Pequenos olhos brilhantes acompanham cada movimento dos acrobatas; sorrisos e gargalhadas tomam o espaço com as brincadeiras dos palhaços; os truques de mágica e os motociclistas no “globo da morte” suscitam salvas de palmas – mas daquelas silenciosas, onde levanta-se o braço e gira-se as mãos. Como cantou Aracy de Almeida, “o circo vem aí”, e, dessa vez, adaptado ao público com deficiência e nos espectros autista e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
No último dia 11, o Le Petit Cirque realizou uma sessão especial em Juiz de Fora no Independência Shopping, com diversas modificações no espetáculo para torná-lo inclusivo. A necessidade veio a partir de observações do público durante as apresentações e também da própria vivência de integrantes do circo. Na sessão especial, toda estrutura do circo tem acessibilidade, as luzes são controladas e estáticas, o volume dos sons é reduzido e uma intérprete de libras também se junta à equipe para melhor compreensão de pessoas com deficiência auditiva.
“Muitas famílias iam embora no decorrer do espetáculo com algumas crianças agitadas. Com a experiência que já tínhamos no cotidiano, onde temos algumas crianças que são autistas que vivem no circo, nós percebemos que era por conta dos efeitos visuais, sonoros, de iluminação, e isso, de certa forma, irritava um pouco as crianças pela sensibilidade”, explica Ronaldo Ramito Junior, diretor executivo do Le Petit Cirque. “Nós fomos entendendo um pouquinho da necessidade de cada um e resolvemos tentar. Aos poucos, fomos moldando esse espetáculo.”
Não só a parte estrutural passou por alterações, mas as próprias performances também se adaptaram. Os palhaços, por exemplo, substituíram números que pudessem dar sustos na plateia. As trilhas sonoras que contam com efeitos de impacto também foram trocadas, e as motos usadas no tradicional “globo da morte” também não produziam tanto barulho. De toda forma, antes dessa atração que encerra o espetáculo, o circo avisa o público de que o som pode ser um pouco maior do que estava sendo observado, dando, assim, a oportunidade de alguém se retirar da tenda, caso assim prefira.
“Já tem mais de um ano que a gente vem realizando esses shows em toda cidade que a gente passa e está sendo extraordinário ver o resultado, ver como as crianças ficam felizes e como isso cria um novo mundo na cabeça delas, um mundo mais lúdico e cheio de coisas boas”, diz Junior.
Plateia se diverte com espetáculo
Na plateia do espetáculo adaptado do Le Petit Cirque em Juiz de Fora, estava Raíssa Corni, de 33 anos, que aguardava ansiosamente pelo número dos palhaços. “Quando o Patati e o Patatá estiveram aqui em Juiz de Fora, ela foi e foi bom demais”, contou sua mãe, Walseb Maria Fontes Corni. De acordo com ela, Raíssa – que não tem um diagnóstico exato de sua deficiência, tratada pelos médicos como retardo – sempre procura ter um registro com os artistas de shows que vai. Ao final do espetáculo do circo, não foi diferente. “Eu fico muito feliz. Acho que deveria até ter mais espetáculos assim, porque elas são crianças muito limitadas e não há muitas opções para elas se distraírem”, diz Walseb.
Aos 13 anos, Maria Eduarda de Almeida também acompanhou atentamente cada atração e se divertiu com o espetáculo. Diagnosticada com síndrome de Williams, esta foi a segunda ocasião que foi ao circo. “Ela tem um leve autismo, então não gosta de barulho de fogos de artifício, latido de cachorro e estouro de balão, mas, no circo, a primeira vez que ela veio, ela gostou. Hoje, no entanto, está melhor ainda”, explica a mãe Regiane Carvalho, que celebra a oportunidade de participar de um espetáculo inclusivo. “Achei inovador. A gente briga tanto pela inclusão e eu acho que nunca vi um evento feito dessa forma.”
Fernanda Gonçalves também acompanhava o filho Ricardo Gonçalves, de 31 anos, no Le Petit Cirque. Ele foi adotado há 17 anos e, o que a família sabe, é que, quando bebê, ele teria engolido o líquido amniótico ao nascer, o que resultou em lesões cerebrais. No Centro Especial de Convivência (CEC), que Ricardo faz parte, ele costuma participar de atividades envolvendo música. Fernanda aprovou a proposta do circo de oferecer um show adaptado. “(As pessoas com deficiência) precisam e merecem todo tipo de inclusão social. Todos nós necessitamos de alguma coisa, ninguém vem pronto e preparado pra tudo, então é muito interessante o que o circo fez”, aponta.
‘O circo é lugar de todo mundo’
Dentro do Le Petit Cirque, crianças no espectro autista fazem parte da família sob lona, como é o caso de Arão, de 8 anos, filho do diretor executivo do circo, Ronaldo Ramito Junior. Conforme o representante da companhia, a própria vivência com o circo ajudou o filho em muitas questões, como em relação à sensibilidade com som e luz, e a socialização. O mesmo ocorreu com Lorenzo, de 4 anos, filho de Dannyele Romero, que é acrobata aérea e dançarina no circo. À reportagem, a artista contou que sempre se emociona nas sessões especiais, justamente por entender de perto a importância dessa adaptação, acrescentando que “o circo é lugar de todo mundo”.
“Eu já nasci no circo, sou a terceira geração da minha família e, consecutivamente, o Lorenzo também nasceu. No começo foi meio complicado para ele, porque o circo tem sempre muita gente. Conforme foi passando o tempo, porém, ele foi melhorando a socialização”, conta. “Antes, ele tinha problema com a iluminação, ele tinha medo, não entrava por causa do som muito alto também, mas, hoje em dia, pra ele, é normal e bem tranquilo.”
Como destacado por Junior, diretor executivo do Le Petit Cirque, que tem mais de cem anos de tradição, o circo é uma das mais antigas manifestações de arte de cunho popular, o que ressalta sua importância na formação da identidade cultural. “Muitas crianças deixavam de conhecer essa cultura por conta da sensibilidade, por conta de não se sentirem acolhidas dentro dos circos. Para nós, é importante incluí-las, para conhecer um pouco dessa cultura e fazer parte da formação da identidade cultural também dessas crianças.”