É tarefa complicada imaginar, nos dias atuais, a importância que o rádio teve na vida das pessoas décadas atrás, principalmente quando não havia televisão, internet, telefone celular, computador, streaming, videocassete, aparelho de DVD, walkman e tantas maravilhas tecnológicas que estão por aí ou já viraram peça de museu. Talvez quem já tenha visitado os estúdios de algumas das antigas emissoras, como a finada Rádio MEC ou a outrora poderosa Rádio Nacional, pode ter uma noção desse poder, com seus estúdios que precisavam abrigar orquestras, plateia, palco para os artistas se apresentarem.
Ou, com sorte, conhecer alguém que vive essa época áurea e tenha muitas histórias para contar. Este é o caso da cantora Anna Cláudia, que além de ouvinte radiofônica tinha na mãe uma saudosista do período, fã incondicional de Emilinha Borba. E que de tanto ouvir essas histórias, conhecer os artistas, músicas, resolveu tocar um projeto que resgata as memórias da Era do Rádio. O resultado é o espetáculo musical “Anna Cláudia – Memórias do Rádio”, que tem apresentação neste sábado (21), às 19h30, no Teatro Paschoal Carlos, em uma das datas do edital de ocupação do espaço.
Acompanhada no palco pelos músicos Amanda Martins (flauta), Haroldo Lobo (percussão), Hugo Schettino (violão), Ângelo Goulart (bateria) e Marcelo Castro (baixo), Anna Cláudia vai interpretar clássicos radiofônicos da era de ouro em um repertório diversificado, característico da época, como samba, baião, bolero, que se consagraram na época graças a essa difusão nas grandes emissoras. Entre as músicas, histórias e curiosidades sobre artistas, compositores e canções.
“Infelizmente não dá para colocar todas as músicas, mas teremos ‘Que será”, um sucesso na voz de Dalva de Oliveira; ‘Trepa no coqueiro’, um baião que ficou famoso cantado por Carmélia Alves, que junto com Luiz Gonzaga ajudou na divulgação do gênero; ‘Rainha do mar’, um samba que ajudou na projeção do nome do Dorival Caymmi; e ‘Cantoras do rádio’, cantada por Carmen e Aurora Miranda, que se tornou o hino das cantoras de rádio”, antecipa Anna. “Tem ainda uma importância histórica por resgatar nomes que ficaram esquecidos com o tempo.”
Projeto surgiu em 2017
A ligação com esse universo veio por parte da mãe da artista em sua terra natal, Caxambu, que era fã da cantora Emilinha, que no período áureo do rádio rivalizava com Marlene pelo posto de Rainha do Rádio. “Ela relatava esses momentos da juventude, e, ao pesquisar, vi que a geração dela acompanhava fielmente os ídolos, comprava todas as revistas, consumia muitas revistas do rádio, tinha uma relação passional. Minha mãe deixava de sair, namorar, passear, para ouvir os programas, que na época eram todos ao vivo, uma coisa fantástica”, conta Anna Cláudia.
Depois de ter cantado em algumas bandas e ter dado uma pausa no ofício, Anna Cláudia decidiu voltar em 2017, agora como cantora solo, e resolveu que o projeto seria o “Memórias do rádio”. O primeiro ensaio e a pré-produção tiveram início no mesmo ano, mas aí veio uma gravidez, a pausa para cuidar da filha, e os ensaios para completar o repertório foram retomados apenas em 2019. Além da inspiração materna, outro motivo para fazer um tributo ao período vem do desafio em si.
“Os cantores do rádio tinham uma capacidade técnica numa época em que havia poucos recursos técnicos, o que ajuda a explicar a voz empostada. É a oportunidade de conciliar vários estilos vocais e gêneros musicais, ao mesmo tempo um desafio e uma grande responsabilidade”, diz. Mas não bastava apenas reunir uma dúzia de músicas da época para o show. Anna Cláudia observa que a preparação também contou com trabalho de pesquisa em várias fontes. “Busquei alguns livros de referência, como o do (escritor e jornalista) Sergio Cabral (“A MPB na era do rádio”), mas também na própria internet, revistas, áudios antigos. Há muita coisa disponível, às vezes anteriores à época que eu imaginava, gente que não tem o devido reconhecimento. Assim, as músicas foram entrando no repertório a fim de contemplar vários ritmos e gêneros, ser o mais fiel possível ao período. Não dá para abarcar tudo, colocar todos os artistas, mas esperamos que o público se sinta contemplado de alguma forma. Quem sabe coloquemos outras músicas caso o projeto ganhe vida longa.”
Quanto ao público, Anna sabe que muitas gerações são nascidas após o auge do rádio brasileiro. Por isso, ela torce por um público mais jovem na apresentação no Paschoal Carlos Magno, uma vez que o show é uma forma de tentar preservar esse legado. “O projeto pode ser uma semente a sensibilizar e tocar essas gerações que não viveram a era de ouro do rádio”, torce. “Hoje vivemos a era da informação, então pode ser que as pessoas, a partir desse contato, tenham interesse em pesquisar e procurar conhecer esses nomes e músicas; pode ser que se identifiquem com algo, seja um estilo, ritmo ou cantor, pode ser que vejam um pouco de si neles.”
Rádio ontem, hoje e sempre
Além das histórias da mãe, Anna Cláudia diz que era ouvinte fiel da única emissora que havia – e ainda existe – em Caxambu. “Sou da geração dos anos 80, que não tinha acesso à internet, então ouvia muito rádio, que tinha uma programação musical bem diversificada e permitiu o contato com vários estilos, estar aberta a eles e não ter preconceitos. E tinha aquela coisa de pedir música, dedicar a outras pessoas, além do papel social numa cidade pequena, de utilidade pública”, relembra, acrescentando que mantém o hábito até hoje, mas com preferência por uma programação “mais retrô, em que toca de tudo, além do que gosto de ouvir”.
Quanto à situação do rádio hoje, que perdeu ainda mais espaço por conta da concorrência com a internet (com web rádios, podcasts e aplicativos que permitem ouvir emissoras de qualquer parte do globo), a cantora acredita que algumas já conseguiram se reinventar, aproveitar a transmissão on-line, porém sem a relevância de antigamente. “Não sei se contempla tanto o público jovem, mas acho que o público mais antigo continua ouvindo. E ainda tem um papel social muito importante para muitas comunidades. Não sei como ela poderia conquistar as novas gerações, mas é importante sua existência para manter esses serviços de utilidade pública. O rádio não é mais protagonista, porém tem ainda seu espaço.”
Memórias do Rádio
Neste sábado (21), às 19h30, no Teatro Paschoal Carlos Magno (Rua Gilberto de Alencar s/nº – Centro).