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Quando a banda passar

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Munira Rahme, da Casa Chic, faz encomendas para o carnaval desde junho e esse ano chegou a vender 10% mais do que em 2014

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Todo carnaval tem seu fim e, por aqui, ele termina, oficialmente, no dia 14, com o desfile da Banda Daki. Como toda festa, chega, então, o momento de limpar a casa, recolher o lixo, abrir os presentes, lembrar dos convidados e pensar que alguma coisa podia ter sido melhor. Pelo segundo ano antecipando a folia, vivenciando uma inegável crise das escolas de samba e um crescimento desordenado do público dos blocos, Juiz de Fora tem uma nova oportunidade de pensar no que tem sido feito antes de varrer os confetes do chão e esperar fevereiro chegar, mais uma vez. Com R$ 2 milhões sendo gastos dos cofres públicos, num orçamento municipal já enxuto diante de inúmeras demandas, já não dá mais para repetir os mesmos discursos no próximo ano e fingir que “amanhã vai ser outro dia”. Na reportagem que encerra a série “Nos bastidores da folia”, a necessidade de exame e ações é colocada em xeque.

E não se trata de uma discussão reducionista sobre acabar ou não com a folia. São 20 mil espectadores assistindo aos desfiles das escolas de samba e outros milhares na rua, em blocos. Os foliões deveriam ser desconsiderados? No debate, a opinião pública merece ter sua importância, mas, por tratar-se de massa disforme, não pode ser o único peso dessa balança. A tradição, por sua vez, não garante futuro e não justifica o presente. O que deve preservar o carnaval da cidade tem de ser os resultados trazidos, a contrapartida, e nessa conta entram qualidade, alcance e muitos outros fatores, subjetivos e objetivos.

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Enquanto o presidente da Liga das Escolas Independente de Juiz de Fora (Liesjuf), Jair de Castro Filho, defende que há uma evolução no que tem sido apresentado na Passarela do Samba, o superintendente da Funalfa, Toninho Dutra, compromete-se a analisar a antecipação e “o que ela trouxe de ganho”. “Temos que sistematizar essa avaliação e escutar todos os setores, ouvindo a Polícia Militar, os responsáveis pelo trânsito, a Secretaria de Saúde, o Corpo de Bombeiros, enfim, toda a estrutura não só da Prefeitura, mas de entidades e órgãos que apóiam a realização do carnaval, para tomarmos, juntos com a Liga, uma decisão. É preciso envolver a sociedade, mas, a princípio, a antecipação teve ganhos”, garante. “É uma discussão que precisa ser feita e isso não significa que queremos diminuir o apoio ao carnaval, mas precisamos mostrar que os outros setores não conseguem o mesmo aporte financeiro durante o ano”, completa.

 

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Rédeas curtas

Aos 22 anos, Henrique Araújo não viveu os áureos tempos de um carnaval que atraía turistas para Juiz de Fora. Quando conheceu, as contas já não fechavam. Ainda assim, tem esperanças de “cair na folia” sem se distanciar de casa. “Ao mesmo tempo em que vejo o projeto de minha escola fluir, percebo o carnaval enfraquecer. E sabemos que a festa depende de que todas as escolas estejam bem. Meu desejo era de ver todas elas de portas abertas, com práticas sociais, com a comunidade participando ativamente, mas sei que isso só poderia acontecer se começássemos do zero. Os problemas viraram uma bola de neve”, comenta ele, diretor-geral da Mocidade Alegre. “A Prefeitura deveria agir de maneira mais enérgica diante disto. Se muitos falam que o problema é dos dirigentes, então, quem deveria tomar as rédeas, seria uma esfera superior, que realmente comanda o carnaval”, sugere.

Segundo Henrique, a relação das agremiações com o Governo municipal justifica tal fiscalização, já que as próprias quadras, em sua maioria, surgiram de doações de terrenos feitas pela Prefeitura. “Fizemos um projeto para concentrar o trabalho da escola em propostas voltados para comunidade. Daí fomos atrás de parceiros e também da própria Prefeitura. Ela mesma, na administração do Custódio Mattos, nos cedeu um terreno no Bairro Santa Cecília para a construção da quadra, onde funcionará, integrado, um projeto social”, conta ele, referindo-se a um espaço, ainda vazio, na esquina das ruas Íris Maestrini e Bianor Moreira, com vizinhança bastante próxima e onde, há alguns anos, funcionava um posto da Polícia Militar.

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Para o pesquisador Arthur Barroso Moreira, que retratou o carnaval de Juiz de Fora em sua tese de doutorado na Universidade Metodista de São Paulo, a solução está na via contrária, com um distanciamento muito maior do Poder Público. “É bom lembrar que carnaval é festa e significa o rompimento de todas as regras. As escolas de samba são a domesticação dos instintos, um cortejo organizado”, pontua, defendendo que a fórmula utilizada com sucesso pelo Rio de Janeiro não funciona em nenhuma outra cidade, já que nos lugares onde os blocos gozavam de maior prestígio e força, o rigor que exige uma escola não decola. Além do mais, o pesquisador aponta uma transformação na própria sociedade local, que, segundo ele, não possui laços afetivos com as manifestações populares e com a história da festa, não reconhecendo e não reivindicando identidade para a mesma.

Autora do livro “No ar: carnaval de Juiz de Fora meio século de identidade”, a pesquisadora e jornalista Rosiléa Archanjo, enxerga exemplos de dentro da festa. “A vinda dos novos blocos reacende nosso carnaval e acredito que acontecerá o mesmo com as escolas.”

 

Retornos invisíveis

Considerando o montante de servidores públicos que trabalham antes e durante o carnaval, muitas vezes pagos por hora extra, além das doações de terrenos para quadras, o orçamento da folia dificilmente conseguirá ser contabilizado em sua inteireza e, com certeza, vai muito além dos R$ 2 milhões, o que, no mínimo, exige uma compensação para os juiz-foranos, pagadores de seus tributos. Nesse sentido, não é preciso ir muito longe para encontrar, ainda que em pequenas proporções, situações de geração de emprego e circulação financeira. Malharias, lojas de tecido e aviamentos, serralherias e madeireiras, entre outros estabelecimentos e profissionais liberais como costureiras, ambulantes, técnicos de som e músicos, se beneficiam com o período, apesar de a demanda não ser tão grande. Munira Haddad Rahme, com sua Casa Chic de muitos tecidos, placas de acetato, plumas e paetês, é prova de que existem resultados, mesmo que tímidos.

De acordo com as previsões de Munira para 2015, as vendas não superariam o carnaval passado, mas acabaram atingindo um valor 10% mais alto em relação a 2014. “Começamos em junho, comprando plumas e tecidos. Todas as escolas compram aqui, algumas menos, e os blocos também. Eles fazem o enredo e me trazem uma amostra do que estão planejando, daí mando fazer”, conta ela, que também atrai foliões de diferentes cidades da região, como Maria Madalena Ferreira, presidente da Escola de Samba Mirim Vila do Carmo, de Mariana, e Raquel Rodrigues, de Itamarati de Minas, que faziam suas compras nesta quinta-feira. “Se o carnaval acabasse seria um prejuízo, sem dúvida, para mim, mas maior para a cidade”, diz Munira. Se o carnaval acabasse, na verdade, seria como confessar a incapacidade em lidar e gerir grandes problemas. A alegria exige futuro. E futuro prescinde de festejos.

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