Entrar no mercado, escolher os produtos e ir para o caixa pagar. Essa rotina de consumo faz parte do dia a dia dos brasileiros e fica quase impossível pensar em um modelo de vendas que não inclua essas três etapas. Mas e se o mercado estivesse dentro do seu condomínio, academia ou empresa? E, além disso, não tivesse atendentes, nem caixa para receber o pagamento? Essa é a ideia dos mercados autônomos, comércios nos quais o cliente entra, escolhe os produtos, paga por conta própria, e vai embora – tudo isso a poucos metros de casa.
A estudante Maria Eduarda Caçador, de 23 anos, diz que ficou um pouco resistente quando um mercado autônomo chegou ao seu condomínio, na segunda metade de 2022. O estabelecimento fica em um contêiner instalado no estacionamento. Para entrar é preciso baixar o aplicativo do mercado e fazer um cadastro, no qual são exigidos dados pessoais como nome, CPF, número de telefone, idade, entre outros. Essas informações são importantes para que a empresa tenha o controle de quem entra e quem sai. “A porta fica trancada e, para ter acesso aos produtos, é preciso escanear um ‘QR code’ que vai dar acesso ao interior do conteiner”, explica Maria.
Lá dentro tem quase de tudo, desde produtos de higiene pessoal a alimentos e bebidas. “É ótimo para quando você está fazendo uma receita e percebe que esqueceu de comprar um ingrediente. É só descer um lance de escadas e ir até lá. É muito rápido e cômodo.” O preço é um pouco mais salgado se comparado a mercados maiores, afirma Maria, mas, para ela, a proximidade e a praticidade compensam.
Assim como a estudante, diversos outros juiz-foranos têm aderido aos mercados autônomos. O professor da Faculdade de Administração da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Victor Paradela explica que essa nova forma de consumir vem na esteira de outros processos de facilitação de compra. Diferente do delivery, no mercado autônomo a compra é imediata. “Com o trânsito cada vez mais difícil, ao invés de se deslocar a um ponto, ou esperar que o entregador venha até você, existe esse empreendimento perto da sua casa, que oferece produtos básicos aos quais você pode ter acesso quase instantâneo. É um exemplo de uma flexibilização radical que está ganhando espaço, tanto nos grandes centros quanto em cidades de porte médio.”
Diferentes postos de trabalho
No lugar do caixa, um aplicativo. Essa mudança pode suscitar a ideia de que trabalhadores estariam perdendo seus postos convencionais para máquinas. Isso, de fato, ocorre em certa medida, como explica Paradela. “Como todas as inovações que já ocorreram ao longo da história, esta também pode causar desemprego. Ao mesmo tempo que a tecnologia causa desemprego em áreas menos qualificadas, ela gera outras oportunidades. No caso específico dos supermercados, eu não creio que essa realidade seja muito dramática, porque o mercado tradicional não vai deixar de existir. A tendência é que os consumidores utilizem o mercado autônomo pela questão de conveniência, não para fazer as compras do mês.”
Thales Sarchis é um dos sócios do Seu Mercado, uma empresa 100% juiz-forana, responsável pela instalação de 22 mercados autônomos na cidade. Sobre a questão dos empregos, ele explica que, por mais que não tenha um funcionário atuando fisicamente em cada uma das unidades, há uma equipe enorme por trás para manter o negócio. “Nós temos os funcionários de reposição, os que controlam o sistema operacional, terceirizados responsáveis por montar a estrutura dos mercados nos condomínios. A gente fala mercado autônomo na questão do atendimento, mas existe toda uma cadeia de pessoas trabalhando para manter o negócio 24 horas por dia.”
Além das lojas em condomínios fechados, o Seu Mercado abriu, em novembro de 2022, o primeiro empreendimento acessível ao público geral. A unidade fica no Bairro Estrela Sul, na Zona Sul de Juiz de Fora. De acordo com Thales é a primeira iniciativa do tipo na cidade. “Em apenas 15 dias nós conseguimos superar o faturamento das unidades dentro dos condomínios”, garante. Ele ainda aponta que grande parte dos clientes acessa a loja em horários no qual o comércio convencional está fechado. “E não temos apenas clientes do Estrela Sul, tem gente que vem de outros bairros da região e até de outras partes da cidade.”
Por ser uma empresa de Juiz de Fora, Thales conta que o Seu Mercado também procura estabelecer parcerias com produtores locais. “Produtos mais caseiros, regionais, parceiros, estamos sempre procurando isso, trazer um mercado de Juiz de Fora para Juiz de Fora.” De acordo com ele, apesar da resistência de algumas pessoas, a cidade possui o perfil ideal para expandir esse tipo de negócio. “Acho que é uma questão cultural do mineiro ser um pouco desconfiado, mas depois que ele entende como funciona, pega gosto pelo negócio. E a gente sabe que o juiz-forano gosta de ser bem servido, de ter uma experiência de compra de qualidade, e isso nós temos a oferecer.”
Consumo diário
Também de Juiz de Fora, o empresário Rodrigo Maffia começou o negócio em 2021 e já possui seis mercados autônomos distribuídos em condomínios residenciais, são eles o Casa Tua Empório e Alphamarket. A reportagem conversou a com sócia administrativa, Tatiana Maffia, que afirmou que, cada vez mais, as pessoas estão buscando soluções práticas e próximas da residência. “Procuramos sempre colocar produtos de consumo diário, como pães frescos, produtos artesanais e locais, para o cliente não enxergar o nosso mercado como uma solução somente quando falta um produto específico na sua casa”, afirmou a sócia administrativa, Tatiana Maffia.
Polo de franquias nacionais
Além de empresas locais, Juiz de Fora tem atraído franquias de mercados autônomos já consagrados no Brasil, a exemplo do Market4u. Anastácia Lellis e Vivian Lima, sócias franqueadas da Market4u na cidade, conversaram com a reportagem e contaram como, em julho de 2022, trouxeram a ideia para a região. Atualmente já são cerca de 1.195 clientes ativos, ou seja, pessoas que fizeram o cadastro no aplicativo para poder acessar os mercados.
Atualmente o Market4u existe não apenas em condomínios residenciais, mas também em empresas e academias. Conforme explica Anastácia, o mercado busca se adequar à estrutura do local e não gerar custo nenhum ao condomínio, oferecendo um retorno para compensar os gastos de energia. “O ‘boom’ maior foi na pandemia, mas acredito que agora a adesão dos consumidores esteja até aumentando.” As sócias ainda explicam que existe um controle do que é vendido. Bebidas alcoólicas, por exemplo, ficam em uma geladeira bloqueada para menores de idade.
A Be Honest é uma empresa com sede em Belo Horizonte e veio para Juiz de Fora em maio de 2022. Atualmente são 12 unidades em condomínios da cidade. A dinâmica é a mesma dos demais mercados autônomos, e em concordância com o nome, o índice de honestidade por parte do consumidor é bem elevado. Como afirma o fundador da empresa, Felipe Quintina, em Juiz de Fora existe apenas 1% de desvio, que é quando uma pessoa pega um produto e não paga. “No geral, não temos muitos problemas quanto a isso. Existe todo um sistema de segurança, com câmeras e controle dos clientes. Se uma pessoa não paga por um produto, nós entramos em contato com ela e geralmente isso costuma resolver. Por ficar constrangida, ela realiza o pagamento na hora. Mas é uma questão de confiança. Não podemos deixar que esse percentual de pessoas ‘desonestas’ prejudique o funcionamento para os 99% que dão credibilidade ao nosso serviço.”