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Professores da UFJF lançam 8 livros na Flip

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Casados há quase 20 anos, professores universitários e escritores, Edimilson de Almeida Pereira e Prisca Agustoni partilham da vida (Foto: Felipe Couri)

“Não acredito nas visões absolutas de quaisquer naturezas, do tipo: ‘É o mercado que dá visibilidade e durabilidade a uma obra’. Pode escutar esses enunciados de forma genérica, como circula nas redes, mas para mim são generalizações que nunca funcionaram. Tem força de slogan, mas os mecanismos da realidade cotidiana têm vários canais de produção e circulação de uma obra literária, que não necessariamente precisam passar pelo mercado e podem ser alternativos a ele, gerando discursos que em determinado momento podem fazer com que esse mercado tenha uma força mais relativa do que se imagina. Uma questão pessoal: Há textos que querem estar na dispersão generalizada, e há textos que não querem e nem precisam. Querem justamente trabalhar nas fissuras, nas frestas, nos ambientes circunscritos. O embate dele vai ser com um número menor de leitores e interessados, que vão, depois, multiplicar ou não. Não me iludo com a ideia de que se não publico por uma grande editora sou invisível. Tenho um projeto pessoal de uma escrita literária e ensaística que, antes de mais nada, tem que ser extremamente ética, fazendo parte de um projeto longo, na tentativa de compreender a nossa experiência perplexa no mundo, entendendo as dificuldades das relações sociais e estéticas que construímos.”

Enquanto fala Edimilson de Almeida Pereira, à sua frente, a esposa e também professora da Faculdade de Letras da UFJF e escritora Prisca Agustoni ouve atenta. Discorda na medida em que acredita na potência transformadora do trabalho do companheiro de vida e de arte. Discorda no anseio de ver proliferada a própria obra e a obra de Edimilson, escritos para os quais a Festa Literária de Paraty abre suas portas este ano: “Temos uma partilha”.

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A partilha, que gerou Iara e Antônio, gerou também caminhos distintos, que ora se encontram, ora se distanciam. “Sou bastante impactada pelo aspecto visual e arquitetônico. O Edimilson é muito ritmo, e eu sou muito mais imagem.” Enquanto Prisca fala, Edimilson ouve atento: “O que acho mais rico em nossa convivência, além da experiência de família, é que nos pensamos como autores autônomos”. Comum, contudo, é a visão do lugar para onde viajam nesta quarta e permanecem até domingo, após mesas, debates, lançamentos e recitais.

Ainda que nesta edição – que homenageia Lima Barreto, o escritor crítico das desigualdades – autores independentes e de certa maneira marginais tenham ganhado voz e vez, Prisca, 42 anos, não espera viver um marco em sua carreira: “Crio expectativa de conhecer pessoalmente pessoas com as quais já converso. De resto, tudo o que vier é a mais. Porque não conheço as redes subterrâneas que fazem as coisas acontecerem. A Flip, só em nome, não é o bastante para que as coisas se movam. Tem a ver com outras questões, como sorte, encontros… Quinze minutos de uma leitura é muito pouco. E sendo poesia, é quase paradoxal falar em mercado.”

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Edimilson, com seus recém-completados 54 anos, 30 deles dedicados à escrita, concorda: “A Flip para mim é um ponto de passagem tão importante quanto tantos outros. Tem o mesmo peso que a minha sala de aula, minha discussão com os alunos, os encontros que tenho com colegas nos pontos de ônibus. Não é meu ponto de chegada, e nenhum outro evento literário vai ser. Sou muito grato pela oportunidade, mas escrevia antes e espero escrever depois.” Os dois sorriem. O filho pequeno brinca. A maior está para chegar. Do lado de fora, árvores, grama e frutos. Do lado de dentro, dois grandes frutos estranhos.

“Essa parte da Flip, ‘Fruto Estranho’, é nova. Nunca a poesia teve um espaço tão relevante. Era sempre presente com os autores, mas não na cena.” Prisca conta e logo se recorda do convite de Josélia para que na sexta, às 15h, abra uma mesa feminina sobre subúrbio, lendo, durante 15 minutos, algumas de suas criações: “A Josélia (Aguiar, curadora) quis intervenções de poetas e me sondou se eu ficaria à vontade para fazer uma leitura sozinha. Ela comentou que queria chamar nomes marginais que criassem contraponto. Contou que tinha uma escritora brasileira morando no exterior e se interessaria que eu fosse o contraponto dela. Eu, uma escritora que escreve em português no Brasil sendo estrangeira.

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Parcelas de um trajeto extenso

Os livros se espalham de canto a canto na casa situada na Cidade Alta, para onde Prisca e Edimilson mudaram-se a menos de dez anos. Alteração que contribui para também modificar o trajeto literário percorrido pela poeta nascida na Suíça e há quase duas décadas residente em Juiz de Fora. “Hoje tenho uma tendência explícita em querer abrir mais o verso. ‘Animal extremo’ (pela Editora Patuá e que lança na Flip) é mais aberto que ‘Hora zero’ e tem até prosa. O livro é uma totalidade. O tema também faz isso. Eu queria trabalhar o sentimento do sujeito que vive num pequeno apartamento numa cidade, num prédio. Morei muitos anos em prédios e me reporto muito ao mundo de Genebra, onde morei, e mesmo ao Morro da Glória (onde vivia antes da Cidade Alta). Em prédios, a vida é pautada no barulho dos outros. E essa experiência é muito interessante. Percebo que desde que moro em casa, e gosto muito, perdi a noção da vida alheia.”

A autora que aguarda avaliação da versão francesa do novo título e lança, também, “Casa dos ossos” (Edições Macondo), na Flip, acompanha a produção superlativa de Edimilson e os seis títulos que ele lança em Paraty. “Os livros não estavam planejados para sair para a Flip. São trabalhos que estão prontos já há certo tempo, e as edições foram aceleradas agora. Não foram preparados nem projetados para um evento de mídia, como são as feiras literárias, até porque minha produção não está, nem de longe, vinculada a isso.” Perspicaz, Edimilson explica sobre sua produção e abre espaço para falar do lugar que procura ocupar: “Decididamente não escrevo para o mercado e decididamente minha obra é contra as regras de mercado, sobretudo quando são aquelas regras que transformam o escritor num produtor inveterado de linguagens com consumo rápido e imediato. Não tenho nada contra quem faz esse tipo de literatura, já que as escolhas são pessoais, mas eu sempre projetei minha escrita para fora desse circuito.”

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Dentre os livros que, como tijolos, constroem a casa de Edimilson e Prisca, nem os ensaios ” Entre Orfe(x)u e Exu Nouveau” e “A saliva da fala – Notas sobre a poética banto-católica no Brasil” (ambos editados pela carioca Azougue), nem o infanto-juvenil “Poemas para ler com palmas” (Mazza Edições), nem as poesias de “E” (Editora Patuá) e “Caderno de retorno” (Editora Ogums Toques Negros) chegaram. Edimilson ainda não manuseou os novos frutos. Apenas teve acesso a “Qvasi” (Editora 34), trabalho que diz muito do autor: “É um livro hermético, de pouca comunicabilidade, foi escrito propositalmente para ser truncado, como um obstáculo à leitura. Tem essa lógica porque é fruto dos meus trabalhos anteriores com a etnografia rural. Dentre as várias experiências possíveis, a que mais me chamou atenção é a capacidade que as pessoas têm de articular conceitos que representem interpretações do mundo através de jogos de palavras muito sofisticados.”

O título, já em grandes livrarias do país, ironicamente, segue na contramão de visões estereotipadas, que só valorizam o saber da escola. Defende a potência das margens: “O livro vai na contramão do estereótipo do caipira, que revela essa péssima compreensão que boa parte de nós brasileiros temos do mundo rural, olhando pelo viés do utilitarismo, de que o campo produz para garantir a balança comercial nacional e o trabalhador rural é um mero produtor, um sujeito afastado de qualquer conhecimento articulado. O livro mostra que temos uma população rural – embora oprimida, empobrecida, humilhada, espoliada pelos latifundiários, massacrada por esse congresso absurdo – com um conjunto de pessoas extremamente sagazes que só se mantêm organizadas porque conseguem interpretar esse mundo que é adversário propondo outro. É um livro escrito num português estrangeiro aos próprios brasileiros, forçando uma abertura para uma diferença que está ao nosso lado e ignoramos.”

Enquanto “Qvasi” trata do homem da terra, os ensaios e “E” abordam a raiz africana, do iorubá e do banto. Como a escrever um tratado, Edimilson faz literatura e ensaios que servem de aberturas. E coerentemente, tece obras que ocupam vãos. A maturidade oferece a Edimilson a percepção de que o trajeto ainda está na metade: “Esses livros são parte da minha trajetória nessas três décadas de escrita. Fazem parte de um projeto de literatura que tem a intenção de criar uma paisagem e, como toda paisagem, tem diferentes acidentes geográficos, como declives, montanhas, labirintos, rios, cascatas”. Para Prisca, ao contrário, a maturidade lhe oferece certa urgência: “Sinto menos ansiedade em relação à escrita e ao que virá da escrita. Também sinto que hoje faço links muito mais fáceis entre uma coisa que vejo e um texto. Essa ‘imediatez’ entre o que eu vivo, o que eu vejo e o que poderia sair como texto hoje é direta. Só falta tempo.”

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