Era fevereiro de 2020 e Nara Vidal regressava de uma viagem a Portugal quando a Inglaterra se horrorizava com o aumento exponencial no número de casos de Covid-19 no país. A ameaça de um lockdown, que se concretizou no mês seguinte, fez a escritora nascida em Guarani e radicada no Reino Unido há quase duas décadas temer pela livraria que inaugurou em 2017. A Capitolina Books ocupa uma estante em sua casa, apenas com títulos da literatura contemporânea brasileira. Como dali a alguns dias não mais conseguiria postar os pedidos pela impossibilidade de sair de casa, Nara começou a projetar uma nova estante, no ambiente virtual e com textos de autores brasileiros em atividade.
Em abril do ano passado, durante o primeiro lockdown na Inglaterra, a escritora colocou no ar a Capitolina Revista, que nesta terça (19), quando o país europeu vive seu segundo lockdown, levou Nara a receber o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, a APCA, pela “difusão de literatura brasileira no exterior”. “Eu gostaria de continuar fazendo essa roda girar, divulgando a literatura brasileira contemporânea aqui fora. Para isso pensei em oferecer textos de autores contemporâneos numa publicação gratuita e para acesso em qualquer parte do mundo”, recorda-se ela, que passou a convidar escritores e lançou a primeira edição em abril. Até o momento, a Capitolina Revista já possui nove edições.
“Foi mesmo um desejo meu de estar ativa durante aquele momento tão difícil. Como já tinha o site da livraria, pensei em usar o blog para oferecer a revista. Adoro fazer esse trabalho, e o visual é muito importante, porque quero que seja atraente, elegante e que valorize os textos. Escolho as imagens a dedo, levo dias, semanas. Para mim é uma forma de valorizar o texto que foi confiado a mim de uma maneira muito generosa pelos autores”, diz, citando alguns deles, como o juiz-forano Edimilson de Almeida Pereira, a suíça radicada no Brasil Prisca Agustoni, a chilena radicada no país Carola Saavedra e o muriaense Sérgio Rodrigues.
Um pequeno espaço conquistado
Segundo Nara Vidal, que acaba de publicar no Brasil o livro de contos “Mapas para desaparecer” e vê sair na Holanda a tradução de seu premiado “Sorte”, existe uma abertura para os clássicos brasileiros na Europa. “Temos Jorge Amado, Clarice Lispector e está começando a ter Machado de Assis. Tem alguma coisa por aqui de literatura brasileira. Não é muito. É um espaço ainda bem pequeno. Acho que precisa expandir, mostrando que existe uma literatura contemporânea acontecendo no Brasil com muita potência. O número de editoras que surgem todos os anos é uma coisa absurda. As pessoas estão com boa vontade e querem fazer da literatura uma arte valorizada e popularizada”, pontua.
Em seu trabalho de curadoria para a revista – que conta ainda com a colaboração da escritora portuguesa Gabriela Ruivo Trindade, da escritora brasileira radicada na Alemanha Carla Bessa e da italiana Silvia Gasparoni, uma entusiasta da literatura de língua portuguesa -, Nara Vidal também se preocupa com o retrato de Brasil que a publicação pode criar. “Tento ter uma abrangência de gênero e geográfica. Tento colocar num número autores que ninguém talvez conheça e outros bem mais conhecidos e premiados. Tento fugir do hábito da literatura do Sudeste, que para mim não é interessante. É preciso fazer isso, porque tem muita coisa boa acontecendo em todo canto”, indica ela, em pleno confinamento em sua casa, numa fase bastante restritiva imposta pelo Governo.
Na primeira fase do confinamento, conta Nara, a população estava surpresa e assustada. Desta vez, a natureza é outra. “Agora nosso programa de vacinação está a todo vapor. Até semana passada, as pessoas com mais de 80 anos estavam sendo vacinadas. Esta semana, as pessoas com mais de 70 anos começaram a ser vacinadas. O programa do Governo está ocorrendo de acordo com o planejado. Esse confinamento que vivemos agora é muito rígido, e a razão dele é que as pessoas estão sendo vacinadas. Para o vírus perder a força, 80% da população precisa ser vacinada. Não podemos perder todo o trabalho que está sendo feito. Agora, o confinamento é crucial”, avalia, projetando já viver a primavera deste ano, em maio, nas ruas. “Temos uma esperança real.”