Quando se pensa em começar de novo, a primeira ideia que vem à cabeça é a popular volta à estaca zero, ou a noção de terra arrasada em que se precisa começar tudo de novo, reconquistar muito do que se havia conseguido. Mas não precisa ser assim: basta manter a base, abrir mão do que não funciona mais, arriscar coisas novas, até mesmo mudar pequenos detalhes que fazem muita diferença.
É o caso da banda juiz-forana Tresdias, que entre outras mudanças de rumo não é mais Tresdias – ou continua sendo, só que um pouquinho diferente. Aproveitando o momento em que tanta coisa saiu do lugar, o agora trio formado pelos irmãos Nelson, Arthur e Álvaro Dias – o baterista Pedrinho Neto se desligou do grupo – adota a grafia 3Dias no momento em que aposta alto nas mudanças, entre elas a independência na forma de divulgar o trabalho e no acréscimo de novas influências à sonoridade.
Além da adoção de 3Dias como novo nome, o trio decidiu não renovar seu contrato com a Sony Music – gravadora que lançou seu único álbum, “Da brisa ao temporal”, de 2013 – e lançar o próximo trabalho aos poucos, tentando valorizar cada lançamento individual. Dentro dessa proposta, o trio soltou no último dia 19, por meio dos serviços de streaming, “O Céu é aqui”, primeiro single do futuro disco, que terá uma composição lançada por mês até fechar todo o álbum. A canção também é representativa dos novos rumos musicais da banda, que acrescentou novos elementos às composições, como o uso de sintetizadores, e a troca de instrumentos entre eles na hora das gravações, que foram realizadas no período de um ano, até março, no estúdio Versão Acústica, em São João Nepomuceno.
Com sete músicas já gravadas – algumas ainda na fase de masterização – o novo material tem produção de Nando Costa, com participações de Emmerson Nogueira e Gleison Tulio na empreitada. A ideia é gravar pelo menos mais três músicas para aí fechar o álbum “cheio”, que temporariamente está previsto para se chamar “Além das montanhas”, próximo single do 3Dias.
‘Autossabotagem’ inconsciente
Principal vocalista do 3Dias, Nelson Dias conversou na última segunda-feira (22) com a Tribuna sobre esse novo rumo na carreira do grupo, a começar pelo nome. Ele lembra que Tresdias foi o nome que surgiu quando seus irmãos sugeriram que a banda trocasse seu nome original, Hakunna, durante as gravações de “Da brisa ao temporal”, e a escolha recaiu sobre o título de uma das músicas, adaptada para a grafia utilizada desde então. Voto vencido, Nelson embarcou na jornada que, de acordo com ele, acabou tendo problemas mais para frente.
“A gente meio que se autossabotou (risos), porque as pessoas que procuravam pela banda na internet normalmente procuravam por ‘3 Dias’. Aí, com a saída do Pedrinho, meus irmãos resolveram sugerir mudar de novo, agora para 3Dias”, explica o vocalista, acrescentando que a novidade veio praticamente ao mesmo tempo que o grupo decidiu não manter a ligação com a gravadora Sony Music. “O contrato terminou este ano, e eles propuseram renovar nos mesmos moldes do original – o que não era interessante para nós, pois percebemos que a independência nos permite tomar decisões com mais agilidade e liberdade. A experiência com a Sony inegavelmente era um sonho que tínhamos, e valeu a pena. Mas agora estamos em outro momento.”
Sem ligação com gravadora, a 3Dias resolveu que era hora de testar novas formas de divulgar seu trabalho nas atuais – e ainda em constante mudança – configurações da indústria musical. Assinaram um contrato de distribuição com o selo ONErpm e decidiram não lançar o novo álbum de uma vez, mas sim antecipar um single do novo trabalho por mês e dessa forma sempre ter uma novidade para quem curte a música do trio, pelo menos até fechar o que será o futuro disco. “Hoje é importante ter conteúdo novo constante”, afirma Nelson. “Quando lançamos o primeiro disco, não demorou a aparecer gente perguntando se já tínhamos novidade.”
“E isso ajuda a fazer com que conheçam todas as músicas do álbum, e não apenas as que seriam de divulgação nas rádios, por exemplo”, acrescenta. “No caso do primeiro álbum, ’98’ e ‘Meu caminho’ foram muito mais executadas no streaming que as outras. Esse formato é um teste que estamos fazendo, quando terminar vamos ver se o próximo projeto será assim também.” A nova base da 3Dias nas plataformas de streaming deve ser alimentada em breve com outras novidades. Entre elas uma versão remasterizada de “Da brisa ao temporal” acrescida de duas faixas extras, e também versões de “Fly away”, de Lenny Kravitz, e “Exagerado”, de Cazuza.
A primeira ‘nova canção de trabalho’
“O Céu é aqui” foi lançada na internet na última sexta-feira (19), mesmo dia em que ela foi tocada pela primeira vez ao vivo, em Conceição de Ibitipoca, onde o grupo fez o show que antecipou a apresentação do Skank. O grupo aproveitou a ocasião para gravar com Junior Detone as primeiras imagens do videoclipe da canção, que será lançado em data a ser definida. “Estamos como crianças com um brinquedo novo”, diz Nelson Dias. “A mudança em relação à sonoridade foi uma coisa intuitiva, estávamos com aquela ‘coceira’ de deixar de ser rotulados como ‘pop-rock nacional’. Foi um desafio, e acredito que alcançamos nosso objetivo de mudar a sonoridade. Nisso foi muito importante a participação do Gleison Tulio na produção, pois ele é um mestre dos sintetizadores.”
Sobre o tema da música, Nelson explica que ela trata de “viver o aqui e agora, não esperar por um céu que nem temos certeza se existe. Pensar que ele pode ser aqui mesmo. Nós tivemos uma mudança muito brusca na nossa infância, com a morte de nosso pai num acidente, com nossa mãe seis meses se recuperando no hospital. Ficamos praticamente sozinhos, aprendemos a ter um sentimento de urgência, de viver o agora. A maioria das letras tem esse sentimento de valorizar as coisas que estão ao nosso lado, a maior diferença é que agora começamos a falar de amor; acho que talvez por todos estarem casados (risos).”
Ao mesmo tempo, ele acrescenta que a resposta à canção, até o momento, tem sido interessante pelas comparações feitas à música mineira de artistas como Beto Guedes. “Mesmo tendo uma linguagem pop, a gente tinha dificuldade de se encaixar num nicho. Com a mudança recente nos colocamos como rock/alternativo nas plataformas de streaming, e é interessante ver as pessoas fazendo essas comparações.”