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Batuque Afro-brasileiro Nelson Silva há 58 anos canta a história do povo negro em JF

Nelson Silva
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A maioria dos que hoje compõem o grupo tem mais de 60 anos e, por isso, o Batuque Nelson Silva já vem trabalhando na sua renovação, como forma de preservar a cultura negra e sua missão de contar histórias (Foto: Felipe Couri)

Vê-los ali, em uma outra perspectiva, faz com que, imediatamente, imaginemos o que é o Batuque Afro-brasileiro Nelson Silva para além dele. A história que cada um dos integrantes carrega fez com que eles fossem encaminhados a esse encontro. Noite de quinta-feira (17), no Museu do Crédito Real, não era dia de ensaio, teoricamente. O grupo se reúne às terças, quando passa calma e fortemente as tantas canções deixadas pelo fundador, Nelson Silva, que oficializou o batuque em 1964, cinco anos antes de morrer. É, pois, o grupo mais tradicional da cidade, que veio a se tornar patrimônio imaterial, em 2007, pela importância e por carregar a história e a memória da cultura negra de Juiz de Fora.

Nesta quinta-feira, o Museu do Crédito Real recebia o ator Adelino Benedito, que estava ali para interpretar o Vô Jerê: um velho sábio, neto de escravizados que prefere falar de um passado bonito nas pequenas coisas: na dança da capoeira, no cheiro do fubá, das lições aprendidas. Um contador de histórias mineiro. “É tão difícil contar nossa história”, reflete ele em um momento da apresentação. E conclui: “Mas todos deveriam ouvir”. Ali, sentados, os batuqueiros de Nelson Silva ouviam atentamente o que Vô Jerê contava. Vez ou outra, alguém balançava a cabeça, concordando com o que ele dizia. Dava um riso profundo quando ele se agachava e tinha dificuldade para subir. “É difícil mesmo”, uma senhora disse.

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Um, entre aquelas mais de 10 pessoas representando o batuque, chamava mais atenção. Era um senhor alto. A roupa, inclusive, era semelhante a usada por Vô Jerê: blusa de botão colorida, um blazer e um chapéu preto. Quando o personagem entrou no espaço, entoando um canto, ele prontamente se levantou, em sinal de respeito, e todos os outros que estavam ali do seu lado se levantaram também. Já dava para saber: aquele é Sebastião da Mota, o integrante que a mais tempo compõe o grupo.

A história que é deles

Quando a apresentação vai se acabando, Vô Jerê sai de cena, mais uma vez entoando a canção. As mulheres do batuque começam a decorar o que ele canta e prontamente endossam o coro. Elas, então, partem para tietar Adelino: agradecer pela apresentação, tirar algumas fotos, conversar sobre o que acabaram de assistir. Um pede: “Me ensina a fazer essas coisas”. Outra diz: “A história que ele contou poderia ser minha. Sou neta de escravizados”. Enquanto isso, outros integrantes saem da sala para pegar os instrumentos. É a hora do Batuque Afro-brasileiro Nelson Silva.

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Zélia Lima, relações públicas do grupo, é quem organiza a turma, que geralmente é composta por 18 pessoas, mas, nesse dia, estava em 14. A maioria são mulheres. E ela enfatiza que sempre foi assim: o coro feminino. Zélia, inclusive, assumiu o batuque no lugar de Flavinho da Juventude: importante nome do samba da cidade. Ela está ocupando esse espaço há cerca de 12 anos, além de assumir, também, o lugar dos coros.

Eles estão sem aquelas roupas típicas das apresentações. Afinal, é um ensaio: dois encontros já estão marcados. O primeiro é neste domingo (20), Dia da Consciência Negra, quando se apresentam no Museu Ferroviário, às 16h. O outro é na próxima quarta-feira (23), dia da entrega da Medalha Nelson Silva, que reconhece nomes importantes na difusão, solidificação e produção da cultura negra em Juiz de Fora.

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Um canto forte

Sebastião, então, assume o grupo. Termina de organizá-los nas posições já definidas. Ele na frente de todos. As mulheres à sua frente. Atrás, os homens que tocam os instrumentos: caixas e pandeiro. Sebastião, quase com 80 anos, tem voz forte. Faz os sinais com as mãos de maneira intuitiva para guiar tanto as vozes quanto o ritmo. Mas, para eles, de certa forma, está ali é também intuitivo. Alguns se permitem fechar os olhos e serem guiados, sem sair do compasso. Apesar de terem em mãos as letras das músicas, quase não olham. Sabem de cor as histórias que Nelson Silva deixou no mundo e para o mundo. Todas as viras, as pausas, as mudanças de ritmos – que são muitas – os finais de cada música – tudo é intuitivo, fruto de ensaios e ensaios, mais apresentações e as incontáveis vezes em que viram essas músicas sendo cantadas por outras pessoas que passaram pelo batuque.

O maestro, então, diz forte: “Comigo ninguém pode”, tão grave que a voz quase falha, mas não bambeia. E as mulheres respondem, num coro agudo e igualmente forte. “Grito bem alto: quero liberdade”, diz a música. Assim que termina, todos vão se dissipando, enquanto Zélia fala sobre as próximas apresentações. Sebastião fica: fala sobre como aquele grupo é a tradução da sua história.

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A voz do mais antigo

O então maestro conheceu o grupo quando as chacretes vieram a Juiz de Fora fazer uma apresentação na quadra do Feliz Lembrança. Sebastião já fazia parte de um coral na igreja e, em 1974, entrou de vez no Batuque Afro-brasileiro Nelson Silva. “Eu fui aprendendo o valor disso aqui”, diz. O primeiro maestro foi Nelson Silva. E o atual ocupa esse cargo, hoje, sabendo da importância de estar à frente guiando a voz de um povo. Quando conta sobre sua história no grupo, acaba falando mais de Nelson Silva: “Ele criou o grupo para contar a história do povo negro em contexto nacional e internacional”.

Sebastião analisa que Nelson Silva escreveu para todo calendário: para cada data, existe uma música. Ele cita as mais conhecidas: “Liberdade”, “Maculelê” e “Exaltação dos heróis”. “Nelson escreveu muito. É um material didático que a gente tem. Essas mensagens que ele deixou são para todos os tempos, tanto de voz quanto de dança. A música dele é diferente. Algumas têm dois, três ritmos juntos. É música de peso”, enfatiza. A voz dele ainda pode ser ouvida na Igreja do Rosário. Mesmo que tantas músicas tenham sido compostas para terreiro de umbanda, uma coisa não anula a outra. “A gente tem que ter consciência do que está fazendo. Eu me identifico com o batuque e as músicas e valorizo tanto a parte cultural quanto a religiosa.”

A maioria dos que hoje compõem o grupo tem mais de 60 anos. “Nós não somos eternos”, ressalta um deles. É importante pensar na renovação do grupo: novos rostos a continuar dando sentido ao que Nelson Silva escreveu e contou. É um trabalho que Zélia vem cultivando, entendendo o que é o batuque hoje: as diferenças e continuidades. Pensar nisso é pensar na preservação de uma cultura, um patrimônio-retrato que tem na voz a missão de contar histórias.

 

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