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Exposição na UFJF homenageia Fernando Pessoa

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Foto: Marcelo Ribeiro

De tanto ser Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares e alguns outros, ele tornou-se Fernando Pessoa, poeta português mundialmente conhecido. Multiplicou-se e continua a multiplicar-se. Na mostra “Personas – Transliterações poéticas em Fernando Pessoa”, aberta para visitação nesta sexta-feira, 22, na Galeria Reitoria, 32 artistas revisitam pelas vias das artes visuais uma poesia que atravessou o século XX e chegou ao XXI mantendo-se absolutamente atual. E urgente. “Escrevemos para ser o que somos ou para ser aquilo que não somos. Em um ou em outro caso, nos buscamos a nós mesmos. E se temos a sorte de encontrar-nos — sinal de criação — descobriremos que somos um desconhecido. Sempre o outro, sempre ele, inseparável, alheio, com teu rosto e o meu, tu sempre comigo e sempre só”, analisa o ensaísta mexicano Nobel da Literatura em 1990, Octávio Paz, em “O desconhecido de si mesmo: Fernando Pessoa”, explicando uma transmutação que deu conta de fazer encontrar si mesmo, o outro e o mundo.

“Mal sabem que toda naturalidade é artifício. Que somos fenda”, escreve Vermelho em seu “Cartaz vermelhas”, trabalho no qual se corresponde com um dos heterônimos mais populares de Pessoa, por ser, sobretudo, humano. Pseudônimo de um artista nascido muito tempo antes, Vermelho foi inaugurado em 2015, na Cosmococa de Hélio Oiticica, em Inhotim. Trazia consigo o mesmo artifício do poeta português: ser outro para ser ele próprio. “Não sei se posso chamar de ironia, mas é a chave do trabalho: quanto mais o outro se destaca, mais o um aparece. Quando mais Álvaro ele é, mais Pessoa consegue ser. Quanto mais Vermelho me torno, mais Rafael eu sou. Meu projeto é fazer o Rafael desaparecer totalmente para o Vermelho aparecer totalmente. Assim, o Rafael terá sucesso”, diz o artista, que também está produzindo postais para Alberto Caeiro e telegramas para Ricardo Reis.

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“A pesquisa tem uma relação muito forte com o Pessoa, mas também, diferenças. Ele tem outras versões possíveis que surgem a partir dele. E não tem o compromisso com a vida dele em alguns momentos. Têm esse componente catártico. Os heterônimos parecem colocar na poética o que o Pessoa não conseguiu em vida. Já na minha perspectiva, o Vermelho singulariza a minha própria vida, fazendo dela uma obra de arte, desnaturalizando as coisas e entendendo a vida como um processo criativo. Trabalho de forma que seja impossível uma distinção entre o Vermelho e o Rafael, num desejo de fazer chegar ao ponto em que um cubra o outro, sendo Vermelho mais Rafael do que ele mesmo. Rafael foi a lagarta e Vermelho é a borboleta”, discursa, num constante estado performativo. O que é arte e o que é vida? Tudo é uma excitante experiência, diria Álvaro de Campos.

Foto: Marcelo Ribeiro

Num gesto que em muito conforma o universo contemporâneo e suas diferentes estratégias de criar personas virtuais, Vermelho leva ao extremo a fusão entre criador e criatura. “Até no banheiro a multidão nos persegue”, diz ele, na carta disposta na mostra. “A demanda contemporânea pede mais uma espécie de fragmentação, de construção de imagens diferentes em instâncias diferentes. No meu caso, busco um centro de gravidade, uma forma de me tornar íntegro e conseguir operar isso. Vermelho é um ponto de referência para escolhas. Da minha escolha de indumentária, que passa a ser operada num sentido estético, e minha relação com as pessoas também. Até mesmo minha apresentação já é uma performance, já cria um deslocamento”, afirma. “Esse é seu nome verdadeiro?”, costumam perguntá-lo. “Sim!”, ele não abre mão de responder, para logo concluir: “Mas se quiser o nome do documento será outro. Vermelho é o meu nome.”

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Agindo na performance, Vermelho traz para o encontro com Fernando Pessoa, na exposição que segue em cartaz até o dia 3 de agosto, outra artista que se desdobrou em multidão, a sérvia Marina Abramovic. “Não só estou performando, como estou mostrando que estou performando para evidenciar o processo. Esse extremo do meu trabalho deseja tornar isso consciente e registrável, deixando rastro. Eu mancho”, assinala, pontuando seu interesse pela metalinguagem. “Também tenho o Preto e o Rosa, na ideia de ser múltiplo sem ser fragmentado. Hoje meu guarda-roupa trabalha com essas três cores, e vou construindo outros elementos que cada uma dessas cabeças vão trazendo. É na mesma ideia da Santíssima Trindade, são referências que não se isolam. São partes nomeadas de mim. Reconheço como intensidades: tenho intensidades vermelhas, pretas e rosas. Digo que sou vermelho na vida, preto na carne e rosa no desejo. O preto passa pelo devir negro. O rosa passa pelas questões da sexualidade, do gênero e dos afetos, e hoje pesquiso o universo queer. Vermelho é a linha de frente.”

Interpretações, apropriações e traduções

Performativo como o poema do qual retirou o título, o trabalho assinado por Valéria Faria e Paulo Alvarez diz das muitas personas que se enumeram numa mesma existência, sob um mesmo nome, no passar dos anos, no soprar das velas dos bolos de aniversário. “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos e ninguém estava morto” reúne fotografias de aniversários e objetos pessoais da dupla. “Já vínhamos trabalhando com álbum de família, a questão da memória, o significado dos objetos e, também com uma relação com os poetas que abordam a passagem do tempo, a solidão e a saudade”, aponta Valéria, pró-reitora de Cultura da UFJF e curadora da mostra que, como o homenageado, faz-se diversa em discursos e suportes, indo do grafite aos quadrinhos, passando por vídeo, colagem, pintura e outros recursos. “Esse caos, a densidade, o questionamento da vida estão presentes na mostra”, ressalta ela, apontando para as 40 frases coladas no chão e paredes, capazes de mostrar um escritor entre a angústia e a lucidez questionadora.

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“Fernando Pessoa vai e volta, está sempre fazendo abordagens duais de todas as questões”, sugere Valéria, que livremente negociou os poemas com os artistas, que, por sua vez, convidaram, cada um, outros artistas para também interpretarem os escritos em dupla. Das interpretações, apropriações e traduções, todas produzidas exclusivamente para a exposição, chama atenção a atualização que trabalhos como o de Priscilla de Paula são capazes de dar a versos escritos há quase um século. Numa pintura que reproduz uma tela de computador, com suas muitas abas, mensagens e imagens, a artista e professora do Instituto de Artes e Design da UFJF retrata o presente para o qual Fernando Pessoa parece dizer tão, e singularmente, bem. Basta observar seu poema em linha reta, escrito muito antes do Facebook e do Instagram com seus feeds repletos de sorrisos e glórias: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada./ Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.”

Foto: Divulgação

PERSONAS – TRANSLITERAÇÕES POÉTICAS EM FERNANDO PESSOA
Visitação de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h, na Galeria Reitoria da UFJF (Campus Universitário). Até 3 de agosto

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