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Marcos Pimentel fala sobre seu novo documentário

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Construções abandonadas, cemitérios de navios, o mar que leva e que separa: locações que ecoam o vazio e a desolação (Foto: Marcos Pimentel)

O documentário “Os ossos da saudade”, de Marcos Pimentel, estreou no circuito cinematográfico na última quinta-feira (22), depois de uma primeira exibição dois dias antes, em Belo Horizonte, na Mostra Cine BH. Inspirado pelas duas décadas em que rodou o mundo para produzir seus filmes – com a saudade sendo um tema constante em suas andanças -, o cineasta juiz-forano registrou no Brasil, Moçambique, Portugal, Cabo Verde e Angola os depoimentos de brasileiros e estrangeiros que compartilharam com ele memórias e lembranças que vão de histórias de infância, fragmentos sobre o passado, confissões cotidianas, relatos de viagem, tudo que tiveram que deixar para trás e, talvez principalmente, a saudade de lugares e entes queridos.
E foi sobre essas arqueologias pessoais e afetivas, que geram uma cartografia de lembranças fragmentadas e não-lineares, que Marcos Pimentel concedeu entrevista esta semana para a Tribuna, em que falou sobre os motivos que o levaram a embarcar no projeto, as dificuldades encontradas durante as filmagens, as opções estéticas e a oportunidade de ter esses personagens abrindo para ele as portas de suas memórias e afetividades.

Tribuna – Em qual período o filme foi rodado, e como encontrou os personagens para o documentário?
Marcos Pimentel – “Os ossos da saudade” foi filmado em 2019. Os personagens são fruto de encontros que tive com pessoas que conheci em minhas andanças pelos países de língua portuguesa e também de buscas realizadas por pesquisadores locais contratados pelo filme para encontrar possíveis personagens que pudessem dialogar com os personagens que já tínhamos definido.

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Qual foi a questão particular que instigou a necessidade de realizar um filme com esse tema?
Eu passei meus últimos 20 anos na estrada, viajando para diferentes lugares. Viajar faz parte do meu ofício como documentarista e me acostumei a viver me deslocando constantemente. Assim, com a alma repleta de chão, passei a conviver com uma saudade permanente de lugares e pessoas que estavam distantes de mim. Ausência, falta, distância, pertencimento e saudade ocuparam boa parte de minhas reflexões durante os muitos deslocamentos que experimentei. Tomaram tanto conta de mim que decidi fazer um filme que falasse destes sentimentos e que mostrasse pessoas que possuem esta mesma condição e estão espalhadas por diferentes países de língua portuguesa.

As filmagens foram realizadas com diversos desafios, como o orçamento, as locações, a importunação militar em Angola. Como foi lidar com essas barreiras?
Foi um filme bem complexo, porque precisávamos nos deslocar por muitos países tendo um orçamento limitado e, em algumas ocasiões, filmamos em condições físicas e climáticas muito adversas, como tempestades de areia, mar em fúria, dentro de um vulcão adormecido… O filme tem paisagens muito impactantes, mas que demandavam um grande esforço físico para conseguirmos filmar. Ainda assim, acho que o maior desafio deste filme era como traduzir em imagens e sons o que os personagens guardam em seus universos interiores. O filme se dedica a perseguir estas “paisagens internas”, cuidadosamente guardadas nos baús interiores de cada pessoa que registramos para o documentário.

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Muitas locações do filme são locais abandonados, em ruínas. O que te levou a essa escolha estética?
Eu pedi para que os personagens nos levassem aos lugares que eles frequentam que mais os remetessem ao lugar que está distante e que sentem tanta saudade. No caso, este lugar sempre é o Brasil. Mostramos brasileiros e estrangeiros atravessados pela saudade, criando estratégias para sentir menos falta do Brasil que está tão distante deles. A imensa maioria dos lugares que eles nos levaram está relacionado à incompletude, ao vazio, à falta. Estes sentimentos se fizeram presentes em ruínas, galpões abandonados, cemitérios de navios, desertos e uma cidade engolida pela areia, que é das paisagens mais impactantes do filme. Articulamos todos estes elementos e embarcamos em uma prazerosa viagem pelas lembranças e andanças destes personagens.

Ao mesmo tempo, também temos muitas cenas filmadas à beira do oceano, acredito que como uma forma de indicar a saudade de seus personagens. O que te levou a essa escolha?
O mar é um elemento fundamental para este filme e algo que está muito relacionado à essência da formação dos países de língua portuguesa. Desde o tempo das grandes navegações, o mar funciona como o que é capaz de aproximar, mas também o que mantém lugares e pessoas distantes. Seja por viagens a trabalho, questões particulares ou existenciais, exílios compulsórios ou voluntários, atividades relacionadas ao sustento e à autonomia, o mar está invariavelmente presente na vida daqueles que tiveram que partir. É um elemento que surge de forma espontânea em memórias, recordações, vivências e práticas cotidianas. Funciona como refúgio para quem está distante em seus momentos de solidão cotidiana e também se converte em metáfora poderosa para todos que se dedicam a refletir sobre as profundezas de nossas memórias e universos interiores.

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Como foi a experiência de ter essas pessoas compartilhando as saudades de lugares, pessoas, contigo?
Foi algo extremamente prazeroso. Navegar memórias é das experiências que mais me atrai e, neste filme, teve um gosto bem especial, porque conseguimos adentrar as profundezas de sentimentos e lembranças relacionados à essência destas pessoas, que de uma forma extremamente generosa abriram seus baús interiores para que pudéssemos refletir sobre pertencimento, representação, memória e esquecimento.

O quanto a sua experiência de filmar em diversos países faz com que se aproxime do que essas pessoas compartilharam?
É muito bom perceber que, mesmo as fronteiras sendo cada vez mais perenes e as distâncias cada vez mais subvertidas pela tecnologia, ainda é possível encontrar nostalgia e saudade como sentimentos que são capazes de nos mostrar o que realmente vale a pena, o que temos de mais precioso, que não abrimos mão de guardar e preservar com muito carinho. Os personagens dividiram conosco as muitas casas que fazem questão de manter, mesmo estando a quilômetros e oceanos inteiros de distância dos lugares que se acostumaram a chamar de casa.

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