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Artes plásticas perdem espaço em Juiz de Fora

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De tão branco, tão branco, ofusca a vista. Alvo, o cubo branco em Juiz de Fora sugere, no presente, vazio e palidez. Prejudicadas no cenário econômico atual, de contingenciamentos e encolhimentos, as artes visuais experimentam na cidade uma agenda inédita para a última década: espaços vazios, alguns fechados, e mostras com duração superlativa. Diante da fragilidade, artistas e gestores apontam para a falta de formação, público, verba e mercado.

“Faltam projetos e falta motivação no artista. Também não há incentivo para que existam produções”, resume Fernanda Cruzick, representante do setor no Conselho Municipal de Cultura (Concult). Segundo ela, seu esforço na organização tem sido o de encontrar saídas para superar adversidades, chamando a atenção da própria Funalfa para as demandas da classe.

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Publicado em 2013 e recebido pelos artistas locais como um trunfo para a cultura de Juiz de Fora, o Plano Municipal de Cultura propõe nove diretrizes para as artes plásticas na cidade. Delas, apenas duas têm sido praticadas – o estímulo aos espaços alternativos e o incentivo à parceria entre Poder Público e artistas.

Longe de serem conquistados, os outros pontos preveem a criação da “Semana do Artista Plástico”, com atividades diversas, de núcleos de trabalho, circuito de ateliês e memorial histórico. Primeira diretriz, a configuração de uma agenda sistemática tornou-se passado diante de uma programação sem renovações e com vácuos deixados por galerias fechadas, tanto no setor privado quanto no público.

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Sem data

Fechada para reformas desde dezembro, a Galeria Renato de Almeida, no Centro Cultural Pró-Música/UFJF compartilha com as quatro galerias do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas a mesma ausência de previsão para retorno das atividades artísticas. De acordo com Valéria Faria, pró-reitora de Cultura da UFJF, o espaço cultural na Avenida Rio Branco ainda não iniciou as obras e, nesses seis meses fechado, passou por pequenas intervenções emergenciais.

Segundo Alexandre Gutierrez, diretor do CCBM, existe a expectativa de que o Projeto de Prevenção e Combate à Incêndio e Pânico seja aprovado nas próximas semanas pelo Corpo de Bombeiros, que sugeriu a restrição de público no complexo Mascarenhas. Caso aconteça, serão iniciadas as obras de adaptação do local, com muito já providenciado. Contudo, ainda não é possível falar em data para que a casa volte a receber eventos.

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Reconhecido por mostras agigantadas e de artistas renomados nacional e internacionalmente, o Espaço Cultural Correios extinguiu seus patrocínios este ano, após dez anos de existência. O lugar mantém as portas abertas por cessão de espaço, o que reduziu a divulgação das mostras e a própria infraestrutura das montagens, antes milimetricamente planejadas. Segundo a coordenadora do espaço, Ana Lúcia Magalhães, não há previsão de retorno dos investimentos.

Referenciais para a agenda de artes visuais local num passado próximo, tanto o Espaço Manufato, na Rua Morais e Castro, quanto a CasaVinteum, na Rua 21 de Abril, ambos numa mesma reta no São Mateus, ainda não abriram suas portas para vernissages em 2017. Para Nina Mello, coordenadora da CasaVinteum, a previsão é de que o lugar retorne em 2018. “Optamos por dar uma parada, até para respirar e ver se o cenário melhora. A ideia é voltar no ano que vem”, faz coro Renato Abud, um dos coordenadores do Manufato.

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Com multifunções

Graduado em artes e design pela UFJF em 2008, Guilherme Melich foi professor universitário por dois anos na escola em que se formou e hoje leciona no próprio ateliê, na Rua Luiz Perry, e na Escola Pró-Música. Suas pinturas são feitas no tempo que sobra. “Viver de arte depende da relação com o mercado. Em geral, não é o artista que monta a banquinha dele e diz: ‘Está aqui, galera, minha pintura!’. Isso é furada, amadorismo. Num circuito grande, tem um marchand, um galerista, um sistema. Esse contato entre mercado e artista é feito por um profissional”, pontua.

Para o cineasta e curador Pedro Carcereri, contemporâneo de Melich na universidade, a formação de um sistema de arte envolve personagens múltiplos. “A profissionalização é importante para não criar meios artistas, para tirar o status da arte como hobby”, critica. “É preciso ter formação. Muitos estudantes entram para a faculdade para ser artista. Mas é preciso ter, também, pessoas para trabalharem no background da cena. É necessário formar curadores, galeristas, expógrafos, galeristas. A demanda não é concentrada só nos artistas. Está espalhada.”

Veterano na cena, Adauto Venturi aponta para os trabalhos feitos sob encomenda como uma forma de sobrevivência. “Não dou aulas, não tenho outra fonte de renda, e o que sei fazer é arte. Por isso abro o meu espaço, para mostrar e trazer as pessoas para perto. Hoje a prestação de serviços, o design, é o que me fortalece”, afirma ele, que no próximo dia 7 inaugura uma exposição, no próprio estúdio, que transformou em galeria, apresentando frottages iniciadas na década de 1980.

“Uma brecha para um trabalho decorativo existe”, pondera Melich. “Se abre um bar de um amigo meu, eu faço um trabalho tal para lá. Isso é uma coisa, outra coisa é apresentar o seu trabalho autoral, intimista. É difícil encontrar lugar para essas obras”, acrescenta. Para Venturi, a questão encerra a inoperância de propostas formativas. “Para um festival de cinema vão muitas pessoas, para um show, também. Já para uma exposição, vão apenas os seus convidados. O artista plástico fica na sua solidão, nas suas questões, no seu imaginário, produzindo de maneira muito individual, e isso reflete na relação do próprio público”, aposta.

A alternativa encontrada por Gerson Guedes, no entanto, é fazer-se presente, ocupar o campo de visão de quem passa, como fez com os moradores e turistas do pequeno vilarejo de Conceição de Ibitipoca, distrito de Lima Duarte, onde apresentou esse mês uma exposição com temática sobre o lugar, na área externa da igreja local. “As redes sociais e o apelo imagético delas roubou o público das artes visuais. Entendo que é preciso mudar a estratégia de mostrar os trabalhos. As pessoas não têm mais tempo e nem se sentem atraídas para irem até uma galeria, a não ser que seja virtual”, acredita. “Não adianta produzir e arrumar uma garagem. O público não vai. É preciso chegar até ele.”

Centro Cultural Bernardo Mascarenhas continua sem previsão de retorno de atividades culturais

Ex-pró-reitor de Cultura da UFJF, Guedes insiste na importância de criar, nas crianças, o interesse pelas artes visuais. Em sua mostra recente, levou 120 alunos da escola do lugarejo, como fez com o projeto criado em sua gestão, o Coletivo Cultural, usando os ônibus da UFJF para levar  estudantes até o Museu de Arte Murilo Mendes. “Não adianta ficar reclamando e culpando o Poder Público, porque a era do paternalismo está indo embora. A má utilização dos mecanismos públicos detonou tudo. A própria Lei Murilo Mendes mostra isso, todo ano aprovando as mesmas pessoas, apoiando o disco número dez de fulano, publicando o vigésimo livro de outra. Onde está o novo?”

Sem integração

Desmontada na última sexta-feira, 23, a exposição “Do tear à arte II”, que ocupou a parte central do Parque Halfeld durante quase um mês, esperava sofrer algum tipo de intervenção, mas saiu ilesa à depredação. E mais do que um estímulo ao público, a curadora Fernanda Cruzick diz que a mostra serviu para revigorar os próprios artistas.  “Essa exposição reascendeu alguns artistas para a cidade, para a Funalfa e para eles mesmos”, afirma, apontando para o avanços tecnológicos como parte das justificativas pelo esvaziamento e enfraquecimento das galerias. “Sinto que entramos num momento tão efêmero e virtual que perdemos a ideia da manufatura. Tudo é muito rápido, prático e fácil de resolver no digital.”

Expoente de duas escolas, Gerson Guedes reivindica, ainda, uma integração que, na sua opinião, favoreceria toda a cena: “Há uma falta de integração entre um centro formador, a Associação de Belas Artes Antônio Parreiras, e um centro acadêmico, a universidade. Um se afastou do outro. De um lado, está o centro de inteligência e de outro, o amador. Não há troca, nem respeito entre os dois lados. A Parreiras não entende que a universidade é a ‘Fórmula 1’ e precisa haver a pesquisa para desenvolver as artes. E a universidade não entende que existe uma cultura tradicional, a Parreiras, que tem muito a ensinar.”


Com novidades

Museu de Arte Murilo Mendes abre novas exposições e expande horário de visitação para fins de semana e feriados

Ironicamente, espaços que compartilham diferentes expressões mantêm agendas mais constantes, como é o caso do Forum da Cultura, que também serve ao teatro e à educação e não detém mecanismos de montagem expositiva complexos como os do Museu de Arte Murilo Mendes. Da mesma maneira, o espaço OAndarDeBaixo, que serve a eventos diversos, também tem conseguido manter uma programação de artes visuais frequente, ainda que as visitações aconteçam apenas quando a casa se abre a outras manifestações, como festas. Nesse sentido, como indica Guilherme Melich, está expressa a impotência das artes visuais como atrativo único.

Sarcasticamente, ainda que as perspectivas indiquem esgotamentos, novos espaços são aguardados para 2017. “O Teatro Paschoal Carlos Magno tem, a princípio, dois espaços que interessam às artes plásticas: a galeria e um painel frontal. Estou discutindo nossa atuação nesse sentido”, afirma Fernanda Cruzick, artista visual e representante do setor no Conselho Municipal de Cultura (Concult). No Campus Universitário, está agendada para o dia 3 de julho, às 19h, a abertura de dois novos museus. Tanto o Museu de Malacologia quanto o Museu de Arqueologia e Etnologia Americana (que pode receber mostras temporárias) ocuparão as dependências do Centro de Ciências. Enquanto isso, o prédio do DCE, na esquina da Rua Floriano Peixoto com Avenida Getúlio Vargas, continua aguardando data para abrir as portas.

Sem orçamento

Prorrogar tem sido verbo frequente em mostras locais. No Memorial da República Presidente Itamar Franco, sua segunda exposição temporária está aberta desde outubro de 2016, sem previsão de encerramento. Após cinco meses com uma mesma exposição em cartaz em suas três galerias, o Museu de Arte Murilo Mendes renovou esta semana sua programação com três mostras para os três espaços e anunciou sua reabertura aos finais de semana e feriados, das 12h às 18h. Na Galeria Convergência (no terceiro andar), uma exposição reverencia o poeta que dá nome à casa, com obras de seu acervo e três retratos inéditos de Murilo (feitos por Nívea e Carlos Bracher e Pedro Guedes).

Na Galeria Retratos-relâmpago, no térreo, “Gravura contemporânea – A poética do visível” revisita os trabalhos realizados para a Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, Eco-92, já apresentadas na instituição juiz-forana em 2012.

Também no térreo, a Galeria Poliedro recebe “Ilustrações – Axl Leskochek para Dostoiévski”, com 35 gravuras produzidas pelo austríaco Leskochek (1889-1976), mestre em seu ofício, para ilustrar os livros do escritor russo publicados pela editora José Olympio.

De acordo com Valéria Faria, pró-reitora de Cultura da UFJF, que administra o museu, a agenda do local está atrasada, e outras exposições foram canceladas devido à falta de recursos. “Estamos no meio do ano, e eu ainda não sei a verba que temos para 2017”, pontua a gestora, responsável, ainda, pelo Espaço Reitoria, cuja agenda também está prejudicada. “A atual exposição foi toda feita com o dinheiro do professor que solicitou o espaço. Para pintarmos a galeria, usamos restos de tinta. Não conseguimos, sequer, imprimir as etiquetas, porque a licitação ainda não foi feita”, lamenta.

Professora do Instituto de Artes e Design, Valéria se diz frustrada com o atual cenário e reconhece o desgaste que ele impõe à própria arte na cidade. “O pensamento precisa andar com as ações. Fico muito constrangida em negar, recusar apoio. Fico aflita e angustiada, mas só posso aguardar para dar continuidade a um trabalho que fluía bem”, diz, citando propostas como uma revisão da própria gestão atual da UFJF, homenagem aos alunos africanos da instituição e uma coletiva sobre o centenário da obra “A fonte”, de Marcel Duchamp. Aliás, Duchamp dá a grande dica para as artes em tempo de crise: ressignificar é preciso!

 

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