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Em mostra on-line: documentário faz retrato sensível de um genial Luiz Melodia

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“Gal Costa me chamou _ ela, que nunca subiu o morro e nem precisava _ para dirigir um show dela, que acabou sendo ‘Fa-tal – Gal a todo vapor'”, conta o poeta Waly Salomão, numa mesa rodeada de amigos. “Aí fui para a casa dela ali em Ipanema e, nas conversas, vi falta de repertório e falta de vigor, uma coisa que tivesse a garra que eu via no Melodia no morro. Melodia era completamente desconhecido e, inclusive, nunca tinha atravessado o túnel de Copacabana, bem como muitos outros”, continua o homem que descobriu e alardeou um jovem Luiz Melodia do Morro de São Carlos, no Rio de Janeiro. A cena de arquivo é um dos pontos altos de “Todas as melodias”, exibido na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes até sábado (30).

“Vejo muita gente dizer que não tem nexo, não tem sentido. Acho que é parecido, para mim, com a quebrada do morro, com saídas inesperadas”, observa Waly, para em seguida ressaltar o que considerava único no autor de “My black, meu negro”, música para a qual sugeriu e emplacou um novo nome, “Pérola negra”. “Ninguém no Brasil, talvez nenhum músico, tem a cor local que tem Melodia. Na massa do sangue do Melodia tem essa coisa de cor local bem clara. Qual é a geografia? Qual é a topografia da região?” Dono de uma voz grave e de gestos eloquentes, Melodia fez sua estreia em disco em 1973, dois anos após o lançamento do álbum de Gal. Em mais de quatro décadas de carreira, permaneceu em movimento, lançando discos com regularidade. “Ele estava aí fazendo shows sem parar, criando, compondo, viajando.”

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Melodia é retratado e interpretado por diferentes gerações em documentário exibido até esta sexta (29), na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes. (Foto: Daryan Dorneles/Divulgação)

Uma morte no meio do caminho
Autor do documentário “Jards Macalé: um morcego na porta principal”, de 2008, Marco Abujamra também documentou a vida de Mário Lago e de Paulo Autran. Antes da morte de Luiz Melodia, em 2017, em decorrência de um raro tipo de câncer, o cineasta recebeu a proposta de narrar a história do músico do Estácio. “Melodia marcou muito a minha vida, desde a adolescência. Era um dos meus músicos brasileiros preferidos. Eu gostava muito da presença de palco dele. Tinha todos os discos e ouvia muito”, conta ele, que conversou com o ídolo e recebeu o aceite para seguir com o trabalho. Pouco tempo depois, Melodia adoeceu e o processo foi interrompido.

“O filme todo foi pensado para ser bem intimista, eu gravaria só com ele, e praticamente não teria imagens de arquivo. Precisei repensar todo o filme”, conta o diretor, que usou preciosas imagens de arquivo, inclusive cenas inéditas registradas por Paulo Cidmil em Londres, quando Melodia fazia turnê pela Europa. Dentre as cenas resgatadas, também está a de uma crítica na televisão inglesa, dizendo que as músicas de Melodia não tinham sentido algum. “Ele estava à frente do tempo dele. Hoje em dia, quando ouvimos essas letras, até comparando com as produções que vieram nas décadas seguintes, percebemos que são muito sofisticadas, com metáforas riquíssimas. Nas letras e na própria melodia ele construiu uma força poética que não tem nada de nonsense”, defende o cineasta.

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Revelações íntimas de um amor
O intimismo almejado por Marco Abujamra no início do projeto ganhou forma no depoimento emocionante da viúva Jane Reis, com quem Melodia foi casado por três décadas. Empresária do músico ao longo da vida, ela testemunhou o preconceito vivido pelo marido e também a genialidade do artista, além de sua irreverência expressa no palco. Numa das cenas, Jane mostra a calça ainda com o furo que fazia para que Melodia, bem mais magro, também pudesse usar. “O achado foi encontrar na Jane, que já era querida e virou uma amiga, uma personagem maravilhosa. A Jane também é protagonista do filme, porque vemos muito o casal. Ela trouxe um frescor e uma alma para o trabalho”, defende o diretor.

Numa das cenas do longa, Jane conta do episódio em que o marido não pôde entrar num hotel durante a madrugada e os dois acabaram sentados num banco de praça esperando o tempo passar até que o ônibus voltasse a circular. “Foi impossível deixar isso de fora do filme. Ele demorou 11 anos para conhecer o filho. Isso, independentemente de abalar ou não a carreira, influencia a vida de uma maneira absoluta. É muito forte”, comenta Abujamra, referindo-se a Hiram, filho mais velho do cantor, criado pela mãe. Melodia também teve, com Jane, Mahal, que seguiu no mesmo ofício e apresenta-se como rapper.

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‘Melodia está entre os grandes’
Para Abujamra, a alcunha de maldito, com que a geração e o círculo de Melodia ficaram conhecidas, teve outro peso na carreira do autor de “Juventude transviada”. “O Melodia, especificamente, é muito conhecido. As pessoas conhecem as músicas dele. Fiquei muito feliz em ver, depois da morte dele, a quantidade de homenagens que ele recebeu, o amor que as pessoas tinham por ele, não só outros artistas, mas o público em geral. Se ele soubesse, talvez, administrar um pouco melhor a carreira, certamente tivesse um protagonismo maior. Mas ele atingiu um patamar muito importante e interessante, com muitos hits”, observa o cineasta.

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“Não é uma música datada, que ficou para trás. Também não é uma música hermética, inacessível. É ultrassofisticada e, ao mesmo tempo, popular. Atravessou gerações. E continua sendo ouvida”, observa o cineasta, comprovando sua afirmação na própria seleção de entrevistados. “Ele era muito amado e endeusado por muitas gerações”, aponta Abujamra, que reúne na produção nomes de diferentes gerações, como Zezé Mota, Jards Macalé, Arnaldo Antunes, Céu e Liniker, esta última numa visceral interpretação de “Fadas” (“Devo de ir, fadas/ inseto voa em cego sem direção”).

“Todas as melodias” rodou alguns festivais e teve sua exibição bastante comprometida pela pandemia, já que não passou por mais eventos e nem chegou às salas de cinema. Em breve, estreia no Canal Curta, veículo para o qual foi concebido. Em pouco mais de 80 minutos, muitos deles preenchidos por interpretações de Melodia e de outros cantores para suas músicas, o documentário confirma o retrato que o próprio artista definiu ao cantar sua “Poeta do morro”: “Eu sou mais forte/ Eu sou mais gente/ Eu sou um rei”. “Melodia está entre os grandes, alcançou um lugar que é só dele”, assegura Marco Abujamra. E finaliza: “Ele é de uma originalidade total.”

TODAS AS MELODIAS
Em exibição no site da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes

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