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‘Vida: relatos de uma mulher só ou quase isso’

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Carú Rezende leva para o palco a experiência de um cotidiano de isolamento e muitas plantas ao seu redor (Daniela Souza/Divulgação)

Sem poder usufruir de seu habitat natural, o palco, o grupo teatral Corpo Coletivo tem buscado novas formas de expressar sua arte por meio das ferramentas virtuais. Um dos resultados desse processo é o espetáculo “Vida: relatos de uma mulher só ou quase isso”, que estreia neste sábado (27), às 20h, no canal do Espaço OAndarDeBaixo no YouTube. Produzida após ter o projeto selecionado no edital Arte Salva, do Fundo Estadual de Cultura da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, a apresentação celebra o Dia Mundial do Teatro, comemorado nesta data, e também integra a programação em comemoração aos cinco anos do espaço cultural.
Com direção de Hussan Fadel e Pri Helena a partir da dramaturgia assinada a quatro mãos por Hussan e Carú Rezende, o monólogo é uma experimentação cênica que, ao misturar linguagens artísticas diversas, resulta no que o grupo batizou como peça-metragem – um pouco teatro, outro tanto curta-metragem.
Sobre a estrutura da apresentação, que mistura teatro e audiovisual, Carú Rezende diz que a definição de “peça-metragem” é consequência da “brincadeira” de mistura de linguagens. “Não dizemos que estamos fazendo cinema, mas sim que brincamos com algumas referências de linguagem audiovisual. Temos muitas referências estéticas dentro do que fazemos no teatro, como o espaço amplo, iluminação teatral”, explica.

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Há plantas em tudo que vejo

Quanto ao tema da peça, a atriz diz o ponto de partida é o simbolismo das plantas sem flor, que podem até não ter as cores das angiospermas (grupo das plantas que dão flores e frutos), mas brotam a vida a cada nova folha ou renascer no solo. Foi a partir da observação das plantas sem flores de seu apartamento no Centro da cidade, para onde se mudou com Hussan pouco antes do início da pandemia, que Carú Rezende teve a inspiração para a peça da qual é a única atriz em cena – em que uma mulher, reclusa em sua solidão, aprende a “renascer” no mesmo “solo”.
“A ideia do projeto nasceu em meados de 2020. Eu e Hussan atualmente moramos num apartamento de 90 metros quadrados, e antes morávamos num sítio. Eu digo que trouxe uma floresta para o apartamento, pois são muitas plantas, gosto até mais do verde das folhas que das flores. E elas foram, para mim, refúgio e aprendizado durante a pandemia”, conta. “Fui observando como o ciclo ia se desenvolvendo, passei a cuidar mais, vi algumas nascerem e morrerem, como se tornaram mais vistosas durante a pandemia.”
Ao acompanhar esse ciclo em seu lar ao mesmo tempo que passava pela experiência de mortes de amigos e familiares por causa da Covid-19, surgiu a ideia de construir a simbologia presente no espetáculo. “Queríamos falar de vida, e não da morte, mesmo que ela esteja presente nesse conceito, e as plantas formam o espelho desse momento”, filosofa.
“O espetáculo é uma homenagem à nossa própria vida, observar que ela está em todos os lugares, mesmo em nosso lar. Quando morava na roça, eu ficava uma semana sem passar vassoura no teto, e aí encontrava vários bichos, aranha, libélula. Uma vez, achei um sapo em uma camisa no varal (risos). Você passa a ver que a vida vem de lugares que não se pode controlar. A morte pode ser incontrolável, mas a vida também é assim.”

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Interferência dos acontecimentos

O texto de “Vida” foi escrito num período em que os integrantes do Corpo Coletivo se mantiveram isolados, num processo que Carú define como “doloroso”, levando em consideração os acontecimentos de março de 2020 para cá. “Nossa criação artística é atravessada pelo que vivemos, não só como pessoas, mas como parte da sociedade”, reflete. Quando a pandemia parecia ter perdido parte do fôlego, o grupo se reuniu, segundo ela com medo desse “encontro à distância” e tomando as devidas medidas de prevenção, o que permitiu a gravação da peça.
“Pouco depois, a situação piorou de novo, e por isso estamos fazendo a pós-produção à distância. A arte foi toda interferida por isso, mas queríamos tentar entender viver no meio desse caos, como a vida física consegue suportar tanto caos, tanto desprezo. Meu aprendizado do texto continuou mesmo depois, com a pandemia piorando e observando a insistência da vida por meio das plantas, de ver uma planta morrer, jogar umas coisas em cima e ela nascer de novo.”
Sobre esse pouco mais de um ano em que a pandemia provocou isolamento não apenas pessoal, mas também artístico, Carú acredita que todos têm sido obrigados – de alguma forma – a treinar cada vez mais o que ela define como um processo de “escuta das necessidades diversas”. “São as nossas necessidades particulares, da nossa cidade, do nosso estado e nosso país. Esse, tem sido um processo complexo, que se desenvolve em muitas camadas, emocional, profissional, financeiro, de relações”, acredita. “Estamos tentando treinar essa escuta aberta, interessada, para ver qual caminho podemos traçar.”
Quanto à arte, ela lembra que os artistas sempre trabalharam com o risco, e agora, mais que antes, têm passado por necessidades tanto nos campos artístico quanto social. “Estamos fazendo planos dia a dia, e esse planejamento tem sido o maior desafio para mim. Antes você planejava, fazia alguma coisa, abria as portas, agora esse planejamento é na base do que podemos fazer hoje.”

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