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Sucesso de adaptações de séries impulsionam vendas de livros

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Série “Lupin”, estrelada por Omar Sy, impulsionou venda de livros do personagem Arsène Lupin (Foto: Reprodução)

Adaptar obras literárias para o audiovisual está longe de ser novidade. Basta lembrar que “Viagem à Lua”, de George Méliès, chegou aos cinemas em 1902 inspirado em livros de Julio Verne e H.G. Wells. Desde então, o filão foi crescendo progressivamente, mas por muito tempo se manteve quase como uma marolinha; ela se transformou em um tsunami a partir deste século. Hoje em dia, é fácil encontrar todas as semanas no cinema, TV ou streaming novas produções que adaptam um livro, uma história em quadrinhos, até mesmo coisas inimagináveis décadas atrás, como jogos de tabuleiro (!) e videogames.
Mas quem conhece o mar sabe que tudo que a onda leva, acaba por trazer de volta, e esse novo status quo do audiovisual promove uma via de mão dupla, com seriados e longas despertando o interesse do público pelas obras originais. Recentemente, a série “Lupin” (Netflix) fez disparar o interesse pela série de livros do francês Maurice Leblanc, assim como a minissérie “O gambito da rainha” (2020), também da Netflix, deu um novo gás para o cerebral xadrez e fez crescer a procura pelo livro do norte-americano Walter Tevis. O mesmo vale para “Bridgerton”, outra produção da Netflix, que gerou uma procura pelas obras da norte-americana Julia Quinn.
A lista, claro, é extensa. O serviço de streaming Prime Video tem “The Boys”, “The Expanse”, “O homem do castelo alto”, “American Gods”, “Belas maldições”. A Netflix tem, ainda, “The UmbrellaAcademy”, “Expresso do amanhã”, “Mindhunter”, e o Disney+ tem um grande sucesso com “WandaVision”, que utiliza elementos de histórias publicadas em HQs Marvel. A lista, claro, é praticamente infinita, e renderia muito papel para colocar tudo o que tem sido levado do impresso para o audiovisual.

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De olho no sucesso das adaptações

E já que o assunto é papel, esse tsunami de adaptações tem sido surfado pelo mercado editorial, que vem faturando seu quinhão diante da massificação de algumas dessas obras graças à TV e ao cinema. O diretor de marketing do Grupo Editorial Record, Everson Chaves, diz que a editora está atenta às adaptações para o audiovisual, pois são vistas como oportunidades de trabalhar tanto livros mais recentes quanto os clássicos e aqueles que chamam de “fundo de catálogo”, que são títulos mais antigos.
“A gente trabalha na recolocação deles em livrarias, pratica promoções e faz novos investimentos no marketing. É comum lançar edições com capas que reproduzem os cartazes dessas adaptações”, explica. “Em março, por exemplo, a Netflix vai lançar a série inspirada no ‘Moxie’, livro para o público jovem lançado pela Verus Editora há três anos. Nós vamos relançar esse com capa inspirada no pôster. Tivemos recentemente o ‘Enola Holmes’, que percebemos um aumento do interesse do público, e ‘O castelo animado’, título que já estava há anos no catálogo e que, depois da adaptação, mudou a curva de vendas.”

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Grupo Record prepara relançamento do sucesso juvenil “Moxie”, cuja adaptação estreia na Netflix em março (Foto: Reprodução)

Esse processo de investir no catálogo a partir da transposição para a tela da TV ou do cinema não deve parar tão cedo. Segundo Everson, a lista de livros no catálogo da Record que foram adaptados ou estão em processo de adaptação é extensa. “Num levantamento rápido, listamos quase 50. Tem desde ‘Cem anos de solidão’, do maravilhoso García Márquez, até autores contemporâneos como a Angie Thomas e o Edney Silvestre”, cita. “A Angie é autora de ‘O ódio que você semeia’. O filme fez enorme sucesso lá fora e repercutiu em vendas. Já o Edney teve o seu maior sucesso, ‘Se eu fechar os olhos agora’, adaptado para a Globoplay em 2019 e nós aproveitamos para relançar o livro com nova capa.”
Everson destaca ainda “Em defesa de Jacob” (minissérie do Apple TV+), de William Landay, “As crônicas saxônicas”, de Bernard Cornwell, e “O boneco de neve”, de Jo Nesbo. “Também tem o caso inverso, de grandes best sellers que acabam despertando o interesse dos estúdios e produtoras para adaptações. Posso dar o exemplo do thriller ‘A paciente silenciosa’, do Alex Michaeldelis, e de um romance brasileiro pelo qual o Murilo Benício se apaixonou e quer adaptar para a TV. Chama-se ‘Tudo é rio’, da mineira Carla Madeira.”

Disputa entre editoras

De acordo com o diretor de marketing do Grupo Editorial Record, a chegada de uma adaptação à TV costuma provocar um crescimento nas vendas dos livros, e, dependendo do sucesso, a curva de vendas pode se estabilizar num patamar bem mais elevado. “E hoje, com o streaming, acaba que essa dinâmica muda, as produções não saem mais de cartaz, ficam por muito tempo”, pontua. Por isso mesmo, ele acrescenta que a editora fica atenta à chegada de produções que possam estar sem distribuição no Brasil e com potencial para chegar a um novo público. “Nosso time editorial está sempre com o radar ligado e conta com scouts estrangeiros, profissionais que nos ajudam nesse monitoramento. Isso acaba gerando disputas com outras editoras em leilões muito concorridos pelos direitos. Sempre fazemos esses ajustes na tiragem e na estratégia de marketing para aproveitar a visibilidade que essas obras ganham.”

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(Re)encontrando novos e antigos fãs

Esse olhar atento das editoras, entretanto, não existiria sem a curiosidade do público, e em particular dos nerds e consumidores de cultura pop. O jornalista Jota Silvestre é um deles. Ele diz que, entre as muitas definições de nerd, uma que gosta muito de usar é “nerd é um curioso”. “Ele gosta da experiência estendida”, afirma. “É o tipo de pessoa que gosta de um filme, um livro, um gibi, uma série, e vai atrás de mais informação, às vezes até do colecionável para materializar aquele gosto.”
Ele acrescenta que esse tipo de cruzamento entre mídias é uma prática comum em sua vida. “Além dessa curiosidade, uma coisa que me move muito é um sentimento de ignorância. Às vezes entro em contato com alguma coisa e percebo o quanto eu conheço pouco daquilo, ou não conheço. Aí, se eu gosto da série, livro ou gibi, eu acabo indo atrás de mais informações.” Foi esse “sentimento de ignorância” que o fez enfim partir para a leitura de “Deuses americanos”, de Neil Gaiman, adaptada pela Prime Video. “Quando soube que a série estava para estrear bateu esse sentimento, ‘conheço o Neil Gaiman dos quadrinhos, o cara escreveu uma porrada de livros e nunca li nenhum livro dele’. Então achei que era uma boa oportunidade. Devorei o livro antes da estreia da série.”

“American Gods” adapta romance de Neil Gaiman e é sucesso no Amazon Prime (Foto: Reprodução)

E como todo bom nerd que se anima quando fala do que gosta, Jota Silvestre lembrou de outras duas produções. Uma é “Lovecraft country”, minissérie da HBO inspirada no livro de Matt Ruff. “Anos atrás saiu uma HQ do Alan Moore aqui no Brasil, ‘Neonomicon’, e ela tinha vários elementos do H. P. Lovecraft. Eu li a HQ, gostei muito, mas percebi que perdi várias referências, nunca tinha lido nada do Lovecraft, e aquilo me bateu. Ouvi podcasts sobre Lovecraft, peguei alguns livros e contos dele; não fiquei saciado, mas pelo menos passei a conhecer o autor”, conta Silvestre, que também foi atrás da obra de Matt Ruff.

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Entre bruxinhas e “buddycops” gays

A chegada das adaptações ao streaming também serve para que o fã retorne a um universo pelo qual já viajou. A roteirista e ilustradora de quadrinhos Germana Viana é influenciada pelas produções para descobrir ou redescobrir os originais. “Estou vendo agora (no momento da entrevista) a ‘The Worst Witch’, que é um negócio leve de assistir, uma história de bruxas que veio muito antes de ‘Harry Potter’, inclusive a transfóbica (no caso, a escritora J. K. Rowling, acusada de transfobia após publicações em uma rede social) copiou bastante esse material, que é da Jill Murphy, uma autora que veio muito antes dela, e é literatura tradicional na Inglaterra”, conta. “Outro material que estou relendo, até para comparar os elementos diferentes, é ‘Deuses americanos’.”
O interesse por uma nova série inspirada em livros pode deixar o fã na mão quando o produto ainda não ganhou edição nacional. É o que aconteceu com Germana ao assistir ao filme chinês “Mestres do Yin-Yang: O sonho da eternidade”, que estreou no catálogo da Netflix no início do mês. “Eu pirei, estou suprindo minha necessidade lendo fanfics, pois o povo é muito rápido (para escrever). É um livro dos anos 80 que nunca foi traduzido para português ou inglês, e fiquei obcecada pela história. São dois ‘buddycops’ dentro daquelas fantasias chinesas, em que o vento bate para um lado e o pano vai para outro, umas lutas bonitas que parecem balé, só que o ‘buddycops’ vira flerte gay em 5 minutos e, a despeito de não haver demonstrações físicas desse amor, não é negado em momento algum. Eu curti pra caramba, achei lindão”, anima-se.

“The Worst Witch” é adaptação de série de livros infantis publicados por Jill Murphy, na Inglaterra, a partir da década de 1970 (Foto: Reprodução)

Se não vai funcionar, por que não mudar?

Quanto à questão da fidelidade em relação ao original, a quadrinista não é das mais exigentes – segundo ela, pelo fato de trabalhar com roteiros e saber que nem tudo que funciona no papel vai funcionar em outro formato. “Para mim, é tranquila a ideia de mudar algumas coisas quando se adapta de uma mídia para outra. Inclusive, já tive experiências em que fui ler o original e era absolutamente superior, mas também já procurei e descobri que era superfraquinho”, pontua. “Tipo ‘Love monkey’, que não era muito famosa mas eu amava a série. Aí fui ler o livro e foi tipo ‘eu raspei as pernas pra isso?’. Parecia uma cópia suave de ‘Alta fidelidade’, e a série era espetacular.”
“Eu gosto quando tem diferenças”, continua. “Gosto de séries com histórias da Agatha Christie, e a (emissora inglesa) ITV mudava alguns finais e não achava nem um pouco ruim, dá até uma segunda experiência para a pessoa. Algumas vezes, se passar do mesmo jeito do livro para o cinema e TV, vai ficar muito chato. Há casos em que vai ficar tão legal quanto, ‘O nome da rosa’ é legal tanto no livro quanto no filme, assim como ‘A insustentável leveza do ser'”.

“Lovecraft Country”, adaptado de obra de Matt Ruff, acendeu um interesse crítico pela obra de H. P. Lovecraft (Foto: Reprodução)

Com vontade de adaptar

O escritor mineiro Tiago Santos-Vieira se diz mais influenciado pelo cinema do que pela própria literatura, e por isso mesmo confessa sofrer do que chama de “megalomania” de ter seu próprio material adaptado pelas telas. “Inclusive adaptei parte de uma das minhas obras num curta-metragem, mas foi um projeto independente. Nesse contexto, quando fico sabendo que algo saiu das páginas para a TV, o cinema ou streaming, me vem uma verdadeira obsessão. Se for algo nacional, então… Sinto que é possível, sabe?”, diz.
“E quero saber tudo sobre a produção: quem adaptou o roteiro, quem dirigiu, como foram as negociações, quem vai atuar, se o autor do livro entrou como produtor, consultor etc. Nessas, claro que adquiro, sim, a obra original, em formato impresso. Cito aqui o ‘Bom dia Verônica’, livro dos colegas do suspense Ilana Casoy e Raphael Montes, recém-adaptado em série para a Netflix.”

“Bom dia Verônica” foi adaptado pela Netflix da obra de Ilana Casoy e Raphael Montes (Foto: Reprodução)

 

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