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Ideias que (não) cabem em um caderno

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Ingryd Lamas faz estudo com aquarela e suas possibilidades químicas, além de retratos com nanquim

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Manzanna publica partes dos rascunhos no seu tumblr

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A arte para o público em geral é assim: assistir a um espetáculo de dança, peça teatral, show, ir a um museu e observar um quadro, estátua, instalação, comprar um CD, DVD, livro etc., e ver ali a obra imaginada por seus autores/criadores. Possivelmente, muitos não imaginam o trabalho que dá pensar, planejar criar uma obra; é trabalho que dura dias, semanas, meses, anos, e que muitas vezes surge de um pensamento, lampejo que precisa encontrar base para ganhar vida. É aí que entram os guardanapos, folhas de papel, blocos, cadernos… Ou sketchbooks, nome para os caderninhos que muita gente criativa carrega de um lado para outro. Para quem tem curiosidade pelos bastidores da arte, será possível conhecer um pouco mais de como funcionam as cabeças pensantes de alguns nomes locais a partir desta sexta-feira, com a abertura da exposição “Lampejo” na Hiato – Ambiente de Arte, que permanece no local até 15 de outubro.

No total, serão 19 nomes do cenário juiz-forano, entre ilustradores, designers, escritores, músicos, arquitetos, artistas plásticos, tatuadores. Mariana Salimena, Luiz Gonzaga, Petrillo, W. Del Guiducci, Manzanna e Henrique Gonçalves são alguns dos integrantes. Eles toparam a proposta das produtoras da exposição – realizada por meio da Lei Murilo Mendes – Ingryd Lamas (que também vai expor seu sketchbook) e Giovana Enham, que entregou a eles, no início do primeiro semestre, um caderno em branco para que fosse preenchido com o que viesse à cabeça: rabiscos, desenhos, textos, fragmentos de ideias, colagens… É esse trabalho que o público poderá conferir e manusear durante a mostra, revelando não só o processo criativo de cada um como também a relação que eles passam a ter com seus cadernos.

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Fruto da curiosidade

Além de produtora, Ingryd Lamas é artista plástica e tem os seus cadernos de esboços, o que ajuda a explicar a vontade de criar uma exposição que mostrasse como o artista desenvolve seu trabalho. “Enquanto produtoras nós naturalmente temos um encanto pelo processo mais que pelo resultado, né?. Conversávamos sobre esses cadernos, e ao mostrar um dos meus cadernos antigos a Giovana, comentei sobre a curiosidade de ver os cadernos de colegas e artistas consagrados. E tão logo surgiu o assunto, a ideia para a exposição se concretizou.”

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Segundo Ingryd, a primeira dificuldade foi reduzir a quantidade de nomes convidados para o projeto, mas ressalta que os escolhidos toparam participar da mostra. Ela defende ainda a importância de se poder “desnudar” o ato de criar. “Eu tenho um fascínio muito grande pelo processo, seja qual for. E acho que a ‘despretensão’ dos cadernos de estudo os faz mais honestos. Não há amarras, não há compromisso com o resultado, por muitas vezes se torna um diário de emoções, mas principalmente um diário do tédio. Quem tem um caderno pra rabiscar em mãos JAMAIS morrerá de tédio. Então tenho essa ideia de que só conheço um artista quando vejo o trabalho que ele não fez para ser visto. Para os espectadores, visitantes, estudantes, qualquer pessoa que se interesse de alguma forma pelo ofício do artista, esse acesso ao estudo é uma mão na roda. Se você tem acesso ao processo do outro, você tem acesso ao erro do outro. Dividir ‘erros’ é muito mais interessante e frutífero que dividir acertos, a meu ver. Não há nada mais enriquecedor que o erro.”

“É muito interessante observar como cada um encarou a experiência. Muitas páginas poderiam sair dali direto para uma moldura”, arremata Giovana.

Relações afetivas com o papel

Uma das convidadas para a exposição, a ilustradora, quadrinista, designer gráfica e aprendiz de tatuadora (“acho que um bom resumo desses caminhos todos seria artista multidisciplinar”) Manzanna conta que tem o costume de desenhar desde criança e não descarta os cadernos de esboços. “Desenhar é bem importante para mim. As anotações e o uso de cadernos foram um desdobramento bem natural do hábito de desenhar nos cadernos de escola. Eu sempre estou relendo, revendo, às vezes acrescentando coisas a caderno antigos.”

Ela não teve dificuldades em aceitar o convite para a exposição, mesmo sabendo que abriria espaço para “invadirem” o seu espaço criativo. “Tenho um tumblr (www.manzannna.tumblr.com) onde costumo publicar partes dos meus cadernos, rascunhos, estudos, então fico bem á vontade de mostrar meu processo. O diferente no caso da ‘Lampejo’ é se tratar de uma exposição mesmo, num lugar determinado, cercada do trabalho de outros artistas.”

Ingryd Lamas diz ter perdido a quantidade de cadernos que mantém em casa. “Tenho uma caixa deles, acho que desde a adolescência os mantenho. Fui do tipo de criança/adolescente que carregava o diário como tesouro. Até certo ponto eram bobos, poucos rabiscos, mais textos bestas sobre as pessoas que eu observava. Com o tempo eles foram ganhando mais peso, colagem, desenhos, e aí a coisa mudou de figura. Quando ingressei na faculdade, me apresentaram o nome técnico, bonito, daqueles diários. Aí eu entendi um pouco mais o que estava fazendo, além de perceber que não estava sozinha. Foi o maior alívio (risos).”

Ela confessa, ainda, não saber o que cada um vai encontrar ao folhear seu sketchbook. “Somos uma coleção de experiências, e elas influenciam diretamente na forma com que vemos o mundo”, filosofa. “Tenho muitos pensamentos soltos pelas páginas do caderno. Há pensamentos em forma ortográfica e rabiscados. Mas o estudo de processo que estou no momento é com a aquarela e suas possibilidades químicas, como sal, álcool, óleo e água influenciam na migração da cor, e retratos feitos com tinta nanquim e diluição da mesma. Esses dois elementos aparecem mais frequentemente no caderno, porque é onde estou no momento.”

Cadernos para todos os lados

Guardar os cadernos e agendas é fundamental para W. Del Guiducci, que além de editor da Tribuna é compositor/vocalista no Martiataka, desenhista e escritor – tanto que já adiantou que faz questão de ter de volta seu sketchbook cedido para a mostra. “Eu tenho cadernos desde que me lembro por gente, antes ainda de ir para a escola. Nos cadernos da escola rabiscava as páginas de trás pra frente. Registro de tudo, desenhos, anoto ideias para letras de músicas, histórias, fragmentos de coisas que me encantam, fala de um filme, trecho de uma canção, poema, trecho de um conto, um romance… E desenhos, sempre uns rabiscos de desenhos”, diz Del.

“Não é um caderno para exposição. Mas será exposto. E, não, não pensei duas vezes antes de registrar algo. Mas, sim, acho que pode revelar muito sobre meu processo criativo, porque é um mosaico de intuições, de ideias fugazes que eu apreendo ali na hora, registro no papel, e essas notas, depois, podem nunca mais sair dali. Mas também podem virar uma crônica, uma música, um miniconto, um roteiro… eu nunca sei. Pode parecer meio paradoxal, mas, mesmo que nunca saiam dali, me parece que ali, mesmo confinadas, elas se bastam.”

A ilustradora Mariana Salimena conta que desde pequena gostava muito de desenhar e pintar, tendo se distanciado da prática nos últimos anos de colégio. “Mas depois de alguns anos retomei e passei a usar muitos caderninhos. Não guardo, e é bem raro também eu guardar algum desenho ou pintura meus. Sou bem desapegada, então eu dou para os meus amigos, familiares… Alguns eu nem sei onde foram parar, eu guardo mesmo comigo uns três ou quatro só, e algumas coisas bem antigas que eu gosto de ver às vezes para ver como foi mudando”, revela.

Apesar do costume do desapego, Mariana diz ter ficado receosa de início ao saber que seus trabalhos seriam vistos pelo público, mas que conseguiu relaxar com o tempo. “Depois parei de pensar nisso. Sempre levei na bolsa, então tirava em alguns lugares públicos para desenhar ou anotar alguma coisa. Acho que muita gente já viu meus rascunhos em vários lugares.”

Afetividade além da arte

Alguns artistas participantes da “Lampejo” também foram tema de sete minidocumentários especiais produzidos por Mariana Musse com alunos de comunicação social da UFJF em um projeto de extensão, chamado “Delineares”, desenvolvido desde agosto de 2015 e que tem como objeto a relação de pessoas em geral com seus cadernos. Ele pode ser visto no canal do projeto no YouTube, e todos os vídeos serão disponibilizados ainda durante a semana, enquanto os demais devem ter periodicidade de 15 dias, totalizando 25 produções. “Começamos a pensar sobre o que conectaria os personagens do nosso projeto e pensamos no caderno como o objeto que eles teriam em comum e que desencadearia toda a nossa conversa. Nosso objetivo é mostrar como esse objeto tão íntimo pode conter segredos, belas histórias, registros desconexos ou mesmo ajudar a organizar a vida de alguém. E queremos sempre manter a relação com o sujeito comum e não necessariamente com cadernos de artistas – que foi o especial que fizemos para a ‘Lampejo’. Já entrevistamos músicos, feirantes, artistas, arquitetos, costureira, cozinheira…”, conta Mariana.

“Vejo grande parte desses cadernos como um lugar seguro para repousar pensamentos e ideias. O bacana é o personagem voltar ao seu caderno e rememorar passagens, histórias, fragmentos de alguém que ele já foi, mas não necessariamente de quem ele é hoje, no tempo presente.”

E Mariana Musse, tem o costume de registrar pensamentos, ideias e afins em cadernos? “Tenho vários! E nunca cheguei ao fim de nenhum! E eu, apesar de ser uma amante dos smartphones, quase nunca ou nunca uso o bloco de notas do celular. Quando preciso escrever alguma coisa, voilà, vou para os caderninhos!”

LAMPEJO

De 30 de setembro a 15 de outubro

Hiato

(Rua Coronel Barros 38 – São Mateus)

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