Seguindo a tendência dos grandes centros, Juiz de Fora quer se consolidar na rota das cidades para se tomar um bom café. O segmento de cafeterias cresceu nos últimos anos e, junto desta expansão, veio o interesse em tornar o consumo da bebida uma experiência diferenciada. Para isso, os estabelecimentos se especializaram, trouxeram produtos de diferentes lugares, qualificaram a mão de obra e apresentaram novos sabores para o consumidor, que se abriu à novidade dos cafés especiais. Agora as cafeterias juiz-foranas querem dar mais um passo: se organizarem para fortalecer a cadeia local, de modo a facilitar o acesso a equipamentos e insumos e fomentar a realização de eventos. Com esta consolidação, o segmento poderá aumentar a demanda interna e atrair o público externo, criando mais um atrativo turístico local.
Diferentes iniciativas estão sendo desenvolvidas com a proposta de fortalecer o setor. Apreciador de café e empresário do setor de turismo, Ruy Mascarenhas acredita que as cafeterias têm potencial para colocar Juiz de Fora como uma opção para os amantes da bebida. Pensando nisso, ele reuniu parte dos estabelecimentos na primeira edição do Special Coffee Festival, evento direcionado à degustação de cafés especiais e gourmet. “O festival não tem viés competitivo, pois a ideia é promover a aproximação entre os estabelecimentos e, também, com os consumidores. Cada lugar oferece um combo, com uma especialidade em café e um acompanhamento, por um preço acessível.”
O festival segue até o dia 30 de agosto e tem a participação das cafeterias Tutto Per Lo Caffe, The Rope, Café Sabor das Palavras, Mr. Pinna, Jules Café, Fit Store, Café com Prosa, Casa do Pão de Queijo e Espaço Excalibur. Paralelamente, ocorre uma edição do evento em Petrópolis, no Rio de Janeiro. “A ideia é promover o intercâmbio entre as duas cidades, já apresentando aos consumidores de fora o potencial que temos aqui”, explica Ruy. “Acredito que possa acontecer, com os cafés especiais, um movimento semelhante ao que ocorreu com a cerveja artesanal em Juiz de Fora. O fortalecimento da cadeia pode atrair outras empresas relacionadas ao setor, bem como cursos e eventos.”
De acordo com Ruy, o festival é apenas o primeiro passo na busca por esta consolidação. “A nossa ideia é torná-lo um evento anual com a participação de mais estabelecimentos.” Dentre as outras iniciativas previstas está a realização do Walking Coffee, um circuito a pé com um grupo de pessoas – da cidade e/ou turistas – para visitar diferentes estabelecimentos e degustar cafés. “Os eventos gastronômicos são grande atrativo turístico. Juiz de Fora pode aproveitar as cafeterias para criar oportunidades.” Segundo ele, também há o interesse em formar uma associação que possa trabalhar em prol deste projeto de fortalecimento, que incluiria a parceria com o Sistema S para a qualificação de mão de obra.
Desdobramentos econômicos
Na avaliação do analista técnico do Sebrae, Gustavo Magalhães, Juiz de Fora tem tradição no consumo de café, experiência que foi passando por mudanças nos últimos anos. “Embora não seja uma produtora, a cidade sempre teve o hábito de consumir. No Centro, temos vários estabelecimentos conhecidos pela oferta do cafezinho acompanhado do pão, do pastel”, destaca. “De uns tempos para cá, vimos surgir no mercado os lugares especializados, com diferentes métodos de preparo e oferta de outras bebidas a base de café.”
O comportamento do público consumidor também mudou neste período em que os cafés especiais e gourmet surgiram no mercado. “Os consumidores estão mais abertos para estas novidades, interessados em experimentar. Com o acesso à informação, eles estão mais críticos. Sabem o que estão consumindo, qual é a qualidade e se é válido pagar mais por aquele produto.”
Para Gustavo, a união das cafeterias pode trazer muitos benefícios. “O trabalho em conjunto aumenta o interesse dos fornecedores, auxilia a estruturação dos negócios e possibilita o desenvolvimento de uma cadeia para atender este setor”, exemplifica. “E isso cria desdobramentos econômicos muito positivos: promove o aquecimento da demanda local, atrai consumidores de outras cidades e desperta o interesse de novos negócios se instalarem aqui. Com este fortalecimento, a cidade pode se tornar referência para a realização de eventos e feiras, que irão trazer impactos para outros setores, como comércio e hotelaria.”
Da tradição à inovação: a evolução do mercado
Foi a memória afetiva dos cafés na casa da madrinha que fez com que Olívia Maria de Castro Barroso decidisse abrir a cafeteria Grão Moente, que completa 21 anos este ano. Ao longo desse tempo, ela acompanhou as mudanças no mercado e no comportamento dos consumidores e compreendeu que, para a longevidade do negócio, seria preciso um aprendizado constante. “Eu me preparei para montar a cafeteria, mas o acesso à informação era mais difícil. Estudei muito sobre gestão e fiz um curso no Sebrae. Eu queria começar trazendo novidade que, naquela época, era o café expresso.”
Ela compara a realidade há duas décadas com a atual. “É muito diferente. Nós não tínhamos a quantidade de grãos com a qualidade, a variedade e os sabores que temos hoje. O consumidor mudou também, está mais informado e interessado em experimentar coisas novas.” Diante disso, a empresária percebeu que seria necessário acompanhar as tendências. “Fiz cursos com baristas em São Paulo e Belo Horizonte para poder aprender novos métodos de preparo. Como não temos essa oferta de qualificação em Juiz de Fora, eu mesma treinei minha equipe.” A Grão Moente possui sete funcionários.
Olívia analisa de forma positiva o aumento da concorrência e a possibilidade de uma associação dos estabelecimentos. “Ter mais lugares trabalhando com café especial ajuda a disseminar essa cultura e, também, nos permite conhecer novidades. O trabalho em conjunto pode trazer muitas vantagens para o setor como um todo.”
É neste cenário de expansão que foi criada a Tutto Per Lo Caffe, uma das cafeterias mais recentes da cidade, que abriu as portas em março deste ano. “De acordo com dados do mercado, novas cafeterias são inauguradas todos os dias no país, mas 35% delas fecham no primeiro ano e, do restante, 80% não resistem ao segundo. O principal desafio foi buscar algo diferenciado para fugirmos desta afirmação”, diz a proprietária Sílvia Nogueira.
Para dar vida ao negócio, ela também buscou capacitação. “Foi preciso planejamento, preparação, pesquisas, estudo e muita vontade de fazer diferente.” Sílvia conta que fez vários cursos, incluindo o de barista, e um em Alto do Caparaó, onde aprendeu o processo desde o cultivo da semente do café até a bebida na xícara. O treinamento dos cinco funcionários foi feito por profissionais especializados. “Queremos ser reconhecidos como uma cafeteria de excelência, inovadora e de qualidade.”
Para ela, Juiz de Fora pode se tornar referência na área. “Apesar de não possuirmos o cultivo do café, podemos ser uma cidade de excelentes cafeterias.” Para isso, Sílvia acredita que o trabalho em conjunto é necessário. Por este motivo, ela aderiu à iniciativa de participar do Special Coffee Festival.
Cafeterias criam soluções próprias para gargalos
Encontrar trabalhadores especializados no ramo é uma das principais dificuldades apontadas pelas cafeterias. Os profissionais habilitados para preparo de cafés especiais e criação de novas bebidas a base de café, chamados de baristas, ainda são escassos no mercado juiz-forano. A solução dos empresários tem sido buscar conhecimento fora da cidade e replicar o treinamento.
O sócio proprietário da Relicário Brigaderia e Café, Paulo de Tarso Gomes Oliveira, relembra que, quando decidiu intensificar a oferta da bebida no estabelecimento, em 2016, precisou ir para São Paulo. “Realizei o curso e trouxe novos métodos de preparo. Nós sabíamos que Juiz de Fora teria espaço para seguir esta realidade dos grandes centros, onde a oferta é vasta e variada.”
As duas unidades da Relicário somam 40 funcionários e trabalham com cafés oriundos do Sul de Minas e do Cerrado Mineiro. “Nosso estado é o maior produtor de café, o que facilita o trabalho das cafeterias juiz-foranas. Embora não tenhamos uma produção local, estamos muito próximos de quem produz café de alta qualidade”, destaca. Sobre as dificuldades para o segmento, aponta a falta de oferta de qualificação na cidade. “Além de São Paulo, também fiz curso em Belo Horizonte. Treinei a minha própria equipe e agora ofereço consultorias para outros lugares.”
Para reunir profissionais especializados, apresentar o trabalho para o público e atrair novos interessados para a área, a Relicário irá promover campeonatos mensais de Latte Arte, que são desenhos na xícara com leite feitos por baristas. “A ideia é aproximar estes profissionais e incentivar que novas pessoas se interessem pelo trabalho. As competições serão na última semana do mês e começam em agosto. Os clientes irão escolher os vencedores.”
Outra iniciativa da cafeteria é o Clube do Café, em que os consumidores podem degustar diariamente um sabor diferente da bebida. “É um projeto que existe há dois anos, em uma das nossas unidades, com o objetivo de levar ao público o conhecimento sobre café especial. A ideia é ampliá-lo para a outra unidade.”
Escola de café
Inaugurada em junho de 2018, a cafeteria The Rope é fruto de muitos estudos do casal de proprietários, Amanda Ferraz e Wendel Amorim. Para estruturarem o negócio, eles também precisaram viajar para outros lugares. “Antes de abrir a cafeteria, fizemos cursos com produtores em Alto do Caparaó e fomos para o Sul do país, aprender técnicas com baristas”, conta ela. “Infelizmente, não há oferta de qualificação em Juiz de Fora, o que dificulta o acesso e encarece este aprendizado.”
Além de treinar os quatro funcionários, os empresários passaram a oferecer workshops individuais. “Nós queremos compartilhar o conhecimento que adquirimos. O projeto é que a cafeteria se transforme, futuramente, em uma escola de café, onde os consumidores e profissionais tenham a oportunidade de degustar e, também, aprender sobre a bebida e todo o processo que a envolve.”
Para Amanda, o fortalecimento do setor poderá contribuir para sanar os gargalos enfrentados. “Muitos métodos de preparo não são nacionais e há uma burocracia muito grande para termos acesso. Unirmos em um grupo maior pode facilitar este processo”, pontua. “Com uma cadeia local representativa, a cidade pode atrair empresas de equipamentos e insumos, além de realizar eventos que irão contribuir para o aquecimento de vários setores econômicos.” Veja vídeo