Em junho de 2018, um barco abarrotado com 629 imigrantes estava pelos mares entre a Itália e a República de Malta. Parados sobre a água, aguardando onde poderiam chegar. A embarcação chamada de Aquarius foi recebida pelo Governo espanhol, após ser recusada em diversos países, e tornou-se um marco da atual crise dos refugiados. A temática é urgente e pode-se estabelecer inúmeras metáforas atemporais. Este estado de limbo é o lugar do novo experimento cênico do Corpo Coletivo, que será apresentado nesta sábado (28), às 20h, no espaço OAndarDeBaixo.
A dramaturgia de Hussan Fadel foi construída pela perspectiva do texto performativo. Não há linearidade e sim um tom de provocação para que o espectador seja deslocado, causando um estranhamento análogo às sensações de um imigrante ilegal vindo de uma cultura completamente diferente e chegando a um país onde não comem, falam e vivem como estavam acostumados. “Subterrâneo” é um experimento cênico pois está em processo de absorção pelos próprios diretores, Hussan e Carú Rezende, sobre os caminhos que irão chegar em cada apresentação, uma vez que dependem muito do engajamento da plateia.
Os sentidos dos espectadores são aguçados, tudo acontece muito próximo e ao mesmo tempo a plateia está toda afastada, sozinha. É preciso mover a cadeira para acompanhar o desenho das cenas, causando uma imersão como se todos, incluindo o elenco com Hussan e Vinícius Cristóvão, fossem desconhecidos e “extraños” naquele ambiente a que precisam pertencer para sobreviver, mesmo diante da não inserção social. Um dos desafios para esta criação foi pensar a relação entre luz e escuridão.
“O teatro, comumente, é pensado para luz, mas nesse, tivemos que conceber o escuro. Pensar o escuro foi muito difícil, o modo como as palavras chegam no escuro é diferente, toma outro tempo, gera mais imagens”, conta Hussan, dizendo que essa é uma montagem criada para ser apresentada literalmente no “under”, debaixo dos palcos dos teatros. Inclusive, estão na programação do Corredor Cultural, ainda sem data definida, onde irão encenar debaixo do palco do Teatro Paschoal Carlos Magno. O Corpo Coletivo busca em seus trabalhos formas alternativas de ocupação do espaço teatral. “É o teatro atravessando a realidade e a realidade atravessando o teatro”, define Hussan, relembrando quando realizaram peças dentro de residências particulares.
Êxodos
“Subterrâneo tem a ver com o contexto em que a gente está vivendo, sobre deslocamentos de terras, êxodos e a forma como o diferente está sendo tratado. Estes grupos invisíveis acabam criando uma rede própria de sobrevivência, e as perspectivas de vida são diferentes, não têm casa, família, um emprego estável, mas a perseguição em querer sobreviver e se adequar a um novo espaço a qualquer custo”, explica Hussan Fadel, descendente de imigrantes libaneses.
O experimento é definido como teatro de liminaridade, que provoca uma sensação de estar no limítrofe entre o real e o fantástico. Este conceito tem relação com a pesquisa teatral de Hussan, ligada ao teatro performativo, que é exatamente a manifestação do “encontro”, do que acontece no momento presente na relação entre aqueles corpos que ocupam uma sala para participar de uma performance.
Subterrâneo: experimento cênico do Corpo Coletivo
Neste sábado, 28 de julho, às 20h, no espaço OAndarDeBaixo (Rua Floriano Peixoto, 37, 2° andar, Centro).