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25 artistas fazem releituras de Marcel Duchamp na UFJF

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Em tempos de Tinder, do culto do ‘eu’ e de ferramentas digitais para (re)criação, Petrillo brinca com as inúmeras possibilidades de transformação da imagem da ‘Mona Lisa’ (foto: Divulgação)

O francês Marcel Duchamp já havia “causado” (para usarmos uma expressão de nosso tempo) em 1917, quando comprou um urinol, tascou a assinatura “R. Mutt” na louça do objeto e o enviou para um concurso nos Estados Unidos. Para os padrões estéticos da época, aconteceu o esperado: a obra, intitulada “A fonte”, foi rejeitada com o argumento de que não havia “labor artístico”. Não era sua primeira tentativa, mas o trabalho é considerado como a mais representativa criação do artista dentro do que passou a ser conhecido como ready-made, em que objetos do cotidiano, geralmente produzidos em escala industrial, são vistos como obra de arte por alteração, adição ou por pura renomeação. Não à toa, “A fonte” já foi eleita em diversas ocasiões como a mais importante obra de arte do século XX.

Outra obra famosa de Duchamp, todavia, é que rendeu a exposição em cartaz até 10 de setembro no Espaço Reitoria, da UFJF: “Pensamento Subversivo: 100 anos de L.H.O.O.Q.” homenageia por meio de 25 artistas o centenário da obra em que o francês desenhou um bigode e barba na reprodução da “Mona Lisa” de Leonardo da Vinci. Em mais uma apropriação de um objeto produzido em escala industrial, a sigla evoca a expressão – em francês – “Elle a chaud au cul” (“Ela tem o rabo quente”, em português), uma insinuação a respeito da suposta homossexualidade do renascentista italiano.

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Trabalho de Washington da Silva aproveita a ideia do ready-made para promover uma reflexão sobre o próprio cotidiano (Foto: Divulgação)

Com trabalhos criados por Carol Cerqueira, Fabrício Carvalho, Fernanda Cruzick, Francisco Brandão, Frederico Merij, Higor Soffe, Jéssica Perobelli, João Jacob, Lucas Soares, Marcus Vinícius Amato, Mariana Lage, Marize Moreno, Matheus Assunção, Matheus de Simone, Nickolas Garcia, Paulo Alvarez, Paulo Rafael, Petrillo, Rafael Ski, Renato Abud, Ricardo Cristofaro, Ronald Polido, Valéria Faria, Vermelho e Washington da Silva, a exposição não passa obrigatoriamente por uma releitura (um novo ready-made?) de “L.H.O.O.Q.”; o desafio é, a partir da inspiração da obra de Duchamp, fazer seus próprios ready-mades com outros objetos cotidianos, rendendo releituras, adições, alterações que propõem uma reflexão.

Segundo Valéria Faria, responsável pela curadoria ao lado de Washington da Silva, a mostra foi uma proposição do núcleo curatorial da Pró-Reitoria de Cultura para homenagear o centenário de “L.H.O.O.Q”, criada exatamente no ano em que se completavam quatro séculos da morte de Leonardo da Vinci. “Selecionamos artistas a partir da contemporaneidade de suas poéticas pessoais e convidamos a atualizar a ideia genial do artista francês em novos ready-mades retificados, considerando diversas questões suscitadas pela arte ao longo dos últimos cem anos”, explica. “Assim como Leonardo da Vinci, que afirmava ser a arte ‘coisa mental’, Duchamp também se opunha àquilo que ele chamava de ‘arte retiniana’, que agrada mais à vista. Para o artista, não é dever da arte satisfazer, mas sim provocar, incitar o pensamento. Nesse sentido, o esforço de Duchamp desejava que o público buscasse uma reflexão a partir do confronto com o inesperado. Este foi o convite desta mostra, uma busca ao raciocínio propositivo e questionador.”

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“Em sua maioria são artistas que trabalham com arte objetual, e alguns são pesquisadores que têm o Duchamp como referência”, acrescenta Washington da Silva. “A partir do momento que ele criou o que seria o ready-made, que tudo poderia ser arte, muitos passaram a tê-lo como influência.”

À primeira vista, obra de Matheus Assunção remete à mais famosa obra de Marcel Duchamp, ‘A fonte’ (Foto: Divulgação)

Discussões ainda atuais

Para Washington, os trabalhos apresentados na mostra dialogam com questões sociais e políticas da atualidade, assim como Duchamp há um século lidava com as questões de seu tempo. “Ele tinha uma relação com o seu tempo, com as máquinas, o sistema, a política do seu tempo, a forma como o artista via o mundo naquela época. Então o mesmo acontece com os trabalhos que estão na exposição. É o caso do Matheus de Simone: ele pegou um brinquedo que é um conjunto de instrumentos utilizados por um policial, como cassetete, algemas, óculos, e deixa na embalagem apenas o cassetete. É um ready-made retificado.”

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“Ficamos muito felizes com o resultado da exposição, porque os trabalhos foram desenvolvidos em linguagens bastante variadas e absorveram o espírito provocativo do Marcel Duchamp em proposições bastante diversificadas e criativas”, analisa Valéria, que destaca ainda a perenidade da influência das ideias de Duchamp.
“Marcel Duchamp foi um dos artistas mais influentes da arte no século XX, e ainda é até a atualidade. É autor de uma frase muito interessante: ‘arte é plágio ou revolução’, que quer dizer que ou você está sempre copiando, plagiando aquilo que já foi realizado inúmeras vezes, ou você está promovendo alguma revolução, desenvolvendo uma arte embativa, que privilegia mais o campo das ideias e do espírito crítico, e menos da mera visualidade.”

Washington acrescenta que Duchamp foi importante por ressaltar a importância do conceito em si na obra de arte. “O que está por trás da arte é o que ela desperta no espectador: os sentimentos, sentidos, a experiência. Ele traz o espectador como figura muito importante na arte, porque é ele que vai dar o significado para aquilo”, pontua o artista, que a partir de suas pesquisas sobre o artista francês observou a relação que Duchamp criou entre o acaso e o que viria a ser uma obra de arte. “Muitas de suas obras vieram de objetos que despertavam sua atenção em uma vitrine, quando estava caminhando.”
Para a exposição, Washington modificou um relógio de corda para estabelecer uma ligação com seu emprego e o próprio sobrenome. “Nós temos essa questão de ter horário, relógio de ponto; então recortei as datas, horários de entrada e saída e meu sobrenome do comprovante de ponto. E ‘Silva’, meu sobrenome, é muito comum, além de ter origem do latim, em que podia significar ‘selva’, e na época representava pessoas à margem da sociedade.”

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No caso de Valéria Faria, ela se valeu de duas operações que ela considera típicas do artista: apropriação e deslocamento. “Apropriei-me de um álbum de retratos em ruínas e, por meio de um deslocamento de ideias, busquei promover a construção de um novo significado, acrescentando fotografias de nuvens e espaços vazios na vastidão do céu, a fim de narrar os 25 anos de uma ‘Bodas de Vento’.”

 

Pensamento Subversivo – 100 anos de L.H.O.O.Q.
Segunda a sexta-feira, das 8h às 20h, e sábados das 8h ao meio-dia, no Espaço Reitoria (Campus UFJF). Até 10 de setembro

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