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Equipe de curta da UFJF busca apoio para ir a festival francês

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Toda norma é, em alguma medida, prisão. A natureza, portanto, é uma representação máxima de liberdade. Ainda que possuam alguns sistemas complexos de comunidades – as abelhas são um exemplo – também apresentam incontáveis possibilidades de ser e estar. A natureza não tem grades ou muros. Inspirando-se nisso, “Queer I”, curta-metragem de pouco mais de seis minutos, parte de cenas gravadas na natureza para debater gênero. “A natureza está fora dessa heteronormatividade que a sociedade nos impõe. A ideia é sair deste sistema e ir para a natureza, ou melhor: de volta para a natureza. E a relação entre os corpos e a natureza é jogada em nossas caras, inevitavelmente, o tempo todo, no sentido de que a homossexualidade ou qualquer aspecto que se distancie do que é normativo é tachado de ‘não natural’. Então colocamos estes corpos de volta na natureza, onde eles pertencem, e nada poderia ser mais natural que isso, nada poderia ser mais bonito”, explica o renomado cineasta franco-inglês Antony Hickling, que dirige o filme ao lado dos estudantes da UFJF Danielle Menezes e Ciro Cavalcanti.

Cena de “Queer I”. (Reprodução)

“Na natureza, os corpos se tornam quase míticos, quase divinos, então a relação entre gênero e natureza se encaixa perfeitamente neste espaço tão seguro e poético”, defende. “Eu me sinto muito seguro na natureza. Eu cresci no campo, passei boa parte do meu tempo afastado da sociedade, por assim dizer, me protegendo. Muito do meu trabalho se volta à natureza por isso: por segurança. Mas não só por isso, também porque a natureza é poesia”, acrescenta ele, nascido na África do Sul, criado no Reino Unido e radicado há alguns anos em Paris, na França. Considerado um dos principais nomes da arte queer no mundo, o artista esteve em Juiz de Fora em agosto passado, para participar da III Semana Rainbow da UFJF. “Começamos o curta nesse período. Ele veio para cá, exibiu os filmes dele e deu uma oficina. Eu e Ciro participamos dela. Nesse tempo, a gente também foi visitando alguns lugares em Juiz de Fora com o Anthony, como o Jardim Botânico e o Museu Mariano Procópio. Aí foi vindo essa ideia de fazermos um curta que dialogasse com a natureza”, conta Danielle, que mesmo após a despedida do cineasta, manteve o contato para a finalização do trabalho. “Passamos um tempo gravando outras coisas e montando o filme. Da França, o Antony acompanhava a gente. Ele sempre retornava dizendo se tinha gostado ou se era para fazermos de outra forma.”

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Norteadora, a pergunta “O que é o queer?” pautou tanto a oficina quanto a produção do trabalho audiovisual. E a resposta não foi um imperativo. Continua não sendo, já que “Queer I” mais expande o assunto do que conclui. “Tanto a minha definição quanto a do Ciro e a das outras pessoas são muito diferentes. Não chegamos a uma resposta só, mas a muitas. Muita gente fala sobre resistência: isso é bem próximo. Pensamos mais nas descobertas do que numa resposta final. Não conseguimos fechar uma resposta apenas. São muitas”, observa Danielle, chamando atenção para o material que reúne algumas entrevistas e, sobretudo, imagens metafóricas. “No começo a gente teve uma ideia que parecia bastante simples: gravar esses corpos em diálogo com a natureza, para tentar entender o que é esse corpo na natureza. Criamos sobre esse tema, mas o filme foi ganhando outro tom e outras entrevistas. É um documentário bem experimental. Não foi uma ideia fixa, mas um processo, ele foi sendo trabalhado”, aponta a jovem cineasta, fortemente influenciada pelo discurso e pelos procedimentos do experiente cineasta autor da trilogia de tintas autobiográficas “Little gay boy” (2013), “Where horses go to die” (2016) e “Frig” (2018), premiado na edição deste ano do Festival da Diversidade Sexual de Goiás (DIGO).

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Documentário experimental

“Trouxe meu universo, minha maneira de ver o mundo, e o que fiz foi tentar abrir os alunos e alunas a ver as coisas um pouco diferente, abri-los a uma nova experiência, a tentar coisas novas”, assinala Hickling, que ensinou discutindo e, também, criando. “Minha melhor maneira de transmitir conhecimento é pondo a mão na massa, permitindo que eles criem. Desde o primeiro minuto em que eu me envolvi com esse projeto, fui guiando estes jovens artistas para um estilo diferente, uma maneira de ver diferente, e muito rapidamente já estávamos no Jardim Botânico trabalhando. Já gravei em matas em Paris, fico muito feliz em meio à natureza. Guiei os estudantes lá e começamos a gravar, começamos a criar juntos algo que talvez tenha sido completamente diferente de tudo que eles já fizeram, mas a ideia era essa: tentar, explorar… E eu estou muito feliz e orgulhoso com o que eles criaram e alcançaram”, comemora o cineasta, que este mês ligou para os parceiros de direção informando que “Queer I” foi selecionado para a mostra competitiva do Chéries Chéris, o Festival du Film LGBTQ +++ de Paris, cuja 25ª edição acontece entre 16 e 26 de novembro. “Foi um choque, não estávamos esperando. Não esperava ter um filme passando num festival dessa importância e fora do país tão cedo. Começamos a fazer o curta em agosto e terminamos este mês. Foi um processo bem pesado. Trabalhamos muitos dias nele. E não tivemos muito tempo para pensar nas possibilidades de exibição”, afirma Danielle, referindo-se a uma produção totalmente filmada com câmeras de celulares.

“A opção por gravar com os celulares teve vários motivos. O primeiro é a praticidade. Antes mesmo que eu chegasse a Juiz de Fora, pensei ‘todo mundo tem um telefone’. Já fiz dois filmes usando celulares, ‘PD’ (2014) e os cinco minutos iniciais de ‘Frig'(2018). Então, a princípio, foi por questões práticas, porque se os estudantes não tivessem um telefone, seria fácil garantir o acesso deles a um. E isso significa, no meu ponto de vista, que a gente pode começar a criar. Não há amarras econômicas ou de qualquer outro tipo para que a gente comece a criar. Assim, isso significa explorar a liberdade criativa, algo que me remete a uma produção cinematográfica underground, à câmera Super 8, que seria um equivalente ao celular: pequena, acessível e fácil de ser operada. Assim, é possível eliminar intermediários no processo criativo”, pontua Hickling, defendendo a grandiosidade de uma obra que, logo de seu nascimento, ganha a oportunidade de atravessar o oceano. Para levar parte da equipe do filme para um dos mais celebrados festivais do gênero no mundo, um projeto de financiamento coletivo foi criado na plataforma Catarse. Dia 9 de novembro é o prazo final para que captem R$ 10 mil, valor que custeia parte das duas passagens aéreas, hospedagem e alimentação. Outra parte será financiada pela UFJF e pelos integrantes do filme. A exibição do trabalho acontece nos dias 22 e 26 de novembro, em duas das principais salas de cinema parisienses, com debate com os integrantes das produções. “Em ‘Queer I’, queria mostrar a estes jovens artistas e estudantes que nada deve impedi-los de criar, de avançar, de terem uma voz. O filme foi isso: eu, eles e os telefones. Fácil, acessível e poético. As imagens do filme são lindíssimas. Isso mostra que a poesia é criada do nada, o belo é criado do nada. E posso afirmar, por experiência, que com uma câmera ou um celular o talento está ali ou não; a criatividade está ali ou não”, finaliza Hickling.

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*Colaborou a repórter Júlia Pessoa

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