O dia seguinte ao apagão dos serviços do Facebook _ que interrompeu por mais de seis horas não só a rede social, mas também o funcionamento do WhatsApp e do Instagram _ foi de recuperação para os comerciantes juiz-foranos, sobretudo para aqueles que trabalham exclusivamente on-line ou atribuem uma boa parte das vendas aos anúncios e às negociações por meio dessas plataformas. Para muitos, a terça-feira (5) foi dedicada a recuperar prejuízos e a retomar conversas comerciais que ficaram paralisadas, seja com clientes ou fornecedores. Houve também quem optou na tarde de segunda por migrar para alternativas virtuais, como o aplicativo de conversa Telegram, e também quem recorreu ao telefone para fazer aquela antiga e boa ligação, cada vez mais distante da realidade atual. Enquanto isso, o TikTok e o Twitter foram utilizados para alertar que o problema não era pessoal, mas de escala global.
Coincidência ou não, a segunda-feira marcada pela queda mundial nas redes sociais e no aplicativo ligados ao Facebook também foi de vendas presenciais em baixa, segundo o presidente do Sindicato do Comércio de Juiz de Fora (Sindicomércio-JF), Emerson Beloti. “Hoje em dia os negócios ficaram muito em volta desses aplicativos, principalmente WhatsApp e Instagram, então, evidentemente, o problema acabou causando desconforto terrível, porque muitos negócios foram paralisados. Apesar de existir e-mail e telefone, em muitas das vezes os negócios não são feitos dentro das bases (físicas), estão cada vez mais interativos”, avaliou Beloti.
Segundo ele, apesar de algumas decisões terem sido adiadas, muitos empresários buscaram outros caminhos ou se comunicaram por outras plataformas, como o Telegram. “Eu, inclusive. Porque até os telefones ficaram congestionados. Vimos o quanto ficamos dependentes dessas ferramentas. E se caíssem também os servidores de internet? Seria o caos.” Conforme Beloti, os setores de varejo e de serviços, incluindo alimentação, foram os mais afetados. “Com a pandemia, muitos abraçaram WhatsApp e Instagram. No varejo, as vendas ainda são tímidas perto do volume total, mas conversei depois com vários empresários e, na segunda, o comércio (presencial) estranhamente foi muito ruim, não foi um bom dia comercial, alguns negócios ficaram bem prejudicados.”
Loja on-line de camisas tem queda de 70% nas vendas
A Trinca Camisas Personalizadas, empresa on-line juiz-forana, que, desde 2015, trabalha com a criatividade na elaboração de artigos de vestuário em geral, focada no público universitário, chegou a sentir até 70% de queda nas vendas da loja on-line durante o apagão das redes. “O caminho mais comum para o cliente chegar até nosso ‘endereço virtual’ são nossas redes sociais”, observou o sócio Leonardo Botti, 34 anos.
Enquanto no endereço eletrônico o cliente encontra opções disponíveis para compras unitárias, mas não pode personalizar as peças, os pedidos personalizados sob encomenda para turmas são tratados via WhatsApp, e-mail e telefone. Para se ter uma ideia do tamanho do impacto de ficar “fora do ar” por algumas horas, em seis anos de funcionamento da Trinca já foram enviados artigos para mais de 300 cidades em todo o Brasil, segundo ele.
“Para os pedidos personalizados, em que os atendimentos são realizados via WhatsApp, tivemos negociações que ficaram travadas. Não conseguimos mensurar se houve algum prejuízo, visto que as negociações foram retomadas hoje (5), e, a princípio, nenhuma pessoa desistiu devido a esse atraso de ‘um dia’ para o fechamento de seu pedido.”
Questionado se a experiência o leva a outros caminhos, Leonardo disse que não planeja alterações, inicialmente. “Seguiremos nossos atendimentos da mesma forma, mas o ocorrido certamente serviu para ligar nosso alerta para nossa dependência dessas ferramentas e buscar novas alternativas de atendimento em situações como essa.”
Idealizadora da IBI Cosméticos Naturais, Maria Clara Gusmão, 33, também comercializa seus produtos 100% on-line desde janeiro, o que a permite romper as fronteiras de Juiz de Fora em busca de consumidores para seus fitocosméticos veganos e biodegradáveis. “Se eu não postar, eu não vendo. Então, na tarde de segunda, eu não consegui mexer em nada. Com certeza perdi venda, não sei dizer o quanto, mas a gente deixa de interagir, divulgar.” Ela também estava realizando uma venda para São Paulo e perdeu o contato com a cliente, mas felizmente conseguiu retomar na terça.
Os prejuízos para Maria Clara ainda se estenderam para outra esfera, já que ela também é professora de Ioga e estava usando o Instagram para comunicar seu retorno com aula presencial no Espaço Energia, no Centro, exatamente no dia do apagão. “Precisava divulgar e me comunicar com as alunas através do WhatsApp. Também prejudicou minha aula on-line, que precisou começar atrasada e teve menos alunas do que de costume, porque algumas não viram a tempo que havia voltado.”
A professora e empresária acrescentou que a queda das redes atrapalhou ainda a divulgação da exposição dos produtos da IBI no projeto Afeira, no próximo domingo e terça-feira, no Experimental Container Bar. “Eu estava produzindo, queria postar para divulgar, mas não dava.”
Loja física chega a comercializar 80% no virtual
Proprietária de quatro lojas de roupas na cidade, Silvana Souza, 46 anos, viu despencar as negociações na tarde de segunda em um dos seus estabelecimentos, a Drop’s Spazio. Mesmo com a loja física no Spazio Design, no Estrela Sul, ela contou que trabalha com o modelo de atendimento personalizado ao cliente, que pode experimentar os modelos em sua própria casa, o que acaba levando as negociações para o campo virtual. “O impacto foi muito grande. Hoje em dia minhas vendas são 30% pelo Instagram e praticamente 50% pelo WhatsApp. Ficou tudo parado, porque dependemos do contato com o cliente.”
Mesmo na Outlet Dps, na Rua São João, na Atitude Fashion, no Marechal Center, e na Moda Express, na Avenida Itamar Franco, a empresária sentiu a paralisação das ferramentas digitais, já que concentra de 30 a 40% das vendas nessas plataformas. “Estamos correndo atrás do prejuízo, nas postagens e nos contatos com os clientes via Direct e WhatsApp. Mas como também fazemos trabalho off-line, conseguimos manter um equilíbrio.” Ela ponderou que nas ruas também há diversos fatores que influenciam as vendas, como o clima chuvoso, que pode ter contribuído para o movimento abaixo da média na segunda.
Apesar de a paralisação dos serviços do Facebook terem acontecido em plena hora do almoço, por volta das 12h40, a Vó Sinhá, tradicional restaurante self-service da Rua Braz Bernardino, no Centro, acredita ter conseguido contornar a situação, apesar do aumento dos pedidos via aplicativo desde o começo da pandemia. “Na hora em que caiu o WhatsApp, a maioria dos pedidos de almoço já havia entrado. Alguns clientes que não conseguiram falar pediram por telefone. Mas é provável que tenhamos perdido alguma venda sim”, avaliou Gustavo Gerheim, 45, à frente da padaria que leva o mesmo nome. “Na padaria pode ter havido impacto também, mas alguns clientes ligaram para fazer pedido.”
‘O mundo parou’ e precisamos de alternativas
O presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL/JF), Marcos Casarin, destacou que “o mundo parou” na tarde de segunda-feira. “São três bilhões de pessoas conectadas, e muitas empresas tiveram até 80% de queda nas vendas. Acredito que em Juiz de Fora também, porque muitas delas são dependentes, ainda mais na pandemia. Isso aí já é o novo normal. Agora a opção que eu acho é que os empresários devam ter uma segunda alternativa, como o Telegram, porque se um aplicativo parar, tem o outro. Acho que isso aí foi até um recado.”
Casarin destaca que todos os setores foram impactados. “Na alimentação, as pessoas costumam ter mais afinidade e usam o telefone (ou aplicativos de comida). Mas até o vestuário tem trabalhado mais com delivery, às vezes posta nas redes sociais aquela foto para chamar o cliente e marca horário pelo WhatsApp. Cada um se vira como pode, porque muitas pessoas vão à loja física, mas outras preferem experimentar em casa e, se não gosta, devolve. A pandemia evoluiu muito esse mundo digital que estamos vivendo.”
Para ele, o mais importante, passado o susto, é tentar se recuperar. “Quem não fez ontem, que faça hoje. Espero que aconteça essa recuperação, porque todos estão precisando.”
Indenização
De acordo com o especialista em Direito do Consumidor na Era Digital Marco Antônio Araújo Júnior, a queda do WhatsApp pode gerar indenização aos usuários que tiveram prejuízos materiais comprovados, porque o comunicador instantâneo se enquadra como serviço pelo Código de Defesa do Consumidor. Segundo ele, devido às falhas na prestação de serviços, a empresa responsável, no caso a Facebook, poderá ser condenada. “Há muito tempo o WhatsApp deixou de ser uma simples ferramenta de comunicação e passou a ser um serviço, com remuneração indireta, colocado no mercado de consumo. Pessoas e empresas que utilizam a plataforma como instrumento de trabalho ficaram impedidas de realizar suas atividades e podem ter tido prejuízos financeiros em razão disso. Se comprovados, o Judiciário pode condenar a empresa em indenizar os usuários.”
Além disso, ele lembra, com a pandemia, as empresas passaram a utilizar os canais digitais para a realização de pedidos, vendas e entregas pelo aplicativo Whatsapp. Fora o uso pessoal, sem pagamento direto pelo usuário, mas com remuneração indireta em razão das publicidades direcionadas realizadas pelo Instagram e Facebook, também há o WhatsApp Business, com funcionalidades especiais e benefícios para empresas de pequeno e médio porte. Dessa forma, ele orienta os usuários que se sentirem prejudicados pela interrupção dos serviços a demonstrarem os negócios que deixaram de ser realizados, os prejuízos que tiveram em razão da falha na prestação de serviços e a comprovarem, de forma efetiva, que deixaram de realizar suas atividades profissionais.