Com uma produção cinematográfica marcada por documentários e curtas-metragens, o diretor Kleber Mendonça Filho chega ao terceiro longa de ficção com “Bacurau”, que estreia nesta quinta-feira com a credencial de ter vencido o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, em maio, e um sem-número de críticas elogiosas aqui e no exterior. O filme, co-dirigido com Juliano Dornelles, vem na esteira dos elogiados “O som ao redor” (2013) e “Aquarius” (2016). Chega ao circuito nacional, porém, com o gosto amargo de ter sido preterido como o representante local para tentar uma indicação ao prêmio de filme estrangeiro na próxima edição do Oscar: o escolhido foi “A vida invisível”, de Karim Aïnouz, também premiado em Cannes, na mostra “Un certain regard”.
O longa da dupla é um raro exemplo de faroeste made in Brazil, que tem recebido comparações com o trabalho de Glauber Rocha, porém com elementos de ficção científica e que pode encontrar paralelos com os tempos sombrios que vivemos, em que cultura, tradição, o senso de comunidade, os afetos enfrentam a ameaça da destruição, a insensibilidade, a ambição desmedida. O elenco mistura atores desconhecidos com nomes como Sonia Braga (que trabalhou com Kleber em “Aquarius”), Silvero Pereira e até mesmo o incansável e interminável alemão Udo Kier.
A história se passa em algum ponto do futuro na cidadezinha fictícia que dá título ao longa, localizada no sertão pernambucano, com a população tendo que enterrar uma de suas matriarcas, Carmelita (Lia de Itamaracá), talvez como forma da marcar uma passagem do que passou para novos tempos. E não serão tempos auspiciosos: durante uma aula, ao tentar mostrar para alguns alunos onde Bacurau se localiza no mapa, o diretor da escola local descobre que o GPS não mais reconhece a cidade. Em seguida, os celulares param de funcionar, e a cidade se encontra isolada do mundo.
E vai piorar. Um grupo de mercenários estrangeiros surgem do nada e, falando apenas em inglês, começa uma carnificina com o apoio de um suposto representante do poder judiciário e de um político autoritário. O que eles não esperavam, porém, era a resistência da população, que pega em armas e se organiza para sobreviver, nem que seja na base da bala.
Um rapaz (que não é) de Liverpool
Imaginar realidades alternativas, o famoso “e se…?”, permeia a imaginação de milhões e é terreno fértil para literatura, cinema, quadrinhos, televisão. Temos, por exemplo, “O homem do castelo alto”, livro de Philip K. Dick em que a Alemanha e Japão vencem a II Guerra Mundial, ou “A Era do Apocalipse”, em que o mundo é bem diferente por conta da morte do Professor Xavier antes de criar os X-Men, que por conta disso nunca existiram. A própria Marvel, aliás, por muitos anos teve uma revista chamada “What if…?” (“O que aconteceria se…?”, em português) que apresentava as mais diversas possibilidades. Quem nunca perguntou, entre outras possibilidades, como seria o Brasil se Tancredo Neves não tivesse morrido, ou se o Brasil fosse campeão da Copa de 1950?
Pois “Yesterday”, novo longa de Danny Boyle (“Trainspotting”, “Quem quer ser um milionário?”, “Extermínio”), parte de uma premissa interessante, que certamente mudaria a música e a cultura pop: o que aconteceria se os Beatles, a maior banda de rock da história, não tivesse existido – ou, pelo menos, se separado antes de gravar seu primeiro single? Provavelmente não viveríamos um apocalipse nuclear, com mutantes se arrastando pelas ruas ou robôs caçando os humanos sobreviventes, mas a premissa rendeu uma comédia romântica a partir de uma ideia do roteirista Richard Curtis, que tem no currículo sucessos como “Quatro casamentos e um funeral”.
Para responder à pergunta, a trama se vale do fantástico e de um total desconhecido nos primeiros minutos do filme. Himesh Patel, da série “Damned”, interpreta Jack Malik, um músico frustrado dos cafundós da Inglaterra que já teria largado a carreira fracassada não fosse a amiga de infância e agente, Ellie Appleton (Lily James, “O destino de uma nação”), que tem uma paixão mal disfarçada por ele. Então, numa noite qualquer, quando retornava de mais um show fuleiro, ele sofre um acidente de bicicleta no mesmo instante em que acontece um apagão global, que durou 12 segundos.
Bacurau
UCI 4: 13h20, 16h20, 19h15, 22h10. Cinemais Alameda 2: 16h30, 19h20. Cinemais Alameda 5: 15h40, 18h20, 20h50.
Classificação: 16 anos
É nesse momento que a história tem seu plot twist. Enquanto se recupera, ele ganha um violão dos amigos e, para passar o tempo, começa a tocar e cantar “Yesterday”, que ninguém conhece. Mas ninguém mesmo. E todo mundo elogia, pergunta se é dele. E ele diz “não, é dos Beatles”, e todo mundo pergunta “quem são os Beatles?”. E aí ele vai para a internet, pesquisa pelos Beatles e descobre que o quarteto formado por John, Paul George e Ringo nunca existiu. E que ele, só ele, conhece todas as músicas compostas pelo quarteto de Liverpool.
Já que é assim, o que o rapaz decide fazer? Começa a gravar as músicas dos Beatles como se fossem suas e acaba sendo “descoberto” por ninguém menos que Ed Sheeran. Não demora muito para Jack alcançar o sucesso e se tornar um dos artistas mais populares do mundo, capaz de “compor” clássicos instantâneos e conquistar milhões de fãs.
Ao mesmo tempo em que trabalha as possibilidades do “e se…?”, “Yesterday” não deixa de refletir sobre como a indústria musical é capaz de lidar com a arte, afinal são clássicos “descobertos” como novos cinco décadas depois, com todo mundo dando pitacos sobre como Jack deveria mudar a letra (!) de “Hey Jude”. Ao final, entretanto, o longa tem como elemento principal a comédia romântica típica das histórias escritas por Richard Curtis, com a fábula envolvendo um mundo sem os Beatles servindo de plano de fundo para a tradicional história do casal que tem tudo para dar certo, mas que fica naquele vai-não vai.
Yesterday
UCI 3 (dub): 14h. UCI 3 (leg): 16h30 (todos os dias), 19h, 21h30 (exceto qua). Cinemais Jardim Norte 2 (dub): 15h40, 18h20. Cinemais Jardim Norte 2 (leg): 20h40.
Classificação: 12 anos