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O popular Padre Wilson

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Um dos mais populares religiosos da época, Padre Wilson também era radialista líder de audiência
FOTOS ACERVO EUGÉNIO SÁENZ ARÉVALO/SITE MAURICIORE

Muitas personalidades marcaram a história de Juiz de Fora, mas a passagem das décadas e os contextos políticos e sociais podem fazer com que a importância de certas figuras seja ignorada pelas gerações seguintes. Este é o caso do Padre Wilson Vale da Costa. Uma das pessoas mais populares da cidade entre o final dos anos 1950 e o início da década de 1960, o religioso morto em 1965, aos 44 anos, teve seu centenário de nascimento, em 8 de outubro de 2020, praticamente ignorado. Segundo o jornalista Wilson Cid, foi realizada uma missa em sua memória na Catedral Metropolitana, e além disso houve uma menção por parte da Funalfa em suas redes sociais, neste caso graças à mobilização do presidente da Associação de Defesa do Direito da Arte e Cultura, Nilton Bandeira.

Padre Wilson recebeu uma premiação ligada ao Prêmio Nobel da Paz pela sua participação no Batalhão Suez, que integrou a missão internacional de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) na região da Faixa de Gaza, em 1957, da qual participou por um ano.

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As Forças de Paz da ONU receberam o Nobel da Paz em 1988 por conta de seus serviços ao redor do globo, e, como o Comitê do Nobel estendeu a honraria a todos os participantes, a medalha e o diploma referentes ao Prêmio foram encaminhados na década passada pelo Comitê do Prêmio Nobel da Paz, em Oslo, na Noruega, à sobrinha do padre, a jornalista Mariângela Herédia da Costa, autora do livro “PRB-3, meu ouvinte meu amigo”, lançado em 2003.

Retorno do religioso da missão de paz da ONU teve direito a carreata de Matias Barbosa até Juiz de Fora

Mas este é apenas um capítulo na história do religioso, ordenado padre em 1948 e que se tornou extremamente popular em Juiz de Fora, a ponto de pedirem a ele que se candidatasse a prefeito no início da década de 1960. Um dos motivos de sua popularidade era o programa “Problemas da vida”, que comandava na antiga rádio PRB-3 ainda na década de 1950 e vinha na sequência da “Ave Maria”, às 18h, e no qual lia cartas dos ouvintes com seus problemas e também aconselhava aqueles que pediam orientação. Na época, era o líder de audiência em Juiz de Fora.

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“Acredito que ele já era vocacionado para a religiosidade, mas não o vejo apenas como religioso, mas também com a vocação para comunicador. Era muito popular, muito amado, ajudava aos taxistas. Todos sintonizavam na oração e no programa dele”, afirma Nilton Bandeira.

Sobre a passagem do Padre Wilson pelo Batalhão de Suez, Nilton lembra que ele integrava as fileiras do Exército na condição de capelão militar e que por isso foi convocado para integrar um grupo de 350 militares mineiros do segundo contingente. “Ele enviava muitas cartas para sua família contando sobre suas experiências, inclusive sobre a emissão de ter realizado uma celebração na Basílica da Natividade, e que foi a maior emoção de sua vida. Quando retornou, fizeram uma carreata que veio de Matias Barbosa, onde desembarcou, até Juiz de Fora.”

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Campeão de audiência

Quem trabalhou com o Padre Wilson na mesma rádio, no início dos anos 60, após o retorno do religioso do Oriente Médio, foi o jornalista Wilson Cid, que apresentava o noticiário da emissora. “Ele era líder de audiência, atendia as pessoas infelicitadas, falava sobre os conflitos familiares, entre outros, e era uma pessoa muito interessante e simpática. A não ser na hora de jogar bola, que aí vinha duro em cima da gente (risos)”, relembra.

“Quando ele chegava na rádio, que na época ficava na Rua São João Nepomuceno, havia uma aglomeração. E ele tinha um estilo marcante na rádio, de falar alto, gritar, protestar, criticar. Contrastava muito com o programa do outro padre, o Nilton Pimenta, que era da Rádio Difusora. Foi uma figura de muita expressão, e tenho a impressão de que teve prestígio parecido com os dos monsenhores Falabella e Gustavo Freire.”

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O jornalista lembra ainda da ocasião em que o padre tornou-se conhecido em todo o Brasil graças à revista “O Cruzeiro”, que era a mais lida do Brasil no final dos anos 1950. “Atribuíram a ele uma visão de discos voadores no quintal de sua casa, quando morava na Rua Barão de Cataguazes.”

Apoio ao golpe militar

Wilson Cid lembra ainda que o religioso era tão influente que chegou a exercer o cargo de secretário de Educação do município e teve até mesmo seu nome lembrado para a candidatura à Prefeitura de Juiz de Fora.

“Muita gente o queria como candidato, vários partidos chegaram a apoiá-lo, inclusive o PDC. Mas dom Geraldo Penido, que era o bispo da diocese na época, o desestimulou, porque a missão do padre seria outra, a de conciliar, unir, e por isso não deveria ser candidato a prefeito.”

A sua ligação com a política resultou no que pode ser considerado o mais polêmico capítulo de sua vida: o apoio ao golpe militar de 31 de março de 1964, um dos capítulos mais sombrios da história brasileira e que rendeu 21 anos de chumbo. “O grande prestígio político dele foi em 1964. O general Mourão, que comandava o batalhão da 4ª Região, falou que ele era ‘um colosso’. O Padre Wilson chegou a ser ameaçado de prisão, antes do golpe, mas o general disse a ele que poderia continuar porque não seria preso. Houve um comício no Cine Popular com a presença do Miguel Arraes. O Wilson comandou uma manifestação do lado de fora, que contou com a presença do então prefeito Olavo Costa, e o padre foi carregado pelo povo.”

“Havia ainda um movimento, sobretudo de senhoras, o ‘Deus, pátria e família’, que contestava o governo de João Goulart. Essas senhoras se mobilizaram, fizeram manifestações na Avenida Barão do Rio Branco, e o padre apoiou essas manifestações, e ia fardado ou de batina.

Morte e “esquecimento”

Padre Wilson Vale da Costa não pôde ver os rumos que a ditadura militar tomou no Brasil porque morreu subitamente em 23 de abril de 1965, aos 44 anos. Segundo Wilson Cid, o motivo seria a piora de uma cardiopatia que ele já possuía mas não era grave, porém teria piorado devido a uma infecção dentária. Seu sepultamento foi acompanhado por uma multidão, que seguiu da Catedral até o Cemitério Municipal, percorrendo a Rua Espírito Santo. “Foi uma das maiores concentrações de fiéis da história da cidade”, diz.

Padre Wilson reunia os fiéis em vários locais, como no Parque Halfeld Foto: Acervo Eugénio Arévalo/Site MAURICIORESGATANDOOPASSADO.BLOGSPOT.COM

E o que teria levado ao progressivo desaparecimento da figura do religioso dentre os grandes nomes da história juiz-forana. Para Wilson Cid, o motivo está ligado diretamente ao seu apoio ao golpe de 1964.
“Tenho a impressão de que os setores políticos tenham esquecido dele por causa de seu vínculo com o golpe de 64. Muitos políticos da época ficaram estigmatizados pelo apoio aos golpistas, e o padre era uma figura de muita evidência nesse período. Imagino que os setores políticos tenham evitado lembrar o centenário por conta disso, pois passamos pelo período de redemocratização em que todas essas questões foram revistas.”

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