria. Hoje o salário médio praticado na cidade está em R$ 858,82.

Apesar dos números mostrarem um “retrocesso” no mesmo período em que a categoria conquistou novos direitos, o chefe do Setor de Relações do Trabalho do MTE em Juiz de Fora, Sérgio Nagasawa, diz que os registros de queixas de empregados domésticos têm se mantido estável desde então. “A movimentação tem sido a mesma, assim como a natureza das reclamações. Problemas com relação ao cumprimento da carga horária, ausência de registro, atraso de pagamento ou salário inferior ao combinado são os mais recorrentes.” Na análise de Nagasawa, a aprovação dos novos direitos traz ganho às relações de trabalho, mas pode dificultar o ingresso destes profissionais no mercado.

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Já a Associação das Empregadas Domésticas de Juiz de Fora não acredita em demissão em massa, pelo contrário, defende que a nova legislação irá reduzir o número de trabalhadores sem carteira assinada. “A categoria enxergou a regulamentação como uma grande conquista. Acreditamos que, a partir de agora, haverá diminuição da informalidade, pois a classe está interessada em fazer esses direitos serem aplicados”, explica o advogado Manoel Ferreira Leal. O presidente do Instituto Doméstica Legal, Mário Avelino, afirma que “não há motivo para demitir”. Segundo cálculos da entidade, que representa os empregadores, a nova legislação aumenta em 8% os gastos com o empregado doméstico. Para quem conta com os serviços do funcionário no horário das 22h às 5h, o percentual é 20%. “O aumento de custos será pequeno para deixar de contar com o trabalhador. Acompanhamos desligamentos precipitados. A lei é justa, porque confere às domésticas os direitos comuns a todos os trabalhadores, e equilibrada, pois teve a preocupação com o lado do empregador ao reduzir a alíquota do INSS para 8%.”

Na prática

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Contando com o trabalho da funcionária Maria Natalina da Silva, 54 anos, há dez anos, a família do analista de compras Cassiano Paulo Dias, 47, pretende se adaptar à nova legislação. “Entendemos que é importante esta conquista de direitos e estamos buscando informações para fazer tudo dentro da lei e mantê-la conosco. O trabalho dela é fundamental para nós, e a relação de confiança que criamos faz toda a diferença.” Natural de Mar de Espanha, Maria trabalha como empregada doméstica desde os 19 anos. “Vim para Juiz de Fora quando a família para a qual trabalhava se mudou.” Depois de alguns anos, ela decidiu construir a própria família e se afastou da profissão. “Quando retornei foi para trabalhar nesta casa”, diz, rendendo muitos elogios aos patrões. Hoje ela é mãe de três filhos e avó de dois netos. Maria conta que ficou “animada” com os novos direitos conquistados pela categoria. “É uma garantia para o trabalhador. No meu caso, será mais uma oportunidade de ajudar minha família.”

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