De espectador frequente a aprovado na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (USP). Essa é a trajetória de Pedro Henrique Almeida Severino, de 23 anos, jovem morador do Bairro Dom Bosco, que conheceu o teatro por meio do projeto “Escola de Espectador”, realizado pelo Grupo Divulgação. Quando isso aconteceu, ele ainda era criança e se apaixonou pelas artes cênicas, fazendo delas seu objetivo de vida. Hoje, ele está entre os 20 aprovados para a Escola de Arte Dramática da USP, uma das maiores universidades públicas do Brasil. Contar a história desse estudante, que se junta à história do “Escola de Espectador”, é como a Tribuna celebra o Dia Mundial do Teatro para a Infância e Juventude, comemorado nesta segunda-feira (20).
Ainda menino, Pedro já havia encontrado aquilo que fazia seus olhos brilharem: queria ser ator. A partir dessa vontade, ele e sua mãe, Eloane Almeida Severino, começaram a buscar cursos, oficinas e projetos de teatro. Na época, os cursos que eram ofertados tinham um valor alto e, na procura por uma boa oportunidade, encontraram uma oficina de teatro no Projeto Social Grupo Espírita Semente, localizado no bairro onde ele morava antes de se mudar para São Paulo. Pouco tempo depois, essa oficina terminou. Mas ele sempre buscava participar de apresentações artísticas, como por exemplo, na Escola Municipal Santa Catarina Labouré, onde estudou.
Nesse caminho, Pedro encontrou muitas adversidades, e a maior delas foi o racismo: “Uma pessoa já chegou para mim e falou: ‘você não pode fazer teatro por causa da sua cor’. Não tem gente igual a você lá.” Ao ouvir essa frase, ele começou a perceber aquilo que nunca tinha reparado. “Realmente faltavam pessoas pretas no teatro, na televisão e nos filmes. Assim, ao mesmo tempo, eu fui criando uma consciência racial e comecei a me olhar de forma diferente no espelho.” Por causa disso, mesmo sendo criança, começou a acreditar que, pela sua cor da pele, não poderia fazer determinadas coisas – tão pouco realizar seu maior sonho.
Uma nova chance
Em outubro de 2021, já com 21 anos de idade, Pedro se deu uma nova chance de acreditar que o palco seria o seu lugar. Ele se inscreveu no curso de teatro O Tablado, no Rio de Janeiro, na modalidade a distância e, em dezembro, com a flexibilização das medidas de segurança na pandemia, se mudou para a Sala de Giz, que oferece cursos de teatro, em Juiz de Fora.
Mas ele não parou por aí. Em setembro de 2022, o Grupo Divulgação realizou a abertura das inscrições para um curso chamado Mergulhão Teatral e, vendo isso como uma grande oportunidade, Pedro se inscreveu. Mais uma vez, essa companhia teatral entra em seu caminho, só que, desta vez, trazendo um novo ângulo para o seu olhar: ele estaria no palco.
No final daquele mês, o Mergulhão Teatral teve o seu encerramento com a encenação do espetáculo “Voto Vendido é Voto Traído”, de José Luiz Ribeiro. Na peça, Pedro atuou como um político que barganhava e se aproveitava da estrutura de órgãos públicos para ‘sair por cima’ de determinadas situações. Quando questionado sobre qual foi a sensação de estar naquele palco, ele definiu como uma “experiência transformadora misturada ao sentimento de medo”, enquanto se lembrava de todas as vezes que assistiu aos espetáculos do Divulgação quando era criança, questionando-se se daria conta de realizar a peça.
O teatro é para o povo
Pedro acredita que o teatro é mais do que um ofício criado para aqueles que já conhecem essa arte, que não deve ser vista como inacessível. “O teatro não deve ficar guardado apenas para pessoas cultas. Deve ser levado para a rua, pois também é algo que faz as pessoas sonharem.”
Para o jovem ator, o projeto “Escola de Espectador”, onde sua paixão pelo teatro teve início, funciona como um desses canais de pulverização da arte teatral. “Também é da minha vontade levar essa arte para outras comunidades, assim como para a minha. Tem muito talento e potência nesses bairros e comunidades. Isso dá a oportunidade para as crianças terem sonhos e serem o que elas quiserem.”
Ele conta também sobre como foi a sua experiência ao descobrir que foi aprovado na Escola de Arte Dramática: “Quando eu disse que ia fazer teatro, muitas pessoas, tanto no meu bairro como nas redes sociais, vieram me dizer sobre como isso era inspirador”. Ele ainda recebeu depoimentos de pessoas que diziam sobre como elas estavam “tão focadas em CLT (leis de trabalho) e em se manterem, financeiramente, que acabaram esquecendo de seus próprios sonhos.”
Nascimento do Escola de Espectador
O Centro de Estudos Teatrais – Grupo Divulgação (CET) é um núcleo de ensino, pesquisa e extensão em artes cênicas, que nasceu há 56 anos por meio de um grupo de teatro universitário, na antiga Faculdade de Filosofia e Letras da UFJF.
Em 1972, após seis anos da criação do CET, a Faculdade de Direito da UFJF (localizado no atual Forum da Cultura) foi transferida para um núcleo na própria Universidade. Como o imóvel, na Rua Santo Antônio, ficaria desocupado, o professor Gilson Salomão teve a ideia de transformar o lugar em um espaço para entidades culturais.
Naquele momento, José Luiz Ribeiro, que atualmente é Doutor em Comunicação, Mestre em Artes Cênicas e Diretor do Grupo Divulgação, solicitou a transformação do Salão Nobre da antiga faculdade em um teatro para que o grupo que dirigia tivesse um lugar para se apresentar. Já com uma ideia de construção de palco ‘na manga’, José Luiz e Gilson Salomão iniciaram a reforma, e o Grupo Divulgação finalmente ganhou uma casa para as suas apresentações.
No ano de 1985, a companhia deu início ao projeto “Escola de Espectador”. A iniciativa oferece aos alunos de escolas públicas e grupos comunitários de Juiz de Fora entradas gratuitas para os espetáculos do Grupo Divulgação.
“Ele (o projeto) nasceu quando o Grupo pensou em fazer espetáculos para um público popular. A gente falava em ‘levar cultura ao povo’. Era muita pretensão, né? Porque o povo já tinha uma cultura forte. Depois, estabelecemos o projeto de popularização do teatro, porque, para o Grupo, o primeiro objetivo era a montagem para que a classe estudantil pudesse conhecer grandes obras da dramaturgia. E o projeto cumpre essa função”, ressalta José Luiz.
O diretor do Grupo Divulgação também reflete sobre a importância de se levar a arte teatral para todos os públicos. “Quando começamos a fazer espetáculo, principalmente no Forum da Cultura, tínhamos os professores da universidade entre os convidados, e notávamos que a nossa plateia era muito branca. Com o Projeto, a gente notou que a nossa plateia foi ficando mais colorida, sabe? O negro que não vinha antes, passou a vir com tranquilidade, sentindo mudar a própria estrutura do Forum”, pondera José Luiz sobre as questões sociais relativas ao Grupo e que se alegrou com a conquista do jovem estudante.
Foi por meio das peças do “Escola de Espectador” que o Divulgação atingiu Pedro Henrique pela primeira vez, uma criança que encontrou a sua vocação ao assistir aos espetáculos do projeto. “Eu comecei a ir quando tinha 4 anos através da minha tia que trabalhava na UFJF. Ela conseguia vários convites gratuitos e passava para o meu pai me levar.”
Dia Mundial do Teatro para a Infância e Juventude
“Leve uma criança ao teatro hoje”, esse é o slogan da Associação Internacional de Teatro para Crianças e Jovens (ASSITEJ), que celebra a data, nesta segunda-feira, há 22 anos. O dia é comemorado em mais de 80 países em razão do reconhecimento do direito que crianças e adolescentes têm de aprender mais através das artes e das tradições culturais do teatro no país.