Em novembro de 2019, a exposição “Maxakali – A resistência de um povo” era inaugurada no Jardim Botânico, apresentando as cerimônias, rituais e a relação do povo Maxakali com a natureza. Quase dois anos depois, interrompida pela pandemia de Covid-19, que agravou e explicitou os ataques aos direitos fundamentais dos povos originários, a exposição retorna às galerias Mehtl’on e Tlegapé. A partir deste sábado (30), poderão ser observadas fotografias e artefatos que remetem ao cotidiano nas aldeias indígenas do Nordeste de Minas Gerais e promovem reflexões sobre questões urgentes, como preservação ambiental e marco temporal.
Entre os anos 1970 e 1980, a professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Neli Nascimento coletou diversos testemunhos materiais e simbólicos da cultura Maxakali e doou para o acervo da instituição nos anos 1990. Atualmente, a coleção etnográfica pertence ao Museu de Arqueologia e Etnologia Americana (Maea) da UFJF e, mesmo após cerca de 50 anos, desperta discussões acerca da degradação ambiental, modos de consumo e propõe repensar novos caminhos para gerações futuras.
Com a reabertura da exposição ao público, o diretor do Jardim Botânico, Breno Moreira Motta, acredita que o espaço está contribuindo para impedir o desaparecimento cultural dos povos originários ao possibilitar que o visitante acesse um pouco da história Maxakali, através de diálogos e reflexões sobre os saberes, práticas, linguagem, mitologia e cosmovisão. A iniciativa é uma parceria da Pró-Reitoria de Cultura em aliança com o Jardim Botânico. “A exposição conduz o visitante a uma vivência da trajetória desses povos, descolonizando saberes e democratizando espaços que, até bem pouco tempo atrás, permaneceram fechados para a diversidade de saberes dos povos originários”, afirma Breno.
Questão de sobrevivência
A exposição recria cenários da vida na aldeia na tentativa de promover uma melhor compreensão do público a respeito da dimensão de cada artefato na vida dos Maxakali. A casa-sede buscou ilustrar as habilidades artísticas desse grupo e sua relação subjetiva e intersubjetiva com o ambiente natural, por meio da representação de, por exemplo, uma cena doméstica com exposição de cerâmicas, lanças de caça, adornos de cabeça e artesanatos de madeira.
A mostra também conta com fotografias que captam o modo de vida do grupo, registradas durante os trabalhos de pesquisa de campo realizados desde 1996. As fotografias são de autoria das funcionárias do Maea Luciane Monteiro Oliveira, Cecília Porto e do pesquisador e fotógrafo Ramon Rafaello. Além disso, será possível observar uma pequena mostra da reprodução artística de jovens do Centro Socioeducativo de JF e de poesias do Coletivo Vozes da Rua.
Do Vale do Mucuri à Bahia
Ao primeiro passo adentrando as galerias é possível avistar um mapa que mostra a distribuição dos Maxakali em pequenas glebas de terras e toda a extensão territorial ocupada por seus ancestrais, que percorriam desde as cabeceiras do Vale do Mucuri, passando pelo Vale do Jequitinhonha até chegar ao Sul da Bahia. Essa representação é fundamental para compreender o processo de luta e resistência dos Maxakali, há cerca de 300 anos, para manter sua existência.
“Através dessa experiência, o visitante é levado a perceber a capacidade dos povos originários de conviver em perfeita harmonia com a biodiversidade”, aponta Bruno, destacando a forma como esses povos conseguiram desenvolver e manter seu modo de vida baseados no conhecimento, manejo, aproveitamento e otimização da biodiversidade. Tal ação contrasta com o caráter destrutivo do modo de consumo vigente. “Nos dias atuais, em que o nosso modo de vida vem sendo colocado em xeque a cada dia, faz-se urgente e necessária a aproximação e o aprendizado com os povos originários, a fim de que possamos garantir a sobrevivência de nossa espécie e da biodiversidade de nosso planeta.”
Tempo de ouvir e aprender
As terras indígenas são essenciais quando falamos de proteção ambiental. No contexto atual de colapso ecológico, a maior parte das áreas preservadas se encontra em territórios indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, como aponta a diretora do Museu de Arqueologia e Etnologia Americana, Luciane Monteiro. Ela argumenta que o modo de vida tradicional dos povos originários é responsável por assegurar a proteção das florestas que regulam o clima, as chuvas, além de abrigar a biodiversidade do planeta. “A manutenção dos territórios é a manutenção da vida, não só dos indígenas, mas de toda a humanidade! Precisamos urgentemente despertar para essa situação e nos juntarmos a esse movimento para resguardar as nossas vidas e as das gerações futuras.”
A pandemia alertou para a necessidade de debater e buscar soluções urgentes para evitar outras epidemias e desastres ambientais. “Infelizmente estamos vivendo um momento de retrocesso, onde o capital prepondera sobre a vida humana, e muitas pessoas sentem de forma mais aguda os impactos desse cenário.” Por isso, Luciane reforça que é tempo de ouvir e aprender com nossos antepassados indígenas e reconhecer a sua importância e valor para as nossas vidas.
A resistência de um povo
Diásporas, expulsões, massacres, epidemias, degradação e redução dos territórios marcam a história dos Maxakali. Atualmente, a tese do marco temporal preocupa e mobiliza indígenas de todas as regiões do país por uma mesma causa: o direito de permanecer em suas terras. A retomada da exposição neste momento se torna oportuna e é vista como um meio de conscientizar a população sobre uma ação de reintegração de posse que transita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e levanta discussões sobre a demarcação de terras indígenas.
De acordo com a tese do marco temporal, só seriam considerados territórios indígenas aqueles que já haviam sido comprovadamente ocupados na data de 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil. Para a diretora do Maea, tais assuntos são pouco compreendidos pela maior parte da população, “sobretudo por conta da propagação de uma única narrativa que desde a colonização tenta invisibilizar e descaracterizar a diversidade dos povos originários”. Com isso, a mostra visa romper essa estrutura de ideias e dar oportunidade para que os visitantes conheçam a multiplicidade de perspectivas e horizontes.
Agendamento de visitas
As visitas à exposição são guiadas por Luciane Monteiro e Cecília Porto junto com bolsistas e voluntários do Jardim Botânico. É necessário realizar o agendamento no ato da visita, no sábado à tarde ou no domingo pela manhã, na portaria da casa-sede onde estão localizadas as galerias Mehtl’on e Tlegapé do Jardim Botânico. O número de pessoas em cada grupo está limitado a dez por sessão, sendo que, nas datas disponíveis, devem haver quatro mediações de aproximadamente 30 minutos.
Aos interessados em visitar a mostra, a casa-sede funciona exclusivamente aos sábados entre 14 e 16 horas e aos domingos de 9 a 11 horas. O Jardim Botânico fica localizado na Rua Coronel Almeida Ferraz 246. Para outras informações: (32) 3224-6725.