A primeira semana “cheia” de isolamento social para quem pode, precisa, deve e tem bom senso está chegando ao fim, e o ato de “sextar” passou a ter um significado bem diferente. Por isso, ao invés de em geral partir para bares, casas noturnas, curtir um cinema, uma das alternativas é colocar a leitura em dia. Além dos volumes que o leitor eventualmente tem em casa, existe a possibilidade de comprar o livro físico pela internet ou o vapt-vupt do e-book. Nem é preciso o leitor eletrônico, pode-se comprar o e-book depois de baixar no celular os aplicativos de leitura e criar uma conta.
Tendo essa possibilidade em mente, a Tribuna recomenda nesta sexta-feira (27) três livros que vão fazer o leitor rodar o globo, partindo do leste asiático, passando pelas proximidades do Meridiano de Greenwich e chegando até a Costa Oeste dos Estados Unidos. A partir de gêneros e estilos diferentes entre si, Han Kang, Agatha Christie e Caitlin Doughty são as dicas literárias para o fim de semana.
Boa leitura.
A sul-coreana Han Kang tem luz própria, mas se tivermos que comparar “A vegetariana” ao trabalho de outro nome conhecido o mais indicado seria o japonês Haruki Murakami, por conta do inusitado da história, dos personagens e de como eles pensam e a trama se desenrola.
O livro é dividido em três partes e a protagonista é Yeong-hye, esposa dedicada que, após cinco anos de casamento totalmente insípido e dedicada ao marido, resolve subitamente se tornar vegetariana e sumir com toda a proteína animal da casa, para desespero do marido e seus parentes. Ela se mostra irredutível em sua decisão mesmo quando é agredida fisicamente. Dos vegetais e legumes, ela passa a se alimentar apenas de água e luz, além de se tornar alheia a todas as coisas ao redor.
As três partes de “A vegetariana” são contadas não por Yeong, mas pelos pontos de vista de seu marido, estupefato com a indiferença em relação a ele e a resiliência da esposa; do cunhado, um artista sem relevância que fica obcecado pelas mudanças que observa em seu corpo – mas principalmente na mancha mongólica que ela preservou da infância -; e de sua irmã, que ainda acredita ser possível que ela volte ao normal.
“A vegetariana” foi escrito a partir de um conto da escritora, sobre uma mulher que virava uma planta e era cuidada assim pelo marido. No livro, porém, essa questão é tratada de forma metafórica, e o resultado não deixa de ser perturbador – e excelente.
Para quem gosta de mistérios policiais, histórias de detetive do gênero “quem matou?”, a dica é um dos mais conhecidos livros de Agatha Christie, lançado em 1934 e inspirado num sequestro ocorrido nos Estados Unidos dois anos antes.
O principal protagonista dos livros da escritora inglesa, o detetive particular belga Hercule Poirot, marca presença no livro. Ele, que viajava da Síria para a Turquia, embarca no Orient Express (tradicional serviço de trem à distância, que existiu entre 1883 e 2009) quando recebe um telegrama solicitando sua presença em Londres. O trem, surpreendentemente lotado para a época do ano em que se passam os eventos, está repleto de figuras bastante diferentes entre si; e uma delas, um empresário americano, é encontrado morto certa manhã, vítima de uma dúzia de facadas.
Cabe a Poirot, então, investigar o assassinato, numa trama repleta de reviravoltas e com final surpreendente. O livro já teve inúmeras adaptações para rádio, televisão, teatro, jogos eletrônicos e cinema. Na tela grande, a mais recente versão foi lançada em 2017, com Kenneth Brannagh na direção e como Hercule Poirot.
A morte de uma pessoa e seus desdobramentos são culturalmente diferentes quando comparamos o Brasil e os Estados Unidos. Por aqui, a pessoa morre, é colocada num caixão, parentes e amigos se reúnem para o velório e o enterro costuma acontecer em até 24 horas. Na América, porém, isso pode demorar dias, passando pela escolha do serviço funerário, escolha do caixão, o embalsamamento, velório em espaços criados para este fim, e só então o sepultamento. Ou a cremação. (Também tem o “lanche pós-enterro”, vale lembrar).
“Confissões do crematório” é um livro de não-ficção em que Caitlin Doughty relembra suas experiências em uma empresa funerária da Califórnia e suas impressões sobre essa indústria da morte, com os absurdos, as peculiaridades, a impessoalidade da coisa; momentos emocionantes, chocantes e também nojentos – e como ela se tornou, com os anos, uma defensora de que a cultura ao redor da morte criada no seu país precisa mudar.
Entre os motivos para Caitlin defender essa mudança está um hábito típico do Ocidente, que é evitar ao máximo falar da morte, mesmo quando ela é um fato irreversível. Enquanto ajudava a preparar os defuntos para serem incinerados, a autora precisou lidar com todo tipo de situação, como recolher fetos, cremar partes de corpos, limpar a gordura que se desprende dos corpos e se esparrama pelo chão, recolher as cinzas. Ou lidar com parentes que reclamam da aparência dos mortos após serem embalsamados, insistem em vestir os finados com roupas que não cabem mais; enfim, toda uma realidade que passa despercebida aos nossos olhos.