“Eu sou uma peça que quando tropeça desanda / O jogo de dominó”: para Laura Conceição, o efeito dominó – em que uma pequena mudança pode alterar o todo – é a melhor definição para a nova fase da cantora, compositora e poeta, que lançou o single “Sossego”, que antecipa o seu segundo álbum, previsto para julho e que está em fase de finalização. Ainda que garanta que sua essência continua sendo o rap, a artista envereda pelo blues eletrônico em “Sossego”, em que é acompanhada nos vocais por Luisa Moreira.
Se a parte musical busca novas sonoridades, a letra de “Sossego” – escrita durante a pandemia – retrata o momento de muitas incertezas, inseguranças e angústias vividas por Laura, e retrata um desejo de transformação vivido por ela e por toda a sociedade. De acordo com a cantora, a quietude que ela deseja não era apenas dela, mas sim de todas as pessoas.
“É uma canção que surgiu naquela fase em que a gente não tinha vacina, havia aquela incerteza toda que amargurou por muito tempo, acho que há alguns resquícios até hoje nas pessoas que trabalham com arte e cultura”, diz. “Foi um momento em que estava me sentindo bem angustiada e pensando muito sobre os caminhos que a minha arte seguiria; um período de olhar muito para dentro, e, aí, surgiu a música, desse encontro que tive comigo mesma, principalmente, por estar de quarentena, dentro de casa.”
“Esse desejo de transformação foi muito fomentado pelo período que estava vivendo em relação ao meu pessoal, o desejo de me libertar das amarras criativas, deixar fluir minha musicalidade”, prossegue, acrescentando que é preciso, ainda, por parte da sociedade, buscar o que define como consciência coletiva. “Falo muito isso, ‘consciência para ter coragem, coragem para transformar o mundo, as injustiças’. Essa sede de transformação é a transformação da luta, da resistência, para que a gente resista com a nossa arte, nossos corpos políticos dentro dessa sociedade.”
Vamos pedir piedade (de novo)
No que diz respeito a se libertar das amarras criativas, “Sossego” pode ser considerado um bom exemplo do que Laura Conceição planeja para seu futuro álbum. Com inspiração em “Blues da piedade”, de Cazuza, citada no final da canção, a música traz – além do blues eletrônico – referências ao livro “Meu pé de laranja lima”, uma leitura de infância, e a cantores como Tim Maia, Milton Nascimento e Elis Regina. De acordo com Laura, são nomes que influenciaram sua música e poesia, e que faziam parte da trilha sonora de sua casa. E o blues também faz parte dessa memória afetiva e musical.
“Quando eu era adolescente, tocava blues com meu tio. A família tinha uma banda que tocava nos encontros festivos, e a gente sempre tocava B.B. King”, conta. “E para a música, pensei em trazer para a música brasileira. Por que não usar a métrica, a rima, o referencial do rap, da poesia, do slam, dos jogos de palavras dentro de uma estética do blues? Melodicamente, nesse álbum, eu queria rimar em outros ritmos.”
Firme na crença de que “Sossego” mostra uma diferença em sua carreira, ao conjugar a potência dos versos, da poesia falada, com a musicalidade do blues, Laura Conceição encerra antecipando o que vem por aí. “É uma fase completamente livre das amarras criativas, de qualquer tipo de pressão estética, onde consigo expor minha poesia da forma que estou sentindo naquele momento, através das diversas nuances da musicalidade. E ainda tem a participação da Luisa Moreira, que cantou em ‘Sossego’ e outras faixas do álbum. Essa parceria com ela é também um diferencial, que acredito que acrescenta (mais um elemento) nessa mudança estética e musical.”