O cotidiano em meio à pobreza é duro, e pode ser ainda pior para a mulher. É o que mostra o drama “Baronesa”, primeiro longa da diretora Juliana Antunes, que estará nesta terça-feira (19), em Juiz de Fora, para um debate após a sessão das 20h no Cinemais Alameda. A mediação será da diretora e produtora Marília Lima, também uma das organizadoras do Festival Primeiro Plano.
A história de “Baronesa” gira em torno de duas mulheres que moram em um bairro pobre na periferia de Belo Horizonte, que vive a expectativa de uma guerra entre traficantes. Uma delas (Andreia Pereira de Sousa) tem planos de sair o mais breve possível da localidade e, para isso, constrói a própria casa, enquanto a outra (Leidiane Ferreira) espera o retorno do marido, que cumpre pena na prisão, ao lado dos filhos. A produção já ganhou alguns prêmios, como a Mostra Aurora na edição 2017 do Festival de Tiradentes, e três prêmios – entre eles o de melhor filme – no 28º FIDMarseille, na França. Em entrevista por e-mail para a Tribuna, Juliana Antunes fala sobre o processo de criação do filme e as dificuldades encontradas durante as filmagens, entre outros temas.
Tribuna – “Baronesa” é centrado no cotidiano de duas personagens da periferia de uma grande cidade, no caso Belo Horizonte. De que forma pessoas de outras realidades, classes sociais/econômicas, podem se identificar com a história e as personagens?
Juliana Antunes – “Baronesa” é uma produção híbrida, que considero ser mais ficção que documental. É protagonizado por duas atrizes que não são reconhecidas como tais porque não tiveram oportunidade, mas são talentosas. Falamos de temas caros à sociedade, que envolvem todos, e que são perceptíveis a todos ao redor.
Ao se mudar de Itaúna (sua terra natal) para Belo Horizonte, a quantidade de bairros com nomes femininos, muitos de periferia, fizeram com que você decidisse criar a história de “Baronesa”. Quais as diferenças mais marcantes entre o cotidiano que encontrou nesses bairros em relação à localidade para qual se mudou na capital, e principalmente em relação à sua terra de origem?
Morar na periferia, sobretudo uma em guerra de traficantes, nos mostra outra realidade, de um Brasil que está caminhando cada vez mais para isso depois do golpe. Viver com pessoas em situações limítrofes é uma experiência diferente. Isso deslocou minha rotina, foram seis anos que passei com a Andreia, a Leidiane (as protagonistas). É uma necessidade urgente entender outras realidades para construir uma sociedade melhor, sobretudo nesse momento que estamos vivendo, em que todos os direitos estão sendo retirados, principalmente dos mais pobres. O massacre dos anos 90 contra os pobres está voltando. Conviver com essas mulheres sem estereótipos, sem uma mentalidade burguesa, é muito importante.
Como se deu o processo de criação do roteiro, e quanto tempo entre a ideia e finalização do longa?
Foram dois anos de pesquisa, em que visitamos 35 bairros. No final filmamos apenas em três, Juliana, Vila Mariquinha e Jaqueline. Tinha o roteiro pré-definido, mas fomos mudando no set por vários motivos, com uma equipe reduzida, a maioria de mulheres. Foram geradas 60 horas de material, e nisso preciso agradecer ao Afonso Uchoa, diretor de “Arábia”, que se debruçou sobre o material, fez um trabalho de agulha no palheiro para chegarmos a 15 horas brutas, que renderiam vários filmes diferentes. Foi um processo de imersão não só nessa realidade, mas também na ilha de edição. E nunca filmamos no Baronesa, que é uma ocupação urbana em Belo Horizonte. O que ajuda o filme a ter essa característica de misturar realidade com ficção, que considero o mais interessante.
A produção tem um elenco com atrizes sem experiência prévia. Como se deu a aproximação com essas pessoas? Foi difícil “vender” a ideia do longa?
Passei por vários salões de beleza nesses bairros à procura dessas mulheres. Quando encontramos a Andreia, ela não queria fazer o filme, mas depois topou. Achava que éramos policiais infiltrados, mas insistimos, falamos para ela do que se tratava, começamos a filmar e aconteceu. Entendo que ela tenha ficado nervosa. Mas foi um processo conjunto, tanto para quem filmava quanto para o elenco. Eram atrizes que não estudaram teatro, que interpretam a si mesmas, e, com o tempo, criamos uma relação, algo que só se consegue assim.
Quais os maiores desafios de realizar uma produção com poucos recursos, elenco sem experiência prévia, estrelado por mulheres e tendo como cenário uma região com tantos problemas?
Sobre as mulheres não foi um desafio. Eram não-atrizes, uma não-diretora, não-profissionais; foi a primeira vez de todo mundo, e isso fez o “Baronesa” ser o que ele é. Além disso, filmar com orçamento de R$ 50 mil foi um desafio imenso, mas contei com o apoio de muita gente para não desistir. Também tivemos dificuldade com a autorização de pais, maridos, muitos não permitiram; ainda vivemos em uma sociedade patriarcal. Se no meu universo de classe média é difícil, no delas é mais complicado ainda. E a montagem foi um grande desafio, foram 60 horas de filmagens. Por fim, o confronto do tráfico, a guerra de comunidades, mudou os rumos do projeto. A gente estava à mercê disso, assim como todas elas.