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Um em cada quatro trabalhadores está subutilizado

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Um em cada quatro trabalhadores está subutilizado, o que representa 28,4 milhões de pessoas, o maior número já verificado no país. Neste grupo, estão os desempregados, aqueles que trabalham menos horas do que poderiam (ou gostariam) e, ainda, os desalentados, que, no último mês, por motivos diversos, sequer procuraram uma recolocação. Na falta de dados para mensurar o cenário juiz-forano – e na certeza de que a cidade acompanha essa triste realidade – sobram exemplos de que a força de trabalho se apequena, enquanto crescem a recessão no mercado e os motivos de preocupação, inclusive para a minoria que ainda conta com a sonhada (e escassa) carteira assinada.

Robson Silva vende água e pano de prato para conseguir subsistir; o maior incômodo é o sol queimando a pele (Foto: Fernando Priamo)

Como não há estatísticas relacionadas ao desemprego na cidade, os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) são os que melhor apontam para a realidade do mercado local. Em abril, foram abertos 1.031 empregos com carteira assinada em Juiz de Fora. A performance é duas vezes melhor do que a verificada no mesmo período do ano passado (492) e é a melhor para o mês desde 2013. É o melhor resultado do ano, mas ainda é cedo para comemorar. Juiz de Fora iniciou 2019 fechando postos (-365 em janeiro), voltou a abrir oportunidades em fevereiro (668) e apresentou retração em março (-78).

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Na análise dos últimos cincos anos, percebe-se que apenas em 2018 houve resultado positivo no ano (1.924). Em todos os demais, houve retração no mercado de trabalho, alguns anos, em números expressivos. Em 2017, Juiz de Fora fechou 811 empregos com carteira assinada. Em 2016, foram menos 3.475 vagas celetistas. Em 2015, a perda chegou a 3.806 e, em 2014, foram menos 93 postos, em dados do Caged. Fato é que o universo de trabalhadores em busca de uma oportunidade é muito maior do que os 1.320 que conseguiram uma vaga no município este ano.

E a necessidade não espera a melhoria do cenário econômico, nem a retomada dos investimentos para ser aplacada. Basta dar uma circulada na rua, para identificar a proliferação de vendedores de pano de prato, caminho de mesa, frutas, água e picolé a cada esquina. Além disso, há inúmeros exemplos de famílias que estão fazendo da cozinha o novo lugar de trabalho, com o preparo de bolos, doces, salgados e marmitas para vender para fora. Quem não tem um familiar ou conhecido que obtém ou complementa a renda trabalhando como motorista por aplicativo? Para pagar o aluguel e manter os boletos em dia, trabalhar por conta pode ser a única alternativa viável e possível nesse momento.

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Há três anos, Robson Silva vende água e pano de prato na Avenida Brasil. Ele iniciou (mas não concluiu) a Faculdade de Educação Física, trabalhou por 15 anos como vigilante profissional, ministrou aulas de musculação e aeróbica em academias e atuou como auxiliar de externa de uma TV no Espírito Santo. Nos últimos anos, fazia fretes e mudanças com um caminhão que quebrou, e ele não teve dinheiro para o conserto. Antes de chegar a Juiz de Fora, comenta, procurou emprego em mais de cem estabelecimentos, entre lojas, restaurantes e canteiros de obras no Rio de Janeiro, sem sucesso.

Decidiu tentar a vida aqui, por ser uma cidade menor.Na cidade, Robson atua como obreiro de uma igreja e cumpre jornada de nove horas por dia nas ruas, de segunda-feira a sábado. “Domingo é dia do Senhor.” Mesmo sem citar números, ele garante que, com a renda do trabalho realizado sob sol e chuva, consegue garantir a sua subsistência. Para Robson, o maior incômodo é o sol queimando a pele. Andar entre os carros e vender os produtos não são problemas. “A crise no mercado de trabalho não acabou. Nada mudou nos últimos anos, parece até que piorou”, avalia.

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No Centro, venda de goiabas garante o pagamento de aluguel a mulher de 26 anos (Foto: Fernando Priamo)

Robson também procurou emprego com carteira assinada em Juiz de Fora, mas não conseguiu recolocação. “Sou qualificado para o trabalho com vigilância, tenho ampla experiência e, mesmo assim, não consegui uma oportunidade.” Apesar de o rendimento ser considerado suficiente para levar a vida, ele afirma que gostaria de uma nova oportunidade com carteira assinada. Hoje, reconhece, está totalmente desprotegido em termos previdenciários. A intenção, diz, é se tornar um microempreendedor individual (MEI), para contar com cobertura e mais segurança na sua atividade.

Uma mulher de 26 anos, que prefere não ser identificada, está há cerca de um mês vendendo goiaba no Centro da cidade. Casada e com um filho de 6 anos, ela conta que vender fruta na rua foi a única alternativa que conseguiu para pagar o aluguel e as contas de casa. “Vende bem, o problema é a fiscalização correndo atrás da gente, como se fôssemos bandidos.” Ela diz que procurou, por mais de um ano, emprego com carteira assinada, não conseguiu e acabou desistindo. O trabalho nas ruas, afirma, causa insegurança, mas ela afirma que é a única alternativa possível no momento atual para a família. O marido também vende fruta em outro ponto da cidade.

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Ocupados aumentam; maioria trabalha por conta própria

Cimar Azevedo, coordenador do IBGE, aponta surpresa com ligeiro aumento da carteira assinada (Foto: Divulgação)

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo IBGE nesta sexta-feira (31), mostra que a taxa de desocupação chegou a 12,5% no trimestre encerrado em abril. O índice é maior do que o do trimestre anterior (12%) e menor ante igual período de 2018 (12,9%). A pesquisa mostrou, ainda, que a taxa de subutilização da força de trabalho (percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e desalentadas) foi de 24,9%, recorde para a série histórica iniciada em 2012. O contingente de desalentados, também no trimestre, chegou a 4,9 milhões.

Conforme o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, o mercado de trabalho, no trimestre de fevereiro a abril, mostra estabilidade na população ocupada (92,4 milhões) em relação ao trimestre anterior (92,3 milhões), o que causa surpresa em relação ao ano passado e aos anos anteriores. Em relação a 2018, comenta, houve aumento de quase dois milhões de pessoas ocupadas. O aumento, explica, foi distribuído, principalmente, entre os trabalhadores por conta própria, que representam quase 50% dessa alta. Há, ainda, participação de um quarto de trabalhadores com carteira de trabalho assinada e quase 20% de empregados sem carteira. “Chegam ao mercado dois milhões de pessoas em relação ao ano passado, sendo que parte expressiva ainda é de trabalhadores por conta própria.”

Segundo Cimar, o aumento da carteira assinada causa surpresa também, já que vinha num processo de queda nos últimos 16 trimestres corridos desde 2014. Na comparação anual, são 480 mil postos de trabalho formais a mais. “Por outro lado, o desemprego também subiu nesse período. Temos aumento de meio milhão de desocupados. Aumenta também o desalento, pessoas que não procuraram trabalho, mas estão disponíveis e, se oferecer trabalho, elas vão assumir. Aumenta também a subocupação, pessoas trabalhando menos que 40 horas e que gostariam de trabalhar mais. No todo, são quase 29 milhões o número de pessoas subutilizadas, chegando ao maior nível já visto.”

Números
Segundo o IBGE, no setor privado, 33,1 milhões tinham carteira de trabalho assinada entre fevereiro e abril. Já o número de empregados no setor privado sem carteira foi de 11,2 milhões de pessoas, 3,4% maior do que o verificado em igual período de 2018. No trimestre, 92,4 milhões de pessoas estavam ocupadas, sendo 25,8% ou 23,9 milhões trabalhando por conta própria. O número de trabalhadores domésticos ficou em 6,1 milhões, estável frente ao mesmo período do ano anterior.

Para pesquisador da FJP, reformas são necessárias

Para o pesquisador da Fundação João Pinheiro (FJP), Glauber Silveira, a taxa de desocupação elevada (12,5% no trimestre encerrado em abril) deve-se à estagnação econômica verificada no país. Na sua opinião, a queda em relação ao mesmo período do ano passado é um destaque positivo, que reflete o crescimento, mesmo tímido, da economia, suficiente para diminuir a taxa de desemprego, mas não nos patamares necessários e esperados.

Para ele, a aprovação de projetos, como a reforma da Previdência, poderia garantir fôlego para a economia deslanchar. “Por estar pendente de aprovação, o cenário é de incertezas e são essas incertezas que levam o empresário a não contratar mais pessoas e a não investir em novos projetos, elevando o desemprego.” Um agravante da situação, avalia, é que o mercado externo não está tão otimista em relação ao crescimento global da economia, em função do menor fluxo comercial, diminuindo as expectativas e impactando os planos de expansão.

Glauber Silveira defende mudança nas regras da Previdência para a economia deslanchar (Foto: Divulgação)

Para Glauber, quando se alcança esses níveis de desocupação, cria-se um problema crônico: milhares de pessoas que precisam se sustentar por meio de atividades não formais ou contando com a ajuda de parentes e amigos. “É uma situação muito delicada. Quando a pessoa fica sem carteira assinada, perde o acesso a várias garantias que são de fundamental importância para ter uma vida com mais qualidade.” Na avaliação dele, é importante acreditar que é uma situação momentânea.

“Uma economia sempre passa por momentos de abundância e de crise no mercado de trabalho e estamos convivendo com o momento de crise.” Para esse ano, o pesquisador avalia que existe a possibilidade de o crescimento ser menor do que o desejado, fazendo com que o mercado de trabalho se recupere de forma mais lenta do que o esperado. “A economia vai crescer ainda aquém do necessário para a geração de postos de trabalho.”

Qualificação é caminho para quem está na busca

Para o professor José Maria da Silva Alves, coordenador do Curso de Administração da Estácio, um problema real é que o desemprego bate mais à porta dos menos qualificados. Para voltar ao trabalho, avalia, é preciso que os subutilizados se reciclem, o que nem sempre é possível, em termos financeiros, por quem está enfrentando essa situação. A busca pelo aperfeiçoamento, avalia, é uma forma de se preparar e estar apto para uma vaga futura que possa surgir.

A questão, destaca, é que a informalidade pode até minimizar o problema imediato de necessidade de renda, mas cria outros, que vão desde o fato de o trabalhador estar desprotegido até a perda de arrecadação pelo Poder Público. “O trabalhador não tem garantia nenhuma, não tem carteira assinada, não tem acesso ao sistema de saúde, nem ao FGTS. Para a economia, é uma força de trabalho que não gera imposto e não entra no cálculo do PIB.” A informalidade, afirma, é prejudicial para todos, tanto para o trabalhador quanto para o país. Por outro lado, pondera o professor, a formalização de um negócio, sem preparo, também pode estar fadada ao fracasso.

Para José Maria, a contração vista no mercado de trabalho reflete a recessão econômica. Além da redução nos quadros em função da queda nas vendas, a mudança no perfil do mercado, com ocupações sendo modificadas ou extintas e o alto custo trabalhista são fatores que justificam o movimento de cortes. Na sua opinião, mesmo polêmica, a reforma trabalhista mais ampla precisa acontecer à médio prazo. No curto prazo, a redução da burocracia e da alta carga tributária e o estímulo à capacitação e à formalização de negócios, via MEI, são necessidades proeminentes, diz. “A situação é muito grave.”

MEI é alternativa, com basto custo, para sair da informalidade

O Robson, vendedor de pano de chão e água, já percebeu que a formalização via microempreendedor individual (MEI) é uma forma de as pessoas que estão na informalidade contar com cobertura previdenciária, adquirir renda e conseguir aderir à força de trabalho. “É uma forma simplificada de abrir um negócio e contar com uma série de vantagens, com baixo custo”, avalia a analista do Sebrae, Kareen Azevedo. Na cidade, há quase 29 mil MEIs. Só na região da Zona da Mata e Vertentes, 5.764 novos MEIs se formalizaram no primeiro trimestre deste ano, alta de 209% na comparação com igual período do ano anterior, conforme dados do Portal do Empreendedor. O Sebrae não estima o universo em potencial. Não há números, mas sabe-se que são muitos e que tendem a crescer ainda mais.

Adesão ao MEI pode garantir a trabalhador cobertura previdenciária e benefícios, como auxílio-doença e salário-maternidade (Foto: Olavo Prazeres)

Conforme a analista, o número de formalizações tem aumentado, em média, 3% ao mês, e a tendência é de crescimento, em função das restrições verificadas no mercado de trabalho. Na sua opinião, a falta de conhecimento sobre o processo que leva à constituição de um MEI e a falta de capacitação para montar um negócio são entraves para a expansão da modalidade. “Não é fácil. O empreendedor vai ter as mesmas obrigações de uma grande empresa em relação às questões trabalhistas e legais de mercado, além dos direitos do consumidor. A incerteza no momento de investir faz com que muitos não se arrisquem em formalizar o negócio.”

Kareen destaca, porém, o baixo custo da formalização. A contribuição do MEI vai de R$ 50,90 a R$ 55,90, de acordo com a atividade exercida, já incluindo o pagamento de impostos e a contribuição previdenciária. “Na modalidade, não há outras contribuições, e o formalizado passa a ter direito a CNPJ, que facilita a abertura de conta corrente, a obtenção de crédito no mercado, a possibilidade de emitir nota fiscal e participar de licitações.”

Além das vantagens para o negócio, a analista cita os benefícios para o empreendedor, como o direito a benefícios, como salário-maternidade, auxílio-doença e aposentadoria. “É uma forma de inserir essas pessoas que estão na informalidade e não estão conseguindo emprego.” O bico, explica, passa a ser o negócio oficial.

Entre os MEIs, os setores com mais representatividade, hoje, são salões de beleza, comércio varejista de artigos de vestuário e lanchonetes, além de serviços de pedreiro. Um nicho de mercado que Kareen identifica é o de doméstica, que possibilitaria aos trabalhadores do ramo ampliar o mercado de atuação.

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