Site icon Tribuna de Minas

Fernando Dolabela fala à Tribuna sobre educação empreendedora

PUBLICIDADE

Natural de Belo Horizonte, Fernando Dolabela é referência quando o assunto é educação empreendedora. É autor da metodologia Pedagogia Empreendedora, presente na rede pública de ensino de 148 municípios brasileiros. O método é direcionado para a educação básica, que envolve alunos entre 4 e 17 anos. O programa já capacitou cerca de dez mil professores que atuaram na formação de, aproximadamente, 400 mil estudantes. Na área universitária, desenvolveu a metodologia Oficina do Empreendedor, adotada por 400 instituições de ensino e responsável pelo treinamento de cerca de cinco mil docentes. Ambos os projetos têm como objetivo mostrar que é possível empreender em qualquer área, desde que haja estímulo a este potencial. “Empreender não é só abrir empresa. Esta é uma das possibilidades, mas não a única”, garante. “O empreendedor gera transformações no mundo através da criatividade, e isto pode ser feito em qualquer área.”

PUBLICIDADE

No entanto, para fortalecer o empreendedorismo no Brasil, ele destaca que algumas questões precisam ser repensadas. “O empreendedorismo ainda é visto de forma depreciativa, tratado como ideologia. É um atraso absurdo considerar as capacidades humanas de criatividade, transformação e produção de riqueza como algo ideológico. Empreendedorismo não é de esquerda ou direita”, critica. “É um fenômeno de redes.” Autor de 15 livros, entre eles o best-seller “O Segredo de Luísa”, que vendeu mais de 320 mil cópias, Fernando Dolabela volta a Juiz de Fora, em abril, para participar da sétima edição do Seminário Internacional de Educação Contemporânea (SIEC) 2020. Na ocasião, irá proferir a palestra “Educação empreendedora: como a educação 4.0 pode mudar o modo como aprendemos?”. A Tribuna conversou com Fernando Dolabela para saber mais sobre o trabalho desenvolvido por ele.

Tribuna – Quais são as expectativas para retornar a Juiz de Fora?
Fernando Dolabela – São muito boas. Já estive na cidade para a realização de cursos e palestras, e agora irei para participar do seminário.

PUBLICIDADE

– A sua palestra irá falar sobre educação 4.0. O que é este conceito, como irá abordá-lo?
– Na verdade, eu irei abordar a educação empreendedora, que é revolucionária. Não existe um corpo teórico para a ação empreendedora. O empreendedor lida com o futuro, e não há ciência para isso. Eu sou otimista porque acredito que com a inteligência artificial e as novas tecnologias, a nossa rotina já está sendo absorvida pelas máquinas, e isso nos dará mais espaço para o entendimento do potencial humano. Seremos mais criativos. Então, é preciso estimular isso desde já, por meio do empreendedorismo.

– Qualquer pessoa pode empreender?
– Sim. Nós nascemos com esse potencial. É como correr, falar, cantar, calcular… mas precisa ser estimulado. Empreender é gerar transformações no mundo através da criatividade, ousadia, tolerância ao risco. Estes potenciais estão em cada um de nós, mas a educação convencional não os estimula. Ela parte do pressuposto de que há um conteúdo específico a ser assimilado pelos alunos, e o resto não interessa. A educação comete o equívoco de se dirigir ao aluno médio, o que é uma ficção. O aluno médio não existe. Cada pessoa é diferente e deve ser educada de forma personalizada. Para atingir um grande número de pessoas, a educação lida com um conjunto e não com o indivíduo, ela comete este engano.

PUBLICIDADE

– E como é a metodologia da educação empreendedora?
– No programa Oficina de Empreendedores, eu preparo professores universitários para desenvolverem o potencial empreendedor de seus alunos. Isto pode ser na física, no jornalismo, na música, em qualquer área. Todos nós podemos ser empreendedores. Na educação básica, o foco é para que a sala de aula se torne um ambiente empreendedor. Quem gera o conhecimento é o aluno. Numa aula de empreendedorismo não há respostas. O aluno deseja, cria, projeta o que quer ser no futuro. A educação convencional transmite o conhecimento e ensina um ofício. A educação empreendedora estimula o aluno a descobrir o que ele vai fazer com o conhecimento adquirido.

– Quais os resultados observados com a metodologia da educação empreendedora?
– Os resultados são muito interessantes. Quando um prefeito contrata este trabalho para a rede de ensino, eu peço que ele visite pessoalmente uma das cidades que aplicaram o método para perceber pessoalmente como o trabalho funciona.

PUBLICIDADE

– Na educação básica, a metodologia é aplicada para crianças a partir de 4 anos. Quais são os desafios de tratar o empreendedorismo nesta faixa etária?
– Quanto mais cedo falarmos de empreendedorismo melhor. As crianças adoram porque elas são muito criativas. Na infância, nós recebemos uma caixa de lápis com 64 cores, mas quando saímos da faculdade mal dominamos uma caneta de tinta preta. Esta metáfora mostra o quanto as artes e a criatividade se perdem neste processo. O empreendedorismo nasce com a pessoa, ele tem vida. Não é como a física, que existe além e apesar das pessoas, e o conhecimento está lá para o aluno acessá-lo entendê-lo. O empreendedorismo existe à medida em que a pessoa usa o seu potencial. E, para isso, é preciso fazer, errar, refazer, reconsiderar, repensar, fazer de novo.

– Como você avalia o sistema educacional do Brasil?
– Para eu responder a sua pergunta, implicaria em ser especialista em educação, mas eu sou especialista em educação empreendedora. Pelo que vemos no jornal, o sistema educacional está falido. Ele se tornou um problema. A escola, e aqui eu me refiro da pré-escola ao pós-doutorado, está desconectada da realidade. Ela tem um corpo de conhecimento acadêmico-científico que é autossuficiente e, por vezes, parece não precisar do mundo lá fora. Claro que eu cometo imprecisões nesta análise, pois há exceções brilhantes, mas de forma geral é isso que está acontecendo no Brasil e no mundo inteiro. A escola assumiu um processo de transferir informação e conhecimento, mas não houve a preocupação sobre o que o aluno vai fazer com esse conhecimento. Esta questão é devolvida para a sociedade.

– Temos visto muitas escolas oferecendo aprendizados além da grade curricular tradicional. São disciplinas que vão desde jardinagem até robótica. Como você avalia essas mudanças?
– Não sei se tratam exatamente de mudanças, depende da forma como este ensino é feito. Do contrário, é só a escola oferecendo um ofício diferente para o aluno. O empreendedorismo significa o que eu vou fazer com o meu conhecimento para melhorar a vida de forma coletiva. Pesquisas indicam que as escolas não se preocupam com criatividade, isto não é um tema acadêmico. Mas a verdade é que ela é o ponto básico, pois significa rebeldia, quebra de padrões. Só que isto não interessa para uma proposta educacional criada numa era industrial.

– O que é preciso para fortalecer o empreendedorismo no país?
– É preciso entender que empreendedorismo não é ideologia e, a partir daí, criar políticas de valorização e sinalização social positiva para a criação de um ecossistema empreendedor. É preciso que a mãe que fica orgulhosa quando o filho passa no concurso público também se orgulhe se ele empreender. Com essa mudança cultural, poderemos aprender sobre como funciona uma sociedade avançada de livre mercado e criar políticas públicas nessa área. O fortalecimento do empreendedorismo passa pela criação de um ecossistema empreendedor

– Como criar este ecossistema?
– Empreendedorismo é um valor cuja propagação se dá através do contato social. Nós estamos falando de redes, de relação entre seres humanos. Empreendedorismo é um fenômeno de redes. Para que eu empreenda, eu preciso me relacionar com pessoas que possam dar suporte, apoiar o meu projeto e me ajudar a construir o futuro que eu desejo. É preciso estimular o crescimento das empresas que possam servir de modelo e mentoras para novos negócios. O empreendedorismo é um fenômeno de cidades, não de nações.

– Juiz de Fora é uma cidade que vivenciou, nos últimos anos, um crescimento do número de startups. Você acha que esta é uma possibilidade para fortalecer o empreendedorismo? Por quê?
– Sim. O processo não depende, necessariamente, de empresas de alta tecnologia. Neste sentido, sou bastante crítico em dizer que a presença de uma incubadora em uma localidade não resolve a questão. É preciso ter a mentalidade de crescimento em escala. Empresas que apoiam o desenvolvimento local, da sociedade, porque entendem que isto reflete em geração de renda, aumento de vendas e retorno. No Brasil, ainda vemos um ciclo da “monoempresa”, “monoindústria”, “monocultura”… Empreendedorismo é o contrário, é rede. São vários agentes de transformação da sociedade.

Exit mobile version