Alcançar espaço e reconhecimento é o que buscam mulheres que estão se unindo em grupos por todo o Brasil para discutir a valorização de fotógrafas, diretoras de cinema, artistas, ilustradoras – mulheres da imagem, é assim, abrangendo tantas áreas, que quase não se definem. Acima de tudo, querem ser respeitadas como profissionais da imagem.
IVY é um coletivo nacional que surgiu há um ano durante uma conversa, em Curitiba, entre a fotojornalista Marizilda Cruppe, a fotógrafa Isabella Lanave e a jornalista Amanda Souza. Além de unir gerações com diferença de mais de duas décadas, assume todo tipo de produção de “imagem”, sem formato específico. Mensalmente, propõe desafios e ecoa o trabalho de artistas de todo o Brasil.
Um grupo de mulheres que trabalham com imagem está em formação também em Juiz de Fora, o SomaMulheres, inspirado em propostas como a do IVY para sua criação e vem realizando encontros periódicos para formatação de projetos, com objetivo de fortalecer o trabalho umas das outras. O coletivo reuniu-se com a Tribuna para uma conversa sobre as recentes organizações de fotógrafas e artistas visuais em todo o Brasil. Elas somam, a princípio, nove mulheres e já planejaram a primeira ação de fotografia para o Foto 17.
Além disso, o grupo também é composto por artistas visuais e mulheres que trabalham com performances. O intuito é o de ecoar o que nasce delas para toda a cidade. São mulheres de 26 a 52 anos que estão avaliando seus objetivos dentro da realidade de Juiz de Fora. O primeiro passo está sendo o de conhecer e transitar pelas experimentações artísticas e plataformas que utilizam. O encontro surgiu de uma conversa entre Marina Costa, 36, e Nina Mello, 52, ambas fotógrafas e jornalistas, por formação. Elas têm a intenção de fazer com que mais mulheres participem de editais, coletivas e exposições – ou seja, “mostrem suas caras”.
Experimentar e valorizar
Em uma casa no Bairro São Pedro, cercada por arbustos de lavanda, estavam em um estúdio regado a vinho e com câmeras DSLRs fotografando umas às outras. “Esse exercício de uma mulher fotografar outra mulher tem uma importância muito grande. A gente acaba quebrando um pouco com a objetificação do trabalho masculino, com um olhar patriarcal”, disse Ana Cláudia Ferreira, 29, jornalista e fotógrafa. Ao que Janaina Morais, 28, antropóloga e performer, completa: “é muito interessante para romper com o olhar que é feito do nosso corpo. Uma valoriza a imagem, e ao mesmo tempo o trabalho, uma da outra”.
Assista à conversa que tivemos com o coletivo SomaMulheres:
Esse foi o insight para a criação da primeira exposição coletiva que faz parte da programação do Foto 17. São retratos umas das outras, com liberdade para esvair a própria essência em cada clique. A intenção, segundo Nina, é de fazer uma exposição coletiva de apresentação do grupo para a cidade. “A proposta é que se coloquem retratos de cada uma das mulheres do grupo, sendo uma foto mais objetiva e outra mais subjetiva.”
O grupo está buscando cada vez mais pluralidade e autoralidade. Como o trabalho de fotógrafa é muito solitário, ali é o lugar de poderem compartilhar técnicas, anseios e referências. Isa Arcuri, 40, é artista plástica e tem um trabalho como fotógrafa de dança, capta os instantes em movimento das bailarinas. Já Nanda Gondim, 26, traz o feminismo, a mulher e as relações com a natureza para sua estética. Enquanto isso, Malu Machado, 48, está interessada em seu trabalho de fotografia subaquática. Nesse multiverso, da terra à água, as mulheres acabam por querer se aventurar em outros lugares. Marina Costa, por exemplo, está saindo um pouco da fotografia documental de casamento e buscando um trabalho mais subjetivo e experimental.
Em busca da igualdade de gênero
Outra questão discutida foi sobre o posicionamento, de algumas, em buscar formar equipes de trabalho composto somente por mulheres. Ana Claudia e Nanda consideram que seja um ato político, de fortalecimento para quem tem menos oportunidade que os homens no mundo das artes. “Eu me sinto muito melhor trabalhando com mulher, me sinto fortalecida e protegida”, falou Nanda. “Toda história do cinema e das artes, foi contada até então por homens. É uma posição política porque equipes de homens são montadas o tempo todo. A gente precisa se fortalecer, de fato, até chegar o momento em que isso será uma igualdade”, afirmou Ana, contando de sua última experiência, como diretora de seu curta, com um set inteiro de mulheres. O filme, inclusive, será exibido pela primeira vez na abertura do Festival Primeiro Plano, em 23 de outubro.
“Para além do coletivo, do movimento, de uma política e de uma intervenção, para mim, isso é um lugar. Ninguém está pronta aqui. A gente se modifica, o trabalho se modifica, ficamos instigadas em fazer outras coisas. Enquanto o traço feminino vai se debulhando, isso é sublime”, comentou Márcia Evaristo, 48, ilustradora, ao fim da conversa.
Movimento inicial: “Fotógrafas Brasileiras”
Quando 138 mulheres fotógrafas se juntaram na escadaria do Theatro Municipal da Cinelândia, Bairro no Rio de Janeiro, para um registro histórico, o “Movimento de Fotógrafas Brasileiras” começou, espontaneamente. A foto feita em 6 de novembro de 2016, foi inúmeras vezes compartilhada em sites e redes sociais, com o seguinte impacto: ei, olha quantas profissionais mulheres nós temos, onde elas estão?
Hoje o grupo no Facebook reúne cerca de duas mil fotógrafas de todo país, e existe uma coordenação, com a base do grupo que começou no Rio, atuando na criação de projetos, exposições coletivas e também buscando patrocínio e editais para que o trabalho circule. A primeira coletiva aconteceu através de uma convocatória na rede social, chamando mulheres fotógrafas a enviarem autorretratos para a exposição “Primeira pessoa do singular”, que está exposta no Festival Internacional Paraty em Foco, e logo após da desmontagem, vem para o Foto 17.
Ao todo 151 fotógrafas, espalhadas por todo Brasil, enviaram seus autorretratos, e todas, sem exceção, estão nessa primeira ação do grupo. Uma das ideias, segundo Stela Martins, 48, fotógrafa e produtora cultural, além de uma das coordenadoras do movimento, é o de dar visibilidade para mulheres fotógrafas, então é um trabalho bastante de inclusão. “O peso do trabalho está na unidade, não está no individual. A exposição está dando um susto em quem se depara, além de despertar curiosidade. Também há muita felicidade em podermos estar conhecendo mulheres que têm as mesmas dificuldades por causa do machismo na profissão, e sonhos, ou às vezes até sonhos completamente diferentes”, falou Stela sobre o que está observando durante a exposição em Paraty. “Muitas fotógrafas são desconhecidas, que talvez nunca estariam na parede de um festival internacional.”
Há também a intenção de colocar quem visita como protagonista, por isso, ao longo dos autorretratos, de mesmo tamanho, estão espalhados espelhos em alturas diferentes. “Você observa e também se olha.” Em meio há tantas mulheres fotógrafas, nomes de peso do fotojornalismo brasileiro estão na exposição, além de Wania Corredo, Simone Rodrigues, Kitty Paranaguá, Simone Marinho e Paula Johas.
“O projeto tem um conceito de inclusão, em que fotógrafas já consagradas no mercado se unem, se juntam e abrem espaços para fotógrafas que estão se iniciando. Além disso, o Fotógrafas Brasileiras é aberto ao diálogo entre as mulheres e até os homens, não temos essa questão de rachar nada, é um movimento de ocupação de espaços e união”, explica Wania Corredo.
O Fotógrafas Brasileiras existe há menos de um ano e desencadeou atenção em nível nacional. “Núcleos estão se formando em todos os estados brasileiros. O que essa mulherada pode construir juntas? Primeiro, se fortalecerem e provocarem a visibilidade. Somos poucas fotógrafas conhecidas”, afirma Wania, dizendo ainda que o grupo começou este a fazer um levantamento histórico e uma pesquisa sobre fotógrafas brasileiras e têm a intenção de criar uma rede nacional e até mesmo, de fotógrafas gringas que vivem no Brasil, bem como as brasileiras que estão morando no exterior.
Debate no Foto 17
A abertura do Foto 17 acontece no dia 9 de novembro e vai até 10 de dezembro. O protagonismo que as fotógrafas estão tendo a partir desses grupos será tema para uma mesa de debates, que acontece no dia 11 de novembro, com Wania Corredo e Stela Martins. Além de fazerem uma apresentação do projeto, vão exibir uma projeção com os autorretratos e mostrarão alguns dados da pesquisa que estão desenvolvendo junto a outras fotógrafas que estão na academia. O coletivo Soma Mulheres também vai participar desse debate, que tem como principal intuito a troca de experiências entre mulheres fotógrafas do Brasil.
“Meu projeto é para as outras mulheres, dar visibilidade para meninas que ainda estão começando. É um legado que a minha geração está deixando para as futuras fotógrafas, para que não passem por tantas dificuldades na profissão, como nós passamos”, finaliza Wania, uma das mais premiadas fotógrafas brasileiras que atua na profissão desde 1992.