O ato de fazer música pode ser simples, complicado, complicadamente simples ou simplesmente complicado. Pode ser um ato não exatamente mecânico ou metódico, mas que exige o rigor da fidelidade em sua execução, abominando o erro e o improviso. Sendo que o erro, muitas vezes, pode ser a coisa mais maravilhosa a ser criada, e o improviso, a porta de entrada de caminhos que levam ao sublime. Pelo menos, levar à satisfação do artista e à libertação de limites que muitas vezes o aprisionam. Daí, a relação do compositor, do músico, com o processo de criação, execução e seu próprio instrumento pode se tornar coisa nova, um sopro de vitalidade.
Por conta disso, um grupo diversificado de músicos e artistas tem participado desde a última segunda-feira (20) do projeto “Territórios de invenção: Residências musicais” realizado pela Fundação de Educação Artística (FEA), de Belo Horizonte, nas dependências do Instituto de Artes e Design (IAD) da UFJF. Sob orientação dos músicos Marina Cyrino e Matthias Koole, cerca de 25 pessoas – entre músicos de bar, amadores, alunos do IAD, videoartistas, compositores de trilhas, autodidatas, músicos com formação, não-músicos e aposentados que voltaram a se dedicar a seus instrumentos – têm acompanhado a residência musical “Improviso e linguagens musicais contemporâneas”.
Segundo os dois músicos responsáveis pelas atividades, a residência busca explorar os aspectos técnicos da música que fogem das tradicionais noções do que é “certo ou errado”, indo da forma de se interpretar as partituras até a forma de tocar seu instrumento, passando por questões pouco conhecidas para neófitos, como obras de notações musicais alternativas (como as partituras gráficas, textos-partitura e partituras de forma musical aberta), entre outras. Mesmo que não sejam oficinas com meta específica, a influência dessas experiências poderão ser observadas na próxima sexta-feira (31), quando os alunos se apresentarão às 19h no Mamm.
“Estamos muito animados. A turma é bem diversa, mas ao mesmo tempo acho que será interessante ver essas diferentes formações se conectando”, diz Matthias Koole, violonista e guitarrista ligado à música contemporânea e experimental. “Uma das propostas da residência é permitir que pessoas abertas a trocas, de áreas e artes diferentes, encontrem outras com interesses em comum.”
Mais que teoria, a prática
Sobre as oficinas, ele explica que elas se dão em duas frentes. Uma delas é estabelecer um contexto histórico da parte teórica, enquanto a outra é feita com exercícios em diferentes linguagens e com obras abertas, que permitem o improviso. “É um estudo através da prática, na segunda semana eles devem criar suas próprias”, adianta Matthias.”O objetivo também tem a ver com a escuta do outro em conjunto, trazer essa prática para o dia a dia do músico. Diminuir esse medo e resistência que existem em relação às linguagens contemporâneas, misturá-las com os diversos tipos de arte”, complementa a flautista Marina Cyrino, que explora práticas musicais concentradas na mistura, como texto, imagens, objetos, luz e elementos cênicos. “Mais do que nossos objetivos, há os objetivos do músicos, saber o que eles levarão de tudo isso”, emenda Matthias.
Uma questão que provoca especial curiosidade é a que diz respeito sobre “certo e errado”, tanto em relação à interpretação de partituras quanto à forma de se trocar um instrumento. Marina explica que as linguagens contemporâneas surgiram em um momento em que queria se registrar praticamente tudo e seguir à risca o que lá estava. Errar uma nota, nesse, caso, é considerado um absurdo. “Vem dos anos 50 essa defesa de que o erro também faz parte do processo, de que se o músico quiser fazer algo diferente do que está na partitura (ele está livre)”, diz. “É não ter a preocupação de tocar um som ‘feio’, mostrar novas opções sonoras e relações com o instrumento.” “Numa residência tradicional de flauta, por exemplo, você chega com o repertório que conhece há anos”, continua. “Aqui, por outro lado, queremos que o músico encontre algo desconhecido, é parte da busca de uma mudança na relação entre compositor e intérprete.”
Esse processo de trabalhar com notações musicais alternativas, mais a improvisação livre, tem como proposta a escrita de partituras gráficas pelos alunos, das quais algumas serão selecionadas para a apresentação de sexta-feira. “Esperamos que essas pessoas, com origens variadas e eventualmente com interesses em comum, vindas de práticas diversas, levem o que apresentamos para todos esses lugares – que muitas vezes nos levam a uma rigidez – e criem novas formas de executar essas práticas”, torce Marina Cyrino.
Residência musical
Apresentação dos alunos na sexta-feira (31), às 19h, no Mamm (Rua Benajmin Constant 790 – Centro).