Do namoro com Madonna à banda com o ator Vincent Gallo, a vida de Jean-Michel Basquiat é permeada de referências, assim como sua obra, evidenciada na mostra “Jean-Michel Basquiat – Obras da Coleção Mugrabi”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio até o dia 7 de janeiro. “Ele é muito aberto ao que acontece, não se limita. Basquiat adora esta coisa de somar elementos, trabalhar com colagem. Tem relações muito fortes com imagens e palavras, desenhos de TV, HQs e anatomia humana. E em suas obras raramente há um elemento no centro, não tem perspectiva, sem protagonismos”, destaca o holandês Pieter Tjabbes, curador da retrospectiva, durante visitação guiada para a imprensa.
São 90 obras do artista nova-iorquino, todas pertencentes à coleção particular do magnata israelense Jose Mugrabi. Segundo Tjabbes, nenhum museu no mundo tem mais de dez peças de Basquiat. “Mugrabi tem mais de cem, e a maior parte está aqui. A primeira é “Carros velhos”, de 1981, do início da sua carreira. “Nesta fase, fica claro uma característica do traço de Basquiat: ele desenha um carro como uma criança de 5 anos”, conta.
A montagem do Rio tem quatro trabalhos que não estiveram em São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, cidades pelas quais a exposição já passou, arrebatando mais de 500 mil visitantes. É o caso de uma obra sem título de 1981 e de “Red rabbit”, de 1982.”‘Red rabbit’, assim como as outras obras reunidas nesta sala (a segunda), tem muita influência da arte popular. São grandes obras e com muita cor. Ao lado desta, tem uma peça de 1983, ‘Moisés jovem’, com uma clara referência ao atleta negro americano Jesse Owens, que venceu os Jogos Olímpicos de 1936 na Alemanha de Hitler. Uma crítica ao preconceito racial, de um artista negro”, detalha.
Atual e dinâmico, furioso e sensível, primitivo e moderno. Basquiat foi um visionário que morreu de overdose, em 1988, aos 27 anos, pouco tempo depois de alcançar o reconhecimento do mercado de arte e que, mesmo com os poucos oito anos de produção, colocou seu nome entre os mais importantes artistas da segunda metade do século XX. “Somente nos últimos 10 ou 15 anos, os historiadores de arte passaram a levar Basquiat a sério. Os museus demoraram muito para começar a comprar suas obras. Ele mesmo não tinha muito tato para vender, tenho a impressão de que algumas obras saíram de suas mãos com um preço bem abaixo do que valia”, informa o curador.
Cidades como Nova York, Milão, Roma e Londres tiveram recentemente individuais de Basquiat, uma tela sua – Sem Título (1982) – alcançou o posto de obra mais cara norte-americana arrematada em um leilão, por US$ 11 milhões.
Arte de impacto
Para aprimorar a percepção das obras expostas nas paredes, é preciso entender a Nova York do início dos anos 1980, uma cidade extremamente violenta, suja e “depravada”, como descreve o curador Pieter Tjabbes. “Foi nessa atmosfera, principalmente ao Sul de Manhattan, que Basquiat teve uma juventude de muita liberdade e experimentação”, comenta Tjabbes, na entrada do CCBB, onde estão instalados painéis que evocam a vida noturna das ruas, com letreiros de neon que remetem àquela década.
Há muitos mitos sobre a vida do artista. Algumas pessoas, por exemplo, pensam que ele foi morador de rua, mas ele nunca foi. “Brigou uma vez com o pai e dormiu na rua uns três dias, mas não foi morador de rua”, afirma Pieter Tjabbes.
Basquiat nasceu no Brooklyn, em uma família de classe média e não na pobreza como muitos pensam. Seu pai era haitiano, e sua mãe era filha de porto-riquenhos.
Andy Warhol, racismo e um autorretrato
Aos 17 anos, Basquiat abordou um de seus ídolos pela primeira vez. O encontro aconteceu num restaurante do Soho, onde Andy Warhol comprava alguns postais com colagens daquele artista precoce com quem, nem imaginava, viria a trabalhar anos depois. Juntos, eles fizeram mais de cem trabalhos em 1984 e 85. Quatro peças dessa fase, em grande formato, estão na mostra: “Thin lips”, “Eggs”, “Two dogs” e “Heart attack”. A crítica negativa da época esfriou a produção, e Warhol morreu logo depois, em 1987. Isso causou grande depressão em Basquiat, que se afundou ainda mais no vício em drogas. Morreu no ano seguinte.
Numa outra parte da mostra, um conjunto de serigrafias, quase todas de fundo preto, trazem como tema a anatomia humana. Há também um conjunto de 45 pratos pintados pelo artista com caneta permanente, no qual se veem personalidades homenageadas pelo pintor, como Man Ray, Matisse e Cézanne.
O racismo é outro tema recorrente em sua obra, o que pode ser visto na última sala. Ele colocou o negro como protagonista em várias pinturas. “A obra passa rapidamente de uma evocação da rua para abranger uma narrativa profunda sobre a experiência e a realização cultural negra”, afirma Jeffrey Deitch num dos textos do catálogo.
“A frustração do artista com a questão racial era flagrante. Imagina ele já reconhecido, vendendo tudo numa exposição, e naquela mesma noite sai da galeria e tem dificuldade de fazer um táxi parar para ele…”, provoca o curador, antes de encerrar a visitação mostrando a última peça da exposição, bastante emblemática nesse sentido. “Amargurado”, de 1986, é um pesado autorretrato do pintor, uma peça que mistura colagem, lápis e pintura sobre madeira, bem ao modo Basquiat de ser, sem limitações.
“Jean-Michel Basquiat – Obras da Coleção Mugrabi”
Quarta a segunda, das 9h às 21h. Até 7 de janeiro. Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março 66 – Centro do Rio de Janeiro). Entrada gratuita