Educadora e pesquisadora do Arquivo Histórico de Juiz de Fora, Elione Silva Guimarães deparou-se, ao longo dos anos, com diferentes fontes sobre os negros escravizados e libertos que viveram na cidade. O livro “Terra de preto – Usos e ocupação da terra por escravos e libertos (Vale do Paraíba mineiro, 1850-1920)”, resultado de sua dissertação de mestrado, revela uma luta de homens e mulheres pelo básico direito à moradia. Desdobrada no projeto de doutorado, a pesquisa continuou investigando os viveres na escravidão e no pós-emancipação, sempre partindo de documentos públicos de um acervo que confirma a raiz negra de Juiz de Fora.
Como se deu o acesso à terra por pessoas escravizadas e libertas em Juiz de Fora?
Algumas pessoas escravizadas tiveram acesso à terra a partir do usufruto de pequenos terrenos cedidos pelos proprietários. Era uma das facetas da microeconomia dos cativos. Para alguns, houve a possibilidade de exploração de cafezais velhos, do cultivo de roças de alimentos ou criação de pequenos animais (galinhas e porcos). Alguns libertos receberam em legado porções de terras, mais raramente as adquiriram por compra, e não raro se envolveram em conflitos cotidianos e judiciais para defendê-las e mantê-las frente à cobiça dos vizinhos mais abastados e poderosos.
Em que momento e de que forma é possível compreender que o conceito de justiça passa a fazer parte do cotidiano dos negros e negras em Juiz de Fora?
Há que se compreender que há – no passado como hoje – uma dissociação entre leis, direitos e Justiça. Embora existissem determinadas leis específicas, que procuravam assegurar alguns direitos aos escravizados, e embora os cativos e, principalmente, os libertos pudessem se valer das leis gerais, o acesso a elas passava pela possibilidade de encontrar quem quisesse defendê-los e arcar com os custos, o que por si só já os limitava e os colocava em situação de não-cidadãos.
O tratamento dado a esses negros e negras no final do século XIX e início do XX, em relação a leis protetivas e direitos, ajuda-nos a compreender sob qual perspectiva o apagamento dessas pessoas da narrativa oficial? Já eram muitas as estratégias de silenciamento nesse período?
Teoricamente, a lei existia, e o acesso a ela pela população negra/mestiça, em tese, estava assegurado. Na prática, a ausência de conhecimento dos direitos e de recursos para arcar com bons advogados e longos e caros processos limitava o exercício e a conquista desses mesmos direitos. Some-se a isso a menor presença nas relações pessoais com políticos e poderosos locais. Não obstante, as fontes documentais são fartas em evidenciar a luta cotidiana e mesmo jurídica desses personagens. Silenciados pela narrativa oficial, sim; ausentes da luta possível, jamais.