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Quanto ganha a cultura com parcerias público-privadas

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Foto: Fernando Priamo / Ilustração: Wendell Guiducci

Não há criatividade que contorne o corte. Mas há rotas de fuga quando a saída é a estagnação. Nos quatro últimos meses, Juiz de Fora viu três iniciativas de grandes proporções realizadas pelo Poder Público serem financiadas pela iniciativa privada. “É preciso entender a realidade na qual estamos inseridos. Nesse momento extremo de crise no país, não podemos ficar exigindo que o Poder Público seja o único financiador. Outras áreas também contam com o investimento privado, seja saúde, esporte, assistência social. Não é uma muleta que a cultura está buscando. É uma resposta à realidade do país e do mundo. Não enxergo como algo depreciativo. A cultura é para todos e é um dever de todos. O Poder Público, em nosso caso, faz o que pode para estimular para que a cultura aconteça em todas as vias”, defende o superintendente da Funalfa, José Américo (Zezinho) Mancini, que em dezembro produziu o Corredor Cultural com patrocínio da Unimed de Juiz de Fora, mesma empresa a patrocinar o espetáculo de celebração dos 90 anos do Cine-Theatro Central no fim de semana.

“Sempre acreditei na parceria com o setor privado. E, no momento atual, em que enfrentamos grandes adversidades em um governo que não demonstra grandes interesses por ações culturais, tendo, inclusive extinto o Ministério da Cultura, creio que a parceria com o setor privado, desde que com condições públicas, seja um modelo bastante eficaz. A questão do modelo de parceria não é apenas para este momento ou aquele, com crise econômica ou uma crise de qualquer outro tipo. A parceria é uma realidade da própria arte e cultura desde os primórdios”, concorda a pró-reitora de Cultura da UFJF Valéria Faria. “No exterior, é comum que filantropos doem recursos para as universidades em que estudaram, museus e instituições de arte. Não há problema nisso, porque as empresas e as grandes corporações têm uma obrigação cultural e social, um papel para além da questão econômica, o que dentro da gestão das empresas eles chamam de responsabilidade social. Várias iniciativas importantes, inclusive no Brasil, surgiram disso: O Museu do Amanhã, o Inhotim, o Museu de Arte do Rio (MAR) são alguns exemplos. Esse é um modelo eficaz, que nos ajudou neste momento; mas existem outros, e lançaremos mão deles quando for necessário”, completa.

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O Poder Público, segundo Mancini, já apontava não ter condições de ampliar os repasses quando em 2017 foi criado o departamento de projetos da Funalfa, fortalecido desde então para servir como referencial na cidade. “Independentemente ou não da crise, sabíamos que para crescer o trabalho da fundação era preciso buscar outras formas para ampliar nossos recursos”, comenta o superintendente, que em dezembro também viu o Instituto Albert Sabin destinar R$ 30 mil ao programa Gente em Primeiro Lugar, que soma mais de 60 postos de atendimentos em mais de 50 bairros de Juiz de Fora. Outros R$ 21 mil o programa municipal reuniu com a destinação de impostos de pessoa física. “Juiz de Fora tem um potencial de captação para cultura, se pensarmos em pessoa física e jurídica, considerando a economia da cidade hoje, de algo em torno de R$ 60 milhões. O que estamos conseguindo ainda é ínfimo perto do potencial local”, avalia o gestor.

“Juiz de Fora tem um potencial de captação para cultura, se pensarmos em pessoa física e jurídica, considerando a economia da cidade hoje, de algo em torno de R$ 60 milhões. O que estamos conseguindo ainda é ínfimo perto do potencial local”

Zezinho Mancini, superintendente da Funalfa

 

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Corredor Cultural de 2018 contou com patrocínio da Unimed (Foto: Fernando Priamo)

O enorme potencial local

Os negócios locais, pontua o superintendente da Funalfa, Zezinho Mancini, não movimentam quantias vultuosas. “Se movimentassem tanto, a cidade arrecadaria mais. O mercado de Juiz de Fora não é muito grande, então o investimento da pessoa física pode ser o pulo do gato para modificarmos nosso panorama do patrocínio cultural”, sugere Mancini, envolvido em diferentes prospecções que dão conta de otimistas cenários futuros. Tomando como modelo o Instituto Unimed-BH, fundado em 2003, que movimenta hoje mais de R$ 15 milhões, cifra muito maior do que a repassada à Funalfa pela Prefeitura anualmente, Mancini aposta na parceria público-privada para formatar outra paisagem para a cena local. Segundo ele, só a Unimed Juiz de Fora possui um potencial anual de captação de cerca de R$ 6 milhões, considerando a isenção fiscal da empresa e a destinação de 6% do imposto devido, que na restituição pode ser abatido ou acrescido de seus 1.500 cooperados. “Isso é quase o que a Funalfa tem como orçamento”, diz, para logo acrescentar: “Acredito que esse movimento vai acabar chegando a outras instituições.” Uma delas é a própria Prefeitura. De acordo com Mancini, um estudo já finalizado aponta que, se apenas os servidores municipais que recebem acima de R$ 7,5 mil destinassem a parte possível de seus impostos de renda, a cultura local contaria com mais R$ 2 milhões por ano. A ideia, segundo o superintendente, é criar um portal de propostas, para que cada pessoa escolha qual projeto apoiar, e a Prefeitura, então, arrecadaria a verba e repassaria.

Em busca de mais recursos

No último dia 26, a Câmara Municipal, em audiência pública, debateu o potencial de investimento cultural na cidade a partir do uso das leis de incentivo, grande parte delas com a possibilidade de isenção fiscal, como a estadual, para a qual a Funalfa espera sujeitar um projeto para o carnaval local. Congelada para revisão, a Lei Rouanet deve divulgar suas novas normas nas próximas semanas. De acordo com nota da “Coluna do Estadão”, do jornal “O Estado de S. Paulo”, a lei deixará de lado a homenagem ao seu criador Sérgio Paulo Rouanet e passará a chamar apenas Lei de Incentivo à Cultura. Em reunião com empresários e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, o Ministro da Cidadania, Osmar Terra, assumiu a morosidade no processo de exame do mecanismo e comprometeu-se a democratizar a lei no novo formato. “A Lei Rouanet ainda é muito demonizada, mas ela permite que esses R$ 60 milhões (potencial total da cidade), que estão indo embora de Juiz de Fora ano a ano, pudessem movimentar a economia da cidade, não apenas a cultura. O artista come, dorme, mora, se transporta, se diverte. Esses R$ 60 milhões poderiam ser reinvestido nos negócios da cidade, fazendo com que ela enriquecesse como um todo”, defende o superintendente da Funalfa.

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Inaugurado em dezembro passado, o Instituto Albert Sabin aposta nessa potência. Patrocinadora, também, da equipe de voleibol de base do Clube Bom Pastor, que prepara atletas para integrar o JF Vôlei, a organização sem fins lucrativos tem planos de sensibilizar empresas e toda a comunidade. “O que a gente quer, no decorrer do tempo, é lá na frente – o que espero que não seja longe – ser um instituto robusto, capaz de alocar vários projetos”, pontua Célio Carneiro Chagas, diretor-presidente do Hospital Albert Sabin e diretor do Instituto Albert Sabin. “O instituto não dispõe da verba. O papel dele é na condução, na fiscalização e no gerenciamento de projetos lá alocados. Todo projeto tem um orçamento a ser executado, e quem provem é o apoiador. O instituto busca o apoiador, seja pessoa física ou jurídica, que através de incentivos fiscais possam destinar os valores necessários. O instituto, apesar de ter sido criado pela empresa Hospital Albert Sabin, em seu estatuto, está apto a conduzir projetos de qualquer empresa ou pessoa física interessada. Propostas feitas em Juiz de Fora e que sejam interessantes para a melhoria da qualidade de vida dos que moram aqui são muito bem recebidas pelo instituto”, explica o gestor, pontuando as diferentes frentes nas quais atua a organização, que vão da área social à ambiental, passando pela desportiva e cultural.

Gente em Primeiro Lugar é um projeto social que tem apoio do Instituto Albert Sabin (Foto: Fernando Priamo)

O desafio de aproximar o investidor

Para que o setor privado mobilize-se em prol da economia da cultura local, é preciso, segundo gestores públicos e artistas, desfazer uma série de equívocos e preconceitos. “Vivemos num ambiente onde não temos profissionais especializados na área. O artista acaba tendo que ir para a frente da batalha, para convencer o empresário a apoiar e apostar num projeto. Geralmente nas leis de incentivo, existe uma contrapartida, na qual a empresa patrocinadora tem que entrar numa parte com o dinheiro dela, e isso é um complicador”, avalia o ator e produtor Tairone Vale, que em abril estreia seu monólogo “Versão Demo”, exemplar de sucesso na captação de recursos na cidade. “Como não havia perspectiva positiva em relação a isso, o artista local desistiu da Lei Rouanet e da Lei Estadual, ficando apenas com a Lei Murilo Mendes ou com pequenos apoios diretos.

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No sistema Salic (de inscrição de projetos da Rouanet), eram pouquíssimos os projetos inscritos. O painel realizado pela Funalfa em 2017 já alavancou o número de projetos. E planejamos um novo painel para o segundo semestre”, comenta o superintendente Zezinho Mancini, referindo-se à série de palestras que a fundação realizou na cidade para esclarecer as diferentes pontas envolvidas na questão, dos artistas ao empresariado, incluindo contadores e outros agentes. O próximo passo, segundo Mancini, é a criação de um portal capaz de fazer a ponte entre o setor privado e os projetos aprovados em editais de isenção fiscal.

Em seu primeiro ano de atividade, o Instituto Albert Sabin espera apoiar propostas da própria Funalfa (que possui uma cadeira na comissão de avaliação de projetos da organização) e também receber projetos por demanda espontânea, configurando-se numa nova fonte de apoio à classe cultural. Conforme Hugo Borges, a Unimed possui uma dotação orçamentária mínima para estabelecer as parcerias que vem realizando. “É sempre um sacrifício grande do ponto de vista financeiro, porque, na maioria das vezes, não há isenções tributárias que outras organizações do mercado conseguem. Alguns tributos e impostos que facilitam essa isenção nós não temos. A cooperativa, então, faz um esforço, que é superrecompensado. Marketing é outra coisa. Fazemos também, propagandas e comerciais para a venda de produtos, mas essas ações não buscam isso. Acaba que elas se traduzem em marketing espontâneo, porque é com muita simpatia que a população vê essa participação. O maior beneficiário somos nós, os 1.500 médicos cooperados”, comenta Hugo Borges, que, aos moldes do Instituto Unimed-BH, espera, em 2019, sensibilizar seus cooperados para destinarem a parte devida de seus impostos de renda. “O grande sonho nosso, agora, é envolver esses médicos”, afirma.

Como driblar a ingerência

Junto do patrocínio, está uma relação que se estabelece, uma mensagem que se funde e um projeto que se complementa. Dessa forma, não se torna arriscado a ingerência do setor privado no fazer artístico? “É um risco, já que o papel da arte é provocar, cutucar, ser polêmica”, reconhece o ator Tairone Vale. “Às vezes, o patrocinador não quer tocar em certos assuntos e pode fugir de certo projeto para não associar sua marca a determinado assunto. Ou pode querer que o projeto seja realizado em outro local, por interesses geográficos dele. Nesses casos, a gente que passa o chapéu acaba ficando um pouco refém desse tipo de situação. Isso não aconteceu comigo, mas não podemos negar que esse risco existe”, diz. “O diálogo é ainda a moeda mais forte”, sugere Valéria Faria, pró-reitora de Cultura da UFJF. “Talvez seja mais uma questão de perfil e público-alvo das empresas. Há muitos empresários, atualmente, de pequeno ou grande porte, que apostam na diversidade, no experimentalismo, também tanto em pequenas quanto grandes produções. Existe esse modelo de parceria, que usamos aqui, que leva a uma visibilidade, mas grande parte dos projetos culturais do país atualmente funciona por leis de incentivo, cujo grande benefício é fiscal. Nesse sentido, um projeto experimental pode ser contemplado por uma empresa ainda que isso não dê visibilidade, porque esse benefício é real e interessante para a empresa”, reflete. Superintendente da Funalfa, Zezinho Mancini concorda: “A cultura é independente e tem como característica questionar o que está estabelecido. Com ela sendo livre, o empresariado não consegue ser o dono. Da mesma maneira, o Poder Público não foi o dono até aqui”. E finaliza: “A cultura sempre foi independente”.

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