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‘Correntes’, de Olga Tokarczuk, ganha lançamento no Brasil

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Olga Tokarczuk é formada em psicologia pela Universidade de Varsóvia e atuou como terapeuta antes de se tornar escritora (Foto: Reprodução)

 

Vencedora do Nobel de Literatura de 2018, Olga Tokarczuk tem mais um de seus livros publicado no Brasil. Depois do perturbador “Sobre os ossos dos mortos” e do infantil “A alma perdida”, a Todavia Livros lançou “Correntes”, publicado no exterior em 2007 e que deu à escritora polonesa o Man Brook Prize International em 2018.

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Com tradução de Olga Baginska-Shinzato e capa ilustrada por Talita Hoffmann, o livro de 400 páginas tem nada menos que 116 capítulos – alguns de poucas linhas, enquanto outros ocupam dezenas de páginas – que transitam entre a ficção, a autoficção, contos e ensaios. A escritora mescla relatos pessoais, reflexões sobre o ato de viajar (seja por terra, mar ou ar), as pessoas com quem cruzou, histórias de pessoas reais e suas percepções em visitas a museus de anatomia e medicina pelos quais passou nos Estados Unidos e Europa.

Com uma escrita fragmentada mas irresistível, “Correntes” faz jus ao título que ganhou em português – o original, “Bieguni”, tem a ver com a crença do catolicismo ortodoxo de que o movimento é uma estratégia para a pessoa proteger-se do mal. A narrativa de Tokarczuk, que envereda pelas mais diferentes situações, histórias, reflexões que surgem, desaparecem e retornam mais à frente, parecem com os rios, córregos e riachos que podem nos levar pelos mais diversos caminhos, mas sempre acabam confluindo para o mesmo lugar.

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Dessa forma, Olga Tokarczuk tanto pode compartilhar com o leitor suas observações sobre diversos aeroportos pelos quais passou, os hábitos dos outros passageiros ou relembrar histórias vividas com esses viajantes, e também migalhas deixadas por figuras anônimas – caso de uma pequena anotação em um saco de enjoo em um avião que ia de Varsóvia para Amsterdam. São pessoas que precisam – sob a perspectiva da escritora – estar em constante movimento e que “habitam” os aeroportos, definidos por ela como “uma categoria especial de cidades-Estado, com localizações fixas, mas cidadãos em fluxo (…) em que a constituição está escrita em cada passagem, e o cartão de embarque é a única carteira de identidade de seus cidadãos”.

Fascíno pela anatomia

“Correntes”, porém, não se resume a observações sobre viajantes, seus hábitos e os pontos em que se cruzam e seguem para novos destinos. O livro também tem histórias perturbadoras, como a do marido que precisa encontrar a esposa e o filho desaparecidos durante uma viagem à Croácia, ou a do especialista na arte, história e cultura gregas que, mesmo idoso, repete todos os anos, para turistas, suas palestras em um cruzeiro.

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Entretanto, o elemento que deve causar mais estranhamento e fascínio ao leitor são as partes dedicadas aos museus de anatomia e medicina, e o fascínio da escritora pela técnica de preservação de corpos ou apenas de partes deles. Entre relatos do processo de embalsamamento e visões de pernas, colunas vertebrais, fetos, tumores, cérebros, rins e tantos outros órgãos, Olga Tokarczuk desfia seu fascínio pelo corpo humano e, principalmente, suas imperfeições.

Alguns capítulos do livro, aliás, são dedicados a histórias reais ligadas ao estudo da anatomia ou à curiosidade mórbida das pessoas quanto ao tema. Entre elas estão o enterro do coração de Chopin na Polônia, sua terra natal, levado às escondidas enquanto seu corpo era sepultado na França, e o drama da “dor fantasma” sentida pelo cirurgião e anatomista Philip Verheyen (1648-1670), que teve uma das pernas amputadas. Dentre todas elas, a mais bizarra e perversa está representada nas cartas escritas por Josefina Soliman no século XVIII para o imperador austríaco Francisco I: em três ocasiões, ela implora – com veemência crescente – que o regente devolva o corpo de seu pai, o diplomata Angelo Soliman, um homem negro que foi empalhado após a morte e exibido de forma macabra e humilhante para quem frequentava a corte do imperador.

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Para o leitor que tomou contato com a obra de Olga Tokarczuk a partir de “Sobre os ossos dos mortos”, “Correntes” será um mergulho num universo repleto de estranhezas, porém familiar. Quanto aos novos leitores, quem se deixar levar pelo fluxo de histórias que seguem e retornam por caminhos inesperados provavelmente vai partir em busca das outras obras dessa escritora singular.

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