Far From Alaska é uma guitarra SG preta bem Black Sabbath, com tênis cor de rosa. Ou “música para bater a cabeça e balançar a raba”, como diz Cris Botarelli, integrante da banda. “Unlikely” (2017), título do último disco, traduz o que andam sentindo quando se encontram em estúdio ou rodam o Brasil (e outras partes do mundo) com camisas coloridas psicodélicas, meias divertidas e tênis unicolor. É surpreendente que essa seja a primeira banda de Emmily Barreto nos vocais – antes havia sido baterista de uma banda em Natal junto com Cris.
Utilizando o pedal VE-20 da Boss, ela grita e modula sua voz entre o hard rock e o pop americano – e ainda faz alguns synths nessa recente formação de quarteto. Outra improbabilidade é que as duas cresceram na igreja e, com isso, foram aprendendo a tocar diferentes instrumentos desde cedo. No Far From Alaska, Cris Botarelli toca sintetizadores, lap steel guitar (aquela tocada na horizontal por David Gilmour), além de fazer vocais e estar revezando o baixo com o Rafael em algumas músicas. “A gente é bem robótico nas bases, é tudo muito simples. Fazemos menos notas para soar mais forte todo mundo tocando junto”, explica Rafael. Lauro Kirsch, por exemplo, usa um instrumento relativamente simples, com um tom, dois surdos e dois pratos de ataque, explorando muito as pausas rasgadas pela vocalista, seguidas de explosões e viradas.
“Os shows em Minas vão ser os primeiros nessa nova formação. A gente não quis perder nada dos arranjos das músicas, então em algumas eu mesmo faço o baixo ligando a guitarra no amplificador de guitarra e de baixo, fazendo os dois ao mesmo tempo. Já nas músicas com uma linha diferente, a Cris assume o baixo, e isso mudou a dinâmica da banda”, explica Rafael contando que estão ansiosos para compor juntos e buscar um novo caminho musical como quarteto. Nesta sexta-feira, 27, Far From Alaska toca na A Autêntica em Belo Horizonte, em Juiz de Fora o show é no Cultural Bar, sábado, 28.
A primeira experimentação nesse sentido foi a gravação de quatro músicas do “Unlikely” em versão acústica, que serão lançadas em breve, podendo inclusive se estender para um show nesse formato. Além disso, se trancaram na última semana no Orgânico Estúdio, no interior paulista, para gravar uma surpresa que só será revelada no show de 6 de maio no Sound City em Liverpool. A banda parte para a Inglaterra na quarta, 2 de maio, e já têm show marcado na Europa entre setembro e outubro. “O ‘Unlikely’ funciona muito bem no violão, coisa que no primeiro disco era quase impossível. A gente ia lá no SPTV, aí a galera falava: ‘Dá uma palhinha aí’. E a gente ficava com ‘aquela’ cara, porque não rolava mesmo’, conta o guitarrista rindo, dizendo que quem estiver aprendendo a tocar violão agora poderá tirar as músicas da banda. “Pode aprender a tocar Far From Alaska porque é facílimo, com um dedo toca, está cada vez mais simples.”
Solos de picles
Como explicar o improvável? Uma sonoridade que combina os riffs da guitarra roqueira de Rafael com uma onda futurista e robótica, de baterias que podem soar eletrônica, camadas sintetizantes e muito fuzz. “Hoje em dia o fuzz é o efeito da década”, define Rafael. Mas entre as incertezas de “Unlikely” – que garantem a originalidade do som – uma estética foi bem definida: nesse disco há uma preocupação com o formato de canções, para que fossem músicas boas de cantar e fáceis de serem tocadas em rodinhas de violão.
Mas talvez o que garanta a estética sonora do disco seja uma peculiaridade intrínseca à gravação. Sylvia Massy, produtora do estado norte-americano de Oregon, entendeu completamente os anseios do Far From Alaska, que estavam receosos com a presença de um produtor musical, já que o primeiro álbum “Modehuman” (2014) foi realizado de forma completamente autônoma. A banda busca referência na música antiga para se chegar em um som atual, as referências visuais apenas corroboram essa mescla de identidades que fica evidente nos clipes de “Monkey” e “Cobra”, faixas de “Unlikely” (quase todas com nome de animais, exceto ‘Pizza’).
Lançado em fevereiro, o primeiro clipe traz os integrantes como players de um jogo retrô de Fliperama, em que vencerá quem sobreviver de uma nevasca – fazendo referência ao próprio nome da banda. Já em “Cobra”, a banda aparece tocando em um fundo branco, com inserção de falhas digitais nas imagens, os “glitchs”. Sylvia não só entrou na onda nevasca e de bugs eletrônicos como testou experimentações singulares.
“Destacaria um synth que ela gravou no disco passando por salsicha, picles, uma lâmpada e furadeira. Ela testou um monte de coisa, ela pediu para o engenheiro de som dela ir ao mercado comprar salsicha, queijo e outras coisas. E a gente gravou o synth com um cabo, entre o amplificador e a caixa, passando por estes lugares inusitados”, relembra Rafael, contando que por serem uma banda de letras em inglês tiveram uma segurança maior em ser produzido por alguém nativo. “A gente tem a intenção de levar o som para fora, então temos que saber se está bom para todo mundo ouvir”.
A indicação da produtora veio pelo manager da banda. Embora não conhecessem o nome dela, já eram fãs de muitos trabalhos produzidos por Sylvia. “Ela já trabalhou com o Red Hot Chilli Peppers, fez um disco do System of a Down, já produziu Björk, Prince, milhões de coisas. Ela ia contando histórias, e eram sobre nossos ídolos. Eu fui falar para ela que não queria ficar dobrando guitarra, criando muitos arranjos, e ela respondeu: ‘ah, beleza, com o cara do System era a mesma coisa’.”
Todo o disco é pensado para poder ser reproduzido integralmente ao vivo, por isso uma das principais questões é compor e captar de uma forma que não precisem de samplers ou mais camadas de guitarra. “Nossas coisas eletrônicas e nossos synths são todos tocados. Nada a gente dá play. Inclusive, se você for um guitarrista e for tocar o ‘Unlikely’ sozinho, você consegue. Não existe aquele lance de a guitarra fazer um arranjo e ter uma base para tapar o buraco”.
Far From Alaska é o que é apenas por se arriscar em ser fiel às próprias vontades. É sobre escutar um Black Sabbath em casa, mas também saber curtir um rolê de Rihanna, caindo fora de qualquer preconceito musical. Inclusive o de ser uma banda brasileira que compõe em inglês e, sim, grita “I will always love you”, citando Whitney Houston, com a beleza roqueira de Emmily na faixa “Rhino”, enquanto se pergunta “por que não canta nenhuma música tão bem quanto à mina do Bobby Brown”. Mas, sim, Emmily destrói, assim como a multinstrumentista Cris. E me faz feliz ouvir e ver que mais uma banda expoente na cena de rock brasileira, no topo das listas de melhores discos do ano, tem mulheres compondo, produzindo e tocando.
Far From Alaska
Encerramento com Visco. Neste sábado (28), às 23h (abertura da casa), no Cultural Bar (Avenida Deusdedit Salgado 3.955)