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‘A poesia traz o desejo de se criar um mundo alternativo’

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Ubiratan Brasil AE

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Aclamado pelo romance “Estação Atocha (Rádio Londres)”, belo retrato da aceleração e passividade dos novos tempos, o americano Ben Lerner é poeta de formação. Sua relação com versos e rimas, porém, é conflitante, e a explicação está no excelente livro disfarçado de ensaio “O ódio pela poesia”, publicado na edição de março da “Serrote”, revista de artigos publicada pelo Instituto Moreira Salles.
Lerner, de 38 anos, propõe uma questão que norteia o ensaio: que tipo de arte assume a aversão de sua audiência e que tipo de artista se alinha a essa aversão, até mesmo estimulando-a? Ele parte do raciocínio de outro escritor, Allen Grossman, para quem o poeta é uma figura trágica, e o poema, sempre o registro de um fracasso. Isso porque a poesia nasce do desejo de ir além do finito e histórico para alcançar o transcendente. Mas, apesar desse ambicioso ponto de partida, o poeta nunca consegue decodificar isso em versos graças à limitação das palavras. Ou seja, o sonho não se realiza no papel. Sobre o assunto, Lerner respondeu às seguintes questões.

AE – “Estação Atocha” é uma sátira ao mundo da poesia. Aí, você escreveu a monografia “O ódio pela poesia”. Até que ponto você, como poeta, odeia a poesia?
Ben Lerner – Acho a poesia uma arte ligada à percepção de sua própria impossibilidade. Assim, o poeta frequentemente se desaponta com poemas reais. Mas esses dois livros, embora envolvam sátira, também envolvem um profundo amor e compromisso com a poesia. Para mim, a poesia traz em si o desejo de se criar um mundo alternativo, um desejo que não pode ser alcançado com poemas de verdade.

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O que há na poesia que as pessoas adoram odiar?
Uma resposta é que “poesia” é algo usado com frequência para mostrar nossa capacidade de imaginar um tipo de valor alternativo, um valor que vai além do dinheiro que tanto controla nossa vida. De certo modo, quando as pessoas “odeiam” a poesia, estão expressando a ansiedade de que o espaço para a criatividade esteja desaparecendo de nossa cultura. Outra resposta poderia ser a de que esperamos o impossível dos poemas – que eles expressem um ponto de vista individual e ao mesmo tempo falem por todas as pessoas. E isso leva a desapontamento e desprezo. Mas poesia, é claro, designa uma diversidade de manifestações – muitas delas, vibrantes e adoradas. Gostaria muito de saber por que a poesia é tão atacada.

No Brasil, poesia parece restrita a uma minoria. Talvez isso aconteça no mundo todo. Culpa dos leitores ou dos poetas?
Não creio que haja consenso sobre o que seja realmente a poesia. Assim, não dá para generalizar – incluindo ela se ter tornado coisa de minoria. Vou driblar a pergunta: mais que saber se a poesia é ou não marginal, interessa o fato de nos preocuparmos com essa marginalidade. Isso ocorre porque, como mencionei, usamos a palavra poesia para falar de outros valores que não o quantitativo, o numérico. Nós nos preocupamos com o pequeno número de leitores de poesia precisamente porque a poesia levanta a questão de como medir seu valor – seria pelo número de leitores? Ou quanto dinheiro ela pode fazer? Nossa contínua preocupação com a marginalidade da poesia talvez seja um indício de sua relevância.

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“Poesia é o espaço no qual cada partícula da linguagem ganha o máximo de significado”, disse você ao “Guardian”. Como aprendeu a dosar esse significado?
Você aprende a não dosar, a deixar que a linguagem use você tanto quanto você a usa.

Existe um vácuo entre o que o poeta esperava do poema e como o poema realmente saiu?
Creio que isso seja verdade, aquilo que Allen Grossman chamou de “a lógica amarga” do poema. Mas não acho que se trate de uma verdade universal ou imutável. É uma maneira de se expressar, útil para se entender o que o poeta faz – como subverte estrategicamente as expectativas -, ou para se entender por que tantas pessoas se queixam dos poemas reais – na verdade, queixam-se é das exigências impossíveis que colocam na poesia. Mas, de novo, isso é apenas um modo de se falar da poesia. Quando ele não serve mais, é só descartar. Não estou interessado em verdades eternas.

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Em seu livro “Mean free path”, as linhas de alguns poemas estão fora da ordem, convidando o leitor a colaborar na articulação do espaço. Essa conexão é importante para os leitores?
Acredito que todos os escritores (especialmente os poetas que amo) procurem meios de fazer o leitor participar da construção do significado. Você está certo quanto a “Mean free path” tentar isso ao levar o leitor a ordenar e reordenar as linhas. A poesia, para mim, opõe-se aos muitos veículos que simplesmente nos bombardeiam com (des)informações pré-interpretadas, cujo objetivo ostensivo é informar, mas cuja intenção verdadeira é nos fazer dormir.

 

 

 

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