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Isolados ou exilados? Especialistas discutem sobre como encarar o momento

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Os números de infectados e mortos crescem. Os prognósticos pioram. As notícias se proliferam retratando um cenário de caos. O equilíbrio parece distante demais. Afinal, estamos isolados uns dos outros, ou exilados num território desconhecido? “A ansiedade é uma realidade social instalada hoje em dia, o que provoca uma série de consequências, como transtornos e síndromes relacionadas à saúde mental. Mas antes mesmo de ser um quadro patológico, a ansiedade provoca sentimentos e comportamentos no dia a dia que causam estresse e angústia”, aponta a professora e psicóloga Iracema Abranches, pesquisadora técnica do Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social da UFJF. De acordo com ela, novos hábitos e novas questões configuram um novo e tenso quadro social. “A pandemia chega em um cenário já ansioso e inseguro, propício para o pânico”, diz. “Para ‘domesticar’ esse sentimento de pânico, é preciso conhecer o que ocorre e se conhecer (saber da própria saúde, dos próprios limites e possibilidades).”

Para o pesquisador em Comunicação e Saúde do Grupo Sensus, Wedencley Alves, “a carga de informação é inevitável”. Professor da Faculdade de Comunicação Social da UFJF, ele considera que as contra-factuais (nome que prefere utilizar às fake news) não estão se impondo, ainda que alguns grupos sociais não estejam dando relevância às mensagens qualificadas ou não. “A adesão é muito complicada, porque envolve muitos fatores que são incógnitas, desde questões culturais, econômicas, políticas, sociais, religiosas, de possibilidades geográficas. É um país complexo de 210 milhões de pessoas, com um território de oito milhões de metros quadrados. É evidente que não acontecerá nada parecido com o que pode acontecer em um país pequeno e uniforme como Dinamarca ou Suécia. A adesão não vai ser total, infelizmente. Informação há, mas adesão é outra história”, avalia.

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Fotos: Fernando Priamo

Isolados já estávamos

Até que o desconhecido se torne razoavelmente familiar, o bombardeio de informações se manterá, alimentado por um interesse humano em acessar o que não domina, acredita Iracema. “O isolamento já é vivido hoje de forma absurda. Mas, é uma escolha. Quando passa a ser uma imposição ou uma necessidade, o isolamento é sentido como uma punição. Isso é o que pode alterar o psiquismo. A forma ideal de enfrentarmos essa experiência é manter a distância física e aproximar a vivência emocional. Como fazer isso? Percebendo o quanto somos frágeis em nossa estrutura social e psíquica, mas o quanto somos fortes quando nos pensamos como parte de um todo. As redes sociais continuam com as mesmas possibilidades; por isso quem se comunicava mais por elas do que pessoalmente não está mais isolado do que antes. Quem não as utilizava tanto pode se valer mais desse meio de comunicação agora”, pontua a psicóloga.

“Não há nada mais humano do que ter medo de morrer”, ressalta Alves. “Todos temem pela sua vida e pela das pessoas que ama. O que a gente pode fazer é a tomar as providências necessárias e não vivenciar a doença 24 horas por dia. É se informar, talvez, todo dia, mas não o dia todo. A autoexposição diária para casos de morte e agravamento realmente vai levar as pessoas ao que chamo de ‘novelizar’ a epidemia. Começamos a nos preocupar com os próximos capítulos”, explica, referindo-se a uma prática que gera “aflição quase incorrigível”. O desalento, no entanto, é humano, explica. “Não é uma característica dos nossos tempos. Agora existe um desalento dos nossos tempos. O mal-estar, no sentido freudiano do termo, é de todos os termos. Qualquer forma civilizatória produz seus mal-estares. A angústia é humana. Sofrer é humano. Então, os medos e os receios acompanharam a história da humanidade. O que é importante pensar é qual a angústia própria de nossa contemporaneidade? Qual desalento? E qual mal-estar? Não há possibilidade de ser humano sem angústia. Mas como podemos identificar o mal-estar do contemporâneo? Transformações de referências intensas”, diz o professor e pesquisador, citando a hiperindividualização numa era de numerosos amigos sociais, a exigência do sucesso, precarização do trabalho como alguns dos fatores do mal-estar atual.

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Ócio para criar e para repensar

Vivendo num país que se tornou o mais afetado pela pandemia do coronavírus, o sociólogo italiano Domenico De Masi experencia o conceito que o tornou conhecido mundo afora: o ócio criativo. Em isolamento, como todos os seus conterrâneos, o homem de 82 anos escreveu, na última semana, de Roma, um artigo para o jornal “O Globo” no qual retrata a situação a qual está sujeito. Segundo ele, a Itália, que supera as estatísticas como o país com mais mortes pelo Covi-19, viveu a descrença, depois o caos, em seguida, o espectro e, agora, vive a resignação. “Nesta fase de isolamento forçado, após uma vida transcorrida em nome de necessidades alienadas, todo o país está redescobrindo a prioridade das necessidades radicais e a suavidade de um tempo dedicado a nós mesmos e à nossa família: o ócio criativo”, defende o autor do recente “O mundo ainda é jovem”.

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O que te dá prazer?, indaga a professora e psicóloga Iracema Abranches, concordando com a proposta de De Masi. “Ao contrário do que muitos pensam, (ócio criativo) não é ficar à toa por ficar. É aproveitar o que um momento de descanso, lazer, distanciamento social ou, até mesmo, confinamento, pode trazer de benefício para o ser humano, para o seu trabalho e para a sua qualidade de vida. De Masi vê o esgotamento do trabalho há tempos e defende menos carga de trabalho para que todos tenham emprego, assim como defende que a criatividade é o caminho e o resultado do ócio criativo”, aponta ela, sugerindo que para alcançar a prática é necessário libertar-se da culpa do lazer. “Estamos em uma época em que as fronteiras do horário de trabalho foram ultrapassadas definitivamente com as mensagens de Whatsapp e outras redes em qualquer horário, finais de semana, período de férias e madrugadas. A concorrência do mercado de trabalho é a primeira justificativa para quem age dessa forma. Mas, isso é doença. Doença social que gera doença nas pessoas. E, nesse mundo, o lazer gera culpa e crítica”, lamenta.

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Enfrentamos com coragem

Enquanto a oficina que ministraria este mês não começa, adiada em concordância com a recomendação de isolamento social, o ator e comunicador Vinícius Cristóvão propõe, a partir da próxima terça, às 18h, uma live semanal no perfil do Instagram @coragemproagora. A oficina trataria de aproximações, tema fundamental num momento de distanciamentos. “Meu desejo com essa live é afagar o coração, o meu e o das outras pessoas, para que a gente se torne mais forte. Quando o medo toma conta ele afoga o coração e fica aquela angústia. Juntos, na live, poderemos lidar com nossos medos, que é inerente ao humano. Coragem não é ausência de medo. É lidar, observar, olhar e ver que as coisas são passageiras”, sugere ele, certo de que o momento é propício ao autoconhecimento. “Essa fase é também potencialmente favorável a nos encontrarmos ainda mais”, diz. “E se você está bem consigo mesmo, desenvolve a empatia, tão importante agora.”

Em sua oficina, e agora em sua live às terças, Cristóvão defende que a tão perseguida coragem já existe em cada um. “Todo mundo pode reconhecer a sua própria. Coragem tem muito a ver com dar as mãos para seus medos e inseguranças”, pontua, citando a noção de cuidado de si, retirada da obra de Michel Foucault. “É olhar para si mesmo, com olhar interessante e interessado, sem julgamentos, mas com observação. Esse é o olhar de amor”, explica o ator, que como exercício, ensina uma espécie de mantra criado por ele: “Faço o que eu faço porque é tudo o que sou. Pode não ser muito, mas tudo bem. Conheço as minhas virtudes, conheço as minhas falhas. E a partir de agora elas trabalham para mim. Sou mais sábio, sou mais forte, sou corajoso, sou (fale seu nome)”. Coragem, portanto, sintetiza Cristóvão, é ter fé e seguir. Criando, sempre. “Nesse momento temos a oportunidade de colocar para fora o que a gente tem. A restrição de isolamento não quer dizer restrição na vida. É possível continuar vivendo nessa realidade. Como ganhar o mundo mesmo estando só dentro de casa?”, propõe.

“Nesse momento temos a oportunidade de colocar para fora o que a gente tem. A restrição de isolamento não quer dizer restrição na vida. É possível continuar vivendo nessa realidade. Como ganhar o mundo mesmo estando só dentro de casa?” (Vinícius Cristóvão, ator e comunicador)

De mãos dadas, ainda que longes

Imersos numa onda de pessimismo ainda é possível acreditar em dias melhores? Iracema Abrances, professora e psicóloga, sinaliza positivamente. “Sairemos mais fortes, se soubermos aproveitar os ensinamentos. Temos uma grande oportunidade de repensar a forma de vida que assumimos”, afirma. O professor e pesquisador Wedencley Alves concorda. “Podemos atenuar nosso mal-estar investindo mais na solidariedade”, diz. “A grande lição que fica nesse momento é que setores sociais que acreditavam que a doença dos mais carentes e precarizados nunca chegariam a eles estão tendo uma dura lição. Não adianta. Se a sociedade é um todo e se parte deste todo está adoecida, o todo estará adoecido e precarizado. Acredito e confio que, se a sociedade brasileira, com aqueles que podem e têm, não pressionarem os seus mandatários, as elites econômicas para um investimento massivo na educação e na saúde, teremos muitos sustos pela frente”, avalia.

O número de pandemias, de acordo com o coordenador do projeto de pesquisa “A imprensa e os discursos fundadores da saúde pública no Brasil: Saúde global e biotecnologia”, será maior daqui para frente. “Tínhamos uma epidemia a cada 50 anos, e desde os anos 1980 temos uma epidemia a cada dez anos. É o processo de globalização. E é bem provável que na terceira década tenhamos epidemias a cada cinco anos. Não eliminamos vírus, controlamos, mas eles mutam. E o mundo está todo atravessado por um fluxo incessante de pessoas e mercadorias, o que não vai ter retorno. Quando o 5G chegar, as comunicação serão ainda mais poderosamente imediatas, e as pessoas tenderão a se locomover muito mais pelo globo”, analisa ele, defendendo o Sistema Único de Saúde, o SUS brasileiro, como essa expressão da solidariedade com o coletivo. “Hoje ser solidário é ser resistente. E é uma resistência política. Olhar pelo outro é fundamental para que não tenhamos uma resposta da realidade tão cruel quanto a que podemos ter com as epidemias e pandemias.”

“O homem é um ser gregário”, define Iracema Abranches, apontando para a necessidade natural de pertencer a grupos, socializar. “A solidariedade é inerente, a compaixão faz parte até do instinto. Então, a vivência do sofrimento que não escolhe o sofredor faz de todos nós mais solidários. Se a situação é de sobrevivência, a disputa cresce no grupo, aí domina a necessidade de autopreservação. Mas, como o mesmo mal atinge a todos, o outro não é meu inimigo, é meu companheiro na dor, o inimigo é outro”, explica a psicóloga, para logo concluir: “Quando mais precisamos ficar afastados, mais sentimos falta da proximidade. Precisamos mostrar que estamos juntos, que eu compreendo a sua dor porque também a sinto. Não é só empatia, é viver a mesma coisa.”

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