O vírus é muito mais que um vírus. É um susto, uma paralisia, um silêncio, uma escassez, um desespero e, também, um desafio, um impulso à renovação, um incentivo à mudança. Para a classe artística, de Juiz de Fora e de todo o mundo, o coronavírus impõe questões tão profundas quanto amplas, já que não se limitam ao período exclusivo da pandemia. Primeiros afetados pelo distanciamento social e últimos a retomarem suas atividades, os artistas se inquietam para criar saídas para o que parece beco sem saída.
Ao longo da semana que passou, quatro reuniões entre a Funalfa e a classe artística, no programa municipal Cultura Conecta, apontaram algumas diretrizes também debatidas em grupos criados nas últimas semanas – entre eles o Grupo Emergencial da Cultura e o Salto Coletivo, ambos formados por artistas de diferentes linguagens. Para a próxima semana, espera-se a votação do projeto de lei de auxílio emergencial da cultura, que prevê a liberação dos R$ 3,6 bilhões do Fundo Nacional de Cultura, e o início do cadastro que a Prefeitura se comprometeu a fazer, mapeando a classe artística local.
“Para saber como distribuir qualquer recurso público, faz-se necessário conhecer profundamente o cenário artístico da cidade, quem são os profissionais, como se distribuem, como se organizam, renda estimada, ritmo de produção e circulação etc. É uma oportunidade para a realização de um mapeamento dos trabalhadores do setor cultural, um censo, que permita e potencialize as políticas públicas para a cultura de Juiz de Fora, com benefícios que sejam mantidos mesmo após o momento mais crítico de isolamento social, criando um banco de dados que só precise ser atualizado ano a ano”, defende Hussan Fadel, diretor de teatro e gestor, representante das artes cênicas no Conselho Municipal de Cultura.
“Precisamos compreender o que é uma demanda coletiva, que vai exigir um esforço nosso, e o que é uma questão individual e que talvez não caiba ao Poder Público atender”, concorda o diretor geral da Funalfa, Zezinho Mancini, afirmando que as reuniões realizadas recentemente já permitiram o contato com agentes culturais com longa trajetória na cidade, mas ainda desconhecidos pelo Poder Público municipal. “Gerir é ter que fazer escolhas, e esperamos que o cadastro nos ajude a escolher prioridades”, pontua o gestor, que afirma buscar soluções para além das fronteiras da cidade. “Estou conseguindo fazer um foco grande nas questões das esferas externas, articulando junto aos deputados, à Secretaria Estadual de Cultura e faço parte de grupos de secretários municipais que gera intercâmbio de informações e é uma forma de trazer recursos para a cidade ou tornar ciente nossos produtores de que existe a possibilidade de recursos.”
Prudência e equilíbrio
Como a cultura pode enfrentar o momento crítico? Convidados pela Tribuna, oito artistas e gestores da cidade traçaram algumas sugestões para que o Poder Público, a própria classe e, até mesmo, o público consigam encarar e superar a pandemia e o mundo que será inaugurado ao término dela. Para Zezinho Mancini, diretor geral da Funalfa, a internet exige um aprendizado que deve se “naturalizar” e beneficiar novas práticas. “Vai ter gente que vai descobrir um caminho”, aposta, apontando para um dos principais instrumentos possíveis agora e depois.
Na preocupação do período posterior ao isolamento social, a Pró-reitoria de Cultura da UFJF, gestora dos equipamentos culturais da universidade, como Cine-Theatro Central e Forum da Cultura, em nota de apoio à classe artística, comprometeu-se a estudar projetos como o do edital Luz da Terra, que oferece datas gratuitas aos produtores locais. O oferecimento gratuito ou a baixos custos de espaços públicos é uma das principais demandas da classe para o futuro, que deve servir de norte, inclusive, para as contas públicas, segundo Mancini. Para ele, o momento também exige o equilíbrio no uso de recursos, para que seja possível atender a urgência sem inviabilizar ações futuras. O pensamento, também conforme as sugestões dos oito artistas de diferentes linguagens, deve estar aqui e além.
EVENTO EMERGENCIAL ON-LINE
Tendo em vista que a pandemia está impossibilitando as ações culturais em locais públicos e privados como praças, parques e teatros, entendo que o Corredor Cultural deveria acontecer através de editais on-line, contemplando todas as áreas com lives, exposições, exibições, palestras, transmitidos pela página da Funalfa, dando, assim, uma visibilidade boa para a fundação. Considerando, também, que não haverá gastos com fornecedores e com toda a estrutura que normalmente envolve esse evento, como palco, som, luz, entre outros aspectos, seria muito importante, neste momento emergencial, que os contemplados fossem remunerados e que priorizassem os artistas que vivem da arte, ganham seu pão nesse ofício.
Roger Resende, músico
UNIÃO PARA O NOVO NORMAL
O que vejo como essencial nesses tempos é que a gente não se coloque numa postura de espera para que tudo volte ao “normal”. Porque, pelo que estamos vendo, a perspectiva de alguma estabilização é algo que deve vir num tempo em que ninguém aguentaria esperar até lá. E porque o normal será outro. Esse momento é uma chance para que se perceba que quase nenhum dos esquemas em que vivíamos podia ser, de fato, considerado “normal”, por mil motivos diferentes. Agora se torna, então, tempo de, juntos, nos articularmos de verdade: classe (central e periférica), Poder Público e o próprio público. E descobrir, juntos, novas maneiras para o que virá.
Letícia Nabuco, dançarina , performer, pesquisadora e coordenadora do espaço Diversão e Arte
EDITAL PARA TRABALHOS CONTRA PANDEMIA
O Poder Público municipal poderia lançar um edital de chamamento aos trabalhadores da cultura (artistas que sobrevivem do trabalho artístico) para intervenções culturais relacionadas às ações municipais de enfrentamento da pandemia, seja com a finalidade do entretenimento, seja como orientação da população. Com verbas da publicidade e não da cultura. Seria uma forma de auxílio emergencial. Os artistas que não vivem de arte poderiam participar, mas como convidados, sem remuneração.
Cláudia Bergo, integrante do Grupo Macauã e representante da Cultura Popular no Conselho Municipal de Cultura
VALORIZAÇÃO DO LOCAL
Que as pessoas consumam arte, comprem músicas, livros, quadros e outras artes, valorizando o artista local. A questão é dar preferência aos de casa. Também sugiro que o isolamento seja um momento em que o público volte seu interesse para os espaços que estão próximos e que esse movimento permita que nossos espaços de artes em Juiz de Fora sejam mais visitados. No mundo pós-pandemia, nós, artistas e cidadãos, vamos ter que nos reinventar. Todas as nossas ideias ainda são ensaios, porque ainda precisamos sentir e entender o momento.
Petrillo, artista visual e coordenador da Hiato – Ambiente de Arte
REPASSE DA VERBA DA LEI MURILO MENDES
Tendo em vista a importância da arte e da cultura em contextos como este e entendendo que há muito tem sido um setor da economia preterido, deixado de lado, acho importante um posicionamento mais propositivo do Poder Público, principalmente se considerarmos o acesso à cultura como um direito universal, direito este que é dever do Estado garantir. Assim sendo, creio ser fundamental a desburocratização de verbas públicas destinadas para a cultura da cidade, com a flexibilização e liberação de recursos oriundos de emendas parlamentares, assim como o próprio dinheiro da Lei Murilo Mendes, que poderia ser garantido e adiantado para a pré-produção dos projetos aprovados no edital deste ano. Pensando que poucos projetos poderão ser executados ainda este ano, seria mais interessante ainda se a verba da Lei Murilo Mendes pudesse ser convertida em um fundo emergencial para atender artistas que dependam de público para executar seu ofício, criando obras que possam ser apresentadas ou desenvolvidas no contexto da quarentena para a fruição do público da cidade, servindo para a consolidação do trabalho dos artistas locais e também para a formação de público, com a arte de Juiz de Fora sendo multiplicada pela rede.
Hussan Fadel, diretor de teatro, integrante do Corpo Coletivo, um dos coordenadores do espaço OAndarDeBaixo e representante das artes cênicas no Conselho Municipal de Cultura
PRIORIDADE AOS MAIS IMPACTADOS
Minha proposta é que, neste momento, a Funalfa cadastre os agentes culturais que estão em situação financeira crítica (tanto no que tange pagamento de aluguéis de espaços quanto despesas pessoais). A partir dessa radiografia, será possível canalizar o máximo de recursos possíveis para remediar a situação. Em troca, os artistas ofertariam um naco da sua criatividade. Vamos cuidar das pessoas. A arte está cuidando de quem está em casa.
Gueminho Bernardes, dramaturgo e escritor
RESGATAR TRABALHOS E CRIAR NOVOS
Aprender a escrever editais pode ser útil um dia (se editais continuarem a existir depois da pandemia). Não existe uma solução para esse momento. Em outros países, o governo está intervindo para o auxílio aos artistas, aqui temos outro cenário. A alternativa é nos virarmos com o que temos. Divulgar trabalhos antigos, produzir trabalhos novos, usar as tecnologias que temos a nosso favor. Mas sabendo que não temos como solucionar isso sozinhos. Não nos cabe resolver tamanho problema.
Mia Mozart, diretora, roteirista, atriz, apresentadora e uma das criadoras do canal no YouTube “Boo e Outras Coisas”
FOCO NOS RECURSOS EXISTENTES
É indispensável que nós, enquanto agentes da cultura, pressionemos o Poder Público para entender quais são os recursos disponíveis para o setor e, em seguida, quais os caminhos para outras possibilidades de recursos dentro e fora da instância municipal. Estão em aberto, por exemplo, recursos conquistados por emendas da deputada Margarida Salomão (PT-MG). Uma sugestão imediata seria atualizar a discussão sobre o uso democrático desses recursos públicos que já são uma realidade. Caso contrário, corremos o risco de que esses recursos sejam mal utilizados ou mal distribuídos.
Felipe Moratori, ator, diretor, pesquisador de teatro e um dos coordenadores do espaço Sala de Giz