Passaram-se exatos 230 dias desde a posse da nova gestão da Funalfa, fundação responsável pela política cultural do município. Somam-se os dias e subtraem-se as cifras. Em um ano de retrações, os números ainda não permitiram que o atual superintendente Rômulo Veiga expanda todas as suas ideias. Sente-se frustrado? “Se eu perder energia me frustrando, talvez não consiga executar política pública. Evidentemente que, quando assumi, não estava alienado à situação nacional. Mas a dinâmica econômica é cíclica e, quando atravessa grandes momentos de recessão, tem sempre um ano que as pessoas chamam de milagre econômico. Espero que 2018 seja esse cenário. Porque não existe política pública que não ande em paralelo com política econômica”, responde, apontando para uma cena mais ampla.
“Infelizmente, no Brasil, os setores que vêm perdendo mais são os que poderiam construir soluções melhores, que é a cultura e a ciência e tecnologia”, lamenta, para, em seguida, complementar a resposta: “Voltando à pergunta, do ponto de vista prático, talvez fique frustrado, sim. É evidente que todos nós temos vaidades, e talvez eu fique conhecido como o superintendente da recessão, infelizmente. Mas quando me preparei para o debate, comecei a refletir sobre qual gasto vai ser, de fato, prioritário para a cultura. Faço o tempo todo essa pergunta aos artistas. Qual é a prioridade? Uma crítica que faço é ao fato de não termos estatísticas para elencar prioridades.”
Festivais mantidos, apoios cortados
Todo 19 de agosto é celebrado o Dia Internacional da Fotografia, e, desde 2011, Juiz de Fora prepara um festival específico para a expressão. Neste dia 19 o evento não apareceu. Atrasou-se. Está mantido na agenda de eventos da Funalfa, contudo. A data para a abertura das exposições ainda não foi definida. Casa dos trabalhos desde o surgimento do projeto, as dependências do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas completam um ano em outubro vazias, vitimadas pela orientação do Corpo de Bombeiros de que o espaço tivesse seu acesso limitado até que a obtenção do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) de todo o complexo. Em caráter de exceção, apenas duas mostras ocupam o centro cultural, uma da Semana Rainbow da UFJF, em cartaz até este domingo, e a tradicional “Professor também faz arte”, em outubro.
“Vamos ter Festival Nacional de Teatro, festival de dança, o JF Foto 17, o mês da consciência negra e folia de reis. Esses eventos pontuais, que são de fontes condicionadas e dependem da receita do município foram confirmados”, afirma o superintendente Rômulo Veiga. “Houve redução de 29% dos eventos, por isso decidi, em vez de reduzir linearmente, cancelar alguns deles. Dentro disso, também está a cessão de equipamento de som e banheiro químico para eventos, onde houve o maior corte que fiz.
A Funalfa é constantemente procurada, recebo 86 pedidos de apoio semanais para montagem de palcos e coisas do gênero, seja para bairros ou para a zona rural. Este ano estamos mais restritivos e no segundo semestre praticamente não vamos ceder equipamentos. Incentivo financeiro, que era comum, foi a zero”, completa ele, pontuando, ainda, que a fundação não repôs funcionários, sejam os que se aposentaram, sejam terceirizados que pediram demissão.
Entre os cancelamentos, estão o projeto Estação da Música, edital de apresentação em praça pública, o Seminário do Patrimônio, a Festa das Etnias, o Mês da Criança e o Festival Amigos do Trem. “Tínhamos uma verba alocada para pequenas reformas de edificações públicas tombadas, mas deixamos para fazer no ano que vem. Não há nada grave que exija uma intervenção agora”, acrescenta o superintendente, que já apresentou seu plano de contingenciamento para o segundo semestre. “Teve evento que se manteve, mas, ainda assim, é uma redução, porque se mantivemos a verba do ano passado, será preciso fazer o dinheiro valer mais. O ideal seria sempre crescer, até para fazer reduções inflacionárias, mas não vai ser possível nesse ano”, reconhece.
“Inclusive, temos setores da Funalfa trabalhando com escala reduzida, como o departamento operacional. Embora tenhamos equipamentos, temos gastos com manutenção, estocagem e montagem.”
Lei Murilo Mendes aguarda confirmação
Em declínio financeiro desde 2015, quando passou de R$ 1 milhão a R$ 850 mil, a Lei Murilo Mendes, principal mecanismo de incentivo cultural da cidade está ameaçada em 2017. “Não foi confirmada, de fato, mas também não foi cancelada a Lei Murilo Mendes. Há, sim, previsão para fazer essa edição. Hoje trabalhamos com um pouco mais de cautela para lançar o edital por conta de uma análise interna, que suscitou alguns debates nos fóruns de que a lei precisa ser reformatada, e precisamos definir o valor. Ela pode acontecer com um valor tradicional, de R$ 1 milhão, com um valor menor, como foi no ano passado (R$ 750 mil), ou ainda menor. Quem passa esse valor é a Secretaria da Fazenda”, anuncia Rômulo Veiga, pontuando a necessidade de adequar o edital à Lei federal nº 13.019, que regimenta as parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil.
“A Lei Murilo Mendes é uma sinalização. Quando tem uma sociedade que vive em choque, como hoje, quando se faz carnaval, por exemplo, vai ter quem diga que deveria estar gastando com saúde e educação. Por outro lado, quando faz o que o Crivella fez, cortou o apoio aos desfiles, o que acho errado, vai ter quem diga que o carnaval é capilaridade, resgate de identidade comunitária e um dos poucos produtos que nasceu na favela e continua na favela. Se a Lei Murilo Mendes for de R$ 1 milhão vai sinalizar alguma coisa para a sociedade, não só para a classe artística. Se for de R$ 750 mil vai sinalizar outra coisa”, reconhece o superintendente, defendendo, ainda, a urgência de revisão do mecanismo, há mais de 20 anos seguindo os mesmos parâmetros.
Regras que, por sua vez, permitiram que 52 projetos sejam, hoje, considerados inadimplentes. Compreendido num universo de cerca de mil projetos aprovados, os 52 podem parecer pouco, mas, se considerado como média de aprovação anual, representa um ano de projetos sem finalização ou sem prestação de contas.
“Faço um questionamento: É mais interessante ter mais um ano de lei ou ter um censo cultural? A lei deveria traduzir o mapeamento cultural da cidade”, reflete o gestor, apontando para uma deficiência cujo reparo está previsto no Plano Municipal de Cultura, bem como o crescente investimento em cultura no município, o que só se realiza se forem, estranhamente, acrescidos os orçamentos das obras de restauração do Museu Mariano Procópio e de construção do Teatro Paschoal Carlos Magno. Cada dia mais utópico, o plano recebido com esperanças pela classe artística indica um cenário de somatórios, no qual o censo cultural conviveria harmonicamente com propostas já realizadas, sem condicionais.
Criada em 1994 e aplicada, pela primeira vez, em 1995, a Lei Murilo Mendes foi interrompida por três anos (em 1998, 2000 e 2008). O montante partilhado por 47 projetos no ano passado, R$ 750 mil, foi o menor desde 2005, sendo que em 2014 o mecanismo chegou a seu ápice, aprovando 34,5% dos inscritos, que dividiram R$ 1,1 milhão, segundo maior valor de sua história.
Qual é a prioridade? “Posso, por exemplo, passar a lei para o início do primeiro semestre do ano que vem, porque aí teria uma arrecadação alta para garantir o repasse da lei, ou posso manter neste ano”, pondera o superintendente, afirmando ter que aguardar até setembro, quando todas as secretarias terão entregado seus planos de contingenciamentos. “Tem uma pressão em algumas pastas que pode consumir a receita e inviabilizar a lei. Hoje ela não está inviabilizada, há previsão orçamentária a se confirmar em setembro.”
Teatro Paschoal Carlos Magno abre em dezembro
Com o forro do interior do teatro já instalado, o Teatro Paschoal Carlos Magno assemelha-se, neste momento, muito mais com um espaço de cultura do que com um disforme canteiro de obras. Está em fase de acabamento, faltam-lhe os carpetes nas paredes e no chão, conferindo a acústica necessária, além da instalação de cadeiras e equipamentos eletrônicos. “Banheiros estão prontos, o restaurante-bar está pronto, faltam fechamentos de vidro, só detalhes”, garante o superintendente da Funalfa Rômulo Veiga.
“A previsão é que ele esteja concluído no final de novembro. Por isso queremos que a abertura do Festival de Teatro aconteça lá para começar a significar esse espaço para a comunidade. Trabalhamos com o festival na segunda semana de dezembro. Vai atrasar um pouco o festival (tradicionalmente realizado em outubro), mas vamos conciliar, e já poderemos reverter o dinheiro de aluguel de um teatro para oficinas ou trazendo espetáculos”, explica o gestor, confiante numa agenda milimetricamente ajustada.
Captação de recursos é única via
A prioridade para Rômulo Veiga, mais uma vez, é apostar na captação de recursos para as atividades da fundação. Transferência para ganhar liberdade. Os desfiles de escolas de samba no carnaval, por exemplo, para o atual cenário, segundo ele, é inviável se considerada a Prefeitura como única financiadora. “Temos um projeto aprovado no Ministério da Cultura e já estamos conversando com alguns interessados. A longo prazo, a perspectiva é que alguns eventos estejam emancipados”, revela.
“Acho que vamos virar o ano captando. O entrave hoje é gerar nos empresários locais a percepção de valor de apoio aos projetos culturais”, afirma ele, que implantou, logo em sua chegada, um departamento específico para a criação de projetos. Como caminho para que a cultura seja reconhecida enquanto potencial setor econômico em Juiz de Fora, Rômulo Veiga defende um contato direto com todos os sujeitos dessa trama: “Muitos contadores, às vezes por desconhecimento ou por um momento que deu errado quando a lei não era tão sofisticada quanto hoje, aconselham seus clientes a não fazerem a operação. A gente tem que trazer pessoas com notório conhecimento na área para fazer um fórum para os contadores.”