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Lei Murilo Mendes é cancelada esse ano

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Depósito da Lei Murilo Mendes aponta distorções do mecanismo, como má distribuição da verba em áreas e ausência de programa de distribuição. (Foto: Felipe Couri)

Faltam 74 dias para o término de 2017 e faltará a Lei Murilo Mendes no ano já marcado por silêncios e esvaziamentos de canto a canto na cultura local. O anúncio feito pela Funalfa confirma suspeitas que já se arrastavam desde agosto, para quando era aguardado o edital. “Conversei com a classe artística, é preciso fazer alterações na lei. Para esse ano, não daria tempo, do ponto de vista prático e também do ponto de vista financeiro”, afirma o superintendente da instituição Rômulo Veiga. Este é o quarto cancelamento do edital, que também não aconteceu em 1998, 2000 e 2008. “Sei que não é o ideal, não vou vender essa ideia, porque o melhor seria que ela saísse em outubro, para não perder a periodicidade de um ano, mas estamos próximos do ideal”, comenta, anunciando a transferência do mecanismo para o primeiro semestre.

“A ideia é ter o edital pronto no final de fevereiro ou início de março, para ter o resultado no aniversário da cidade, como era originalmente pensado. O edital saía no aniversário, como um presente para a classe artística. Acho mais relevante que saia a lista de aprovados. Do ponto de vista estratégico, é mais interessante trabalhar com esses empenhos condicionados no início do ano, quando tem um fôlego financeiro maior na Prefeitura. A transferência é feita quando sai o edital. Vai para o Fundo Municipal de Cultura, parte da verba paga os custos do processo, e depois paga as parcelas. Por isso é importante ser no primeiro semestre, porque no segundo semestre já fica mais difícil ter esse montante disponível”, explica Rômulo. “A ideia é pagar as primeiras parcelas em maio ou junho, para as pessoas já executarem os projetos no ano que vem.” O edital de 2016, segundo pontua o gestor de cultura, teve os contratos assinados após o carnaval de 2017, com a verba liberada após o primeiro trimestre.

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Menor que o valor praticado em 2014, de R$ 1,1 milhão e maior que o de 2016, de R$ 750 mil, o montante para 2018 aguarda definição orçamentária para que seja definido. “Perdemos poder de compra com a lei, mas será acima de R$ 800 mil e dificilmente chegará a R$ 1 milhão. O ideal seria expandir, mas precisamos criar uma política econômica para o Fundo Municipal de Cultura”, alerta Rômulo, citando a oportunidade para que, durante os próximos quatro meses, um novo edital seja projetado.

“Há uma corrente que acha que tem que fazer a Lei Murilo Mendes do jeito que ela é, só para garantir o ano. Eu sou completamente contra, porque se você tem ciência de que aquilo está errado, como você abraça e faz, custe o que custar? É dinheiro público! Sabemos que o dinheiro está sendo distribuído de forma desigual, que não há orientação de política pública muito clara e que ela precisa ser atualizada. Não estou falando que ela é ruim, até porque já fui contemplado, mas está muito claro para todo mundo que ela tem distorções até bem injustas”, diz. “O que eles alegam, porém, é que se a gente assume que tem problemas e não vai fazer esse ano, acaba passando a ideia de que a lei pode ser descartada. Nisso, eles têm razão. Por isso a ideia de antecipar e garantir o edital no início do ano que vem, apaziguando a insegurança de que ela pode não ocorrer.”

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Artistas definirão critérios para seus segmentos

Passadas diferentes reuniões com cada segmento da classe artística representado no Conselho Municipal de Cultura, em que foram apresentadas 35 lâminas de um PDF contendo os números das últimas sete edições da Lei Murilo Mendes, o superintendente Rômulo Veiga defende que “o maior problema é não só a divisão financeira, como, também, a injustiça de criar critérios únicos para áreas tão distintas. A primeira tarefa é elencar os critérios de cada segmento.” Como exemplo, toma a literatura e a grande participação de obras acadêmicas em detrimento das produções artísticas. “A literatura acadêmica precisa ser escoada, prioritariamente, no segmento acadêmico. E a Murilo Mendes tem outra lógica, de democratização do acesso. A área, então, tem a liberdade de eleger os próprios critérios”, pontua o gestor, certo de que em outras áreas, porém, como o patrimônio, a grande maioria dos trabalhos advém de pesquisas, o que pode ser mantido.

Dentre as modificações no próximo edital, também está o fatiamento do montante por áreas, sendo que segmentos como o audiovisual podem ter dois tetos distintos, para grandes e complexas produções e outro para produções mais modestas. “Quero que cada área tenha um percentual para oficinas”, sugere Rômulo, certo de que o caráter formador é preponderante para que a própria Lei se alimente de um panorama distinto no futuro. “Sei que o edital não vai ser perfeito. Falamos de uma regra de transição. Até porque um censo cultural pode aperfeiçoar”, alerta. “A produção cultural da cidade ou é independente ou é escorada no município. Realmente, a Lei Murilo Mendes não acontecer esse ano dará um hiato de produção, mas será de meses”, comenta, pontuando a existência de projetos de 2016 e 2015 a serem lançados ainda.

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Os formatos finais dos projetos aprovados pela Murilo Mendes, há alguns anos discutidos, também deverão sofrer atualizações. “Literatura, por exemplo, não tem estratégica para e-book. Na verdade, e-book é bem diferente do livro físico, não tem como comparar para fazer fomento direto, são estratégias e execuções diferentes, com tetos distintos, mas o simples fato de não ter estratégia mostra que estamos atrasados nesse processo. A Murilo Mendes não tem potência artística para prover o artista de maneira que ele vive de sua arte. A ideia é que impulsione o início de uma carreira e que depois exista um horizonte de perspectivas.

E que a própria lei tenha um horizonte dentro dela, o que não é a realidade. Mas ela deveria exigir nos projetos, estratégias de divulgação e escoamento de produtos. É muito mais interessante eu ter um e-book que atinja 2.000 pessoas do que imprimir 500 livros. É muito mais interessante ter um filme rodando em festivais do que ter 200 ou 300 DVDs. Muito mais importante ter uma estratégia de Deezer, Spotify e Amazon para os artistas locais, com impulsionamento, do que printar um CD na zona franca de Manaus. Nesse sentido a lei é bem caduca em relação aos produtos físicos. Cultura é bem imaterial e pede ampla circulação”, analisa o superintendente.

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A distribuição, calcanhar de Aquiles da lei de incentivo cultural municipal, portanto, sofrerá os reflexos da atualização. Basta uma olhadela no depósito da Lei, no Prédio da Funalfa, para se certificar da ausência de estratégias de disseminação dos trabalhos. “A ideia de produzir é escoar e não guardar como memória afetiva ou peça de museu”, alerta Rômulo Veiga, convencido de que o próprio mecanismo exige ganhar outra amplitude. “A Lei Murilo Mendes chega em 5% da classe artística. Muitos projetos têm reincidência de artistas, e há inúmeros outros que não enxergamos e para os quais não conseguimos fazer política pública. A ideia dos fóruns é que tenham vida, problematizando questões de cada segmento, para que a Funalfa se articule para resolver os problemas”, defende.

“A médio e a longo prazo, o desejo é não só manter a Lei Murilo Mendes, mas começar a ativar engrenagens de fomento direto, de produção, de público. O modelo ideal de negócio para cultura precisa de um tripé, precisa de investimento público na formação, patrocínios (interação entre empresa e sociedade) e rentabilidade mínima do próprio produto. Em Juiz de Fora, a exceção de alguns, a maioria dos artistas tem grande dificuldade de contar com o público ou a venda de seus produtos. É interessante porque democratiza, mas ruim para o artista, porque não gera valor. Se a cultura cria valores, tem valor e pode ser consumida.”

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