A prévia da inflação para o mês de novembro, apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou mais uma alta no preço dos bens e serviços. Dessa vez, a variação foi de 1,17%, a maior registrada no período desde 2002. O grupo dos alimentos foi um dos itens básicos mais pressionados desde o início do ano, registrando pico inflacionário em abril. Entretanto, no mês de novembro, especialistas começaram a observar uma tendência de redução nos preços, fenômeno denominado de deflação. Mesmo com a perspectiva de estabilidade, os meses pagando mais caro pelo básico ainda sobrecarregam grande parte dos consumidores, atingindo de forma particular os mais pobres.
Nos supermercados, é possível observar o reflexo desse cenário: carrinhos mais vazios, olhos atentos às promoções e muita pesquisa de preço. As estratégias dos consumidores divergem, mas todas tentam driblar as consequências da alta inflacionária. “Fiz substituição, principalmente nas carnes. Eu substituí a de boi pela carne de porco. O frango estava em um preço muito bom, já não está mais. Arroz, a gente tem que procurar uma marca mais em conta, mas que não seja tão ruim, algo que seja de qualidade com um preço acessível”, explica a aposentada Maria do Rosário.
Para ter maior controle dos gastos, ela opta por fazer uma compra maior no mês e, no decorrer das semanas, vai repondo de acordo com a necessidade. “Temos que contornar porque está difícil, o salário não acompanha o preço das coisas. Hoje a gente não tem acesso ao que tínhamos há dois anos. Aquela compra que a gente fazia, hoje você precisa do dobro do valor, o que comprava com R$ 100, agora precisa de R$ 200”, reclama.
Alexandre Brum, motorista de aplicativo, também sentiu um maior impacto no orçamento vindo das carnes e teve que trabalhar mais para conseguir manter o mesmo padrão de vida de alguns anos atrás. “Lá em casa tá complicado, sou eu e minha esposa, mas mesmo assim é difícil. Não dá pra manter o mesmo padrão de vida. Para comprar as mesmas coisas que eu comprava antes, eu gasto R$ 300 a mais. Antes, gastava em torno de R$ 700 por mês. Agora, chega a R$ 1 mil para comprar só o básico lá pra casa. Aí você tem que procurar umas promoções, mas as promoções que estão aí não chegam ao que eram antes.”
Ele ainda conta que, nos últimos meses, percebeu que alguns produtos tiveram uma leve redução no preço, mas sem interferir no cenário, diante dos aumentos anteriores. “Se aumentou 30% e agora reduziu 5%, não adianta, não volta ao que era antes.”
Inflação de custo
Matheus Peçanha, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), explica que a inflação no Brasil teve como estopim o aumento no preço dos alimentos. O impacto, no entanto, se espalhou de forma generalizada atingindo outros setores da economia. “Geralmente, a inflação é causada quando a procura está maior que a oferta, mas estamos em um outro caso de inflação, que acontece quando há restrições na oferta. Com falta de chuva e câmbio alto, o que encarece os insumos para maquinaria agrícola e transporte de alimentos, os custos ficam pressionados, elevando os preços dos alimentos. Essa inflação de custo é perigosa, porque tem poder de disseminação muito maior. Começa com um aumento localizado nos alimentos e na energia, mas, por conta desses custos pressionados, ela acaba se espalhando.”
Com o início do período chuvoso, os principais problemas climáticos foram, de certa forma, sanados, o que ajudou a reduzir a pressão nos custos. Mesmo com o valor do dólar ainda em alta, e os combustíveis com tendência de aumento, é possível perceber um arrefecimento da inflação. “Alguns alimentos estão devolvendo aquele aumento enorme que tiveram, principalmente a carne, que reduziu a exportação por causa do embargo sanitário da China e a chegada das chuvas que aumentam a qualidade do pasto e reduzem a necessidade de ração para o gado. Por isso, estamos vendo uma estabilidade maior no preço dos alimentos e alguns até devolvendo essa alta.”
A perspectiva para o fechamento deste ano é que os alimentos continuem “devolvendo” um pouco das altas de preços para o consumidor, mas sem atingir índices semelhantes aos registrados antes da pandemia. “Alguns itens já voltaram àquele movimento natural, onde registram alta de preço na entressafra e queda de preço na safra. A gente deve ver a maioria dos itens alimentícios voltando à normalidade de preços. Como vínhamos de um ano com os alimentos pressionados, eles devem estacionar em um nível superior ao de 2019, mas, pelo menos, não vai continuar subindo tanto.”
Impacto maior para as famílias de menor renda
Um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no início de novembro apontou que a inflação de outubro é maior para famílias de menor renda, pelo sétimo mês seguido. Embora o acumulado nos 12 meses impacte todas as faixas de renda, quem ganha menos sofre mais com essas oscilações nos preços. Em famílias que recebem menos do que R$ 1.808,79, a inflação acumulada nesse período chega a 11,4%, enquanto a alta verificada para as famílias que recebem mais do que R$ 17.764,49 é de 9,3%. O segundo segmento que mais influenciou aqueles que possuem menor renda foi o de alimentos e bebidas, provocado pelo aumento da alimentação no domicílio.
Índices apontam quais são os principais vilões
No mês de outubro, segundo o IPCA, divulgado IBGE, a inflação acelerou 1,25%, a maior para o mês desde 2002, quando o índice foi de 1,31%. Com isso, o indicador acumula alta de 8,24% no ano e de 10,67% nos últimos 12 meses. Os preços no grupo dos alimentos e bebidas avançaram 1,17%, puxados pelas altas no tomate (26,01%) e na batata-inglesa (16,01%). Também registraram aumentos o café moído (4,57%), o frango em pedaços (4,34%), o queijo (3,06%) e o frango inteiro (2,80%). Por outro lado, recuaram nos valores o açaí (-8,64%), o leite longa vida (-1,71%) e o arroz (-1,42%).
Em Juiz de Fora, de acordo com o Ceasa-Minas, os alimentos que apresentaram redução nos preços no comparativo de setembro e outubro foram abobrinha italiana (-46,4%), pepino (-42,9%), chuchu (-33,6%), limão tahiti (-28,2%), mamão haway (-29,2%) e maçã (-10,3%). Ainda houve redução no valor dos ovos que caíram 1,7%, o quilo. Em contrapartida, alguns produtos tiveram alta nos preços, como o tomate (30%), batata (22%), morango (43,2%) e banana (6%).
Como tentar amenizar a alta
Para tentar amenizar o impacto da alta dos alimentos e continuar mantendo uma alimentação saudável, a professora de Economia Doméstica da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Ana Lídia Coutinho Galvão, afirma que uma das saídas é fazer substituições usando alimentos que são da região e que estão na safra, já que no período de entressafra esses itens ficam mais caros. “Eu sempre falo também para as pessoas valorizarem as feiras locais para comprar produtos de hortifrutigranjeiros. Prezar pelo agricultor familiar e não focar só em hortifrútis grandes, porque quando a gente fortalece os circuitos curtos da economia, estamos fortalecendo a economia local e gerando mais empregos.”
Ana Lídia explica que, quando compramos produtos de estabelecimentos maiores, o valor também aumenta, já que é acrescentado o preço dos deslocamentos. “Se sai um produto de Juiz de Fora, por exemplo, ele vai para o centro de distribuição e depois volta para quem vai revender. Então este produto já deslocou, gastou combustível por causa desses atravessadores no meio do processo. Quando eu compro na feira de agricultura familiar, eu compro direto de quem está produzindo, então eu tenho produto mais fresco, de mais qualidade e em um preço mais acessível.”
Diante dessa alta generalizada nos preços, a professora orienta que é necessário estabelecer prioridades. “Fazer um orçamento é essencial, e tem que ser por escrito, porque se não a gente não consegue visualizar. Para fazer este orçamento, o ideal é pegar toda a receita da casa, fazer o cálculo do que são as despesas fixas e as flexíveis. Essa última é a que a gente corta. Outra coisa importante é anotar tudo, até as pequenas despesas, porque são esses pequenos gastos que corroem o orçamento.”
Ana Lídia ainda destaca que a falta de políticas públicas para fortalecer a agricultura familiar dificulta o controle da inflação. “No Brasil, 70% do que a gente come vem da agricultura familiar, mas, apesar de produzirmos muito alimento, não existe uma política pública que prioriza o mercado interno. O que o Governo tem estimulado é a exportação de alimentos e, quando isso acontece, o nosso alimento passa a ser taxado em dólar, o que aumenta o preço.”