“Nesse momento de pandemia, quando se fala em inovação e reinvenção do dia a dia, tenho comigo o poeta da invenção: Murilo Mendes”, anuncia a professora e pesquisadora Marisa Timponi, que revisita o poeta juiz-forano morto há 45 anos para retratá-lo numa de suas facetas mais atuais, a do criador em busca da inovação. Vivo em live, o autor é o tema da conferência “A invenção em Murilo Mendes”, ministrada por Marisa e mediada por sua parceira de pesquisa Leila Barbosa nesta segunda-feira (19), às 19h30, no perfil de Marisa na rede social Instagram. O evento virtual integra o Ciclo de Palestras da Academia Juiz-forana de Letras, que segue com palestras de outros de seus imortais: Leila Barbosa sobre Belmiro Braga (26/10), Marisa Pontes sobre Adélia Prado (16/11), Alice Gervason sobre aldravias (23/11) e Artur Laizo sobre terror (30/11).
Em sua abordagem sobre Murilo Mendes, Marisa Timponi recorre a um de seus últimos livros, “O processo da invenção na busca da liberdade: uma leitura crítica da poética de Murilo Mendes” (Funalfa Edições), publicado em 2016. “Nesse livro mostrei que a ideia de inventar, inovar, passa pelo desejo de Murilo de vencer tempo e espaço para alcançar a liberdade. Ele tem um desejo imenso pela liberdade”, destaca ela, autora de, entre outros, “Ismael Nery e Murilo Mendes: Reflexos”, escrito em parceria com Leila Barbosa e finalista do Prêmio Jabuti de 2010. “É interessante lembrar que o poeta tem um processo de construção-destruição, que acontece em três níveis, no poema, na imagem e na palavra”, explica Marisa, ressaltando a capacidade do escritor de repensar o já dito, deslocar palavras, refazer imagens e, até mesmo, reler poemas.
A refazenda do poeta
“Ele chega a criar os murilogramas. Ele é poliédrico, multifacetado”, define a pesquisadora, citando a reescrita de “Canção do exílio”, célebre poema de Gonçalves Dias. “Minha terra tem macieiras da Califórnia/ onde cantam gaturamos de Veneza./ Os poetas da minha terra/ são pretos que vivem em torres de ametista”, parodia Murilo, em sua “Canção do exílio”. “Ele cria coisas tão incríveis que chega a fazer poemas que, ao invés de falar das botas de sete léguas, fala das ‘botas de sete pedras/ comem léguas de aborrecimento'”, pontua Marisa, declamando o trecho final de “Tédio na varanda”. “Vejo nele sempre algo por fazer. Alguém em intenso processo de invenção, sempre inovando para alcançar a liberdade.”
Nascido em Juiz de Fora no segundo ano do século XX, em 1901, Murilo Mendes morreu há exatos 45 anos, em 13 de agosto de 1975, em Lisboa. Sua obra, no entanto, permanece em catálogo. Após anos fora das prateleiras, seus livros tiveram os direitos adquiridos pela Cosac Naify, respeitada casa que fechou as portas justamente quando reeditava os títulos de Murilo. Rapidamente, a gigante Companhia das Letras comprou parte do espólio da Cosac Naify, incluindo as obras do poeta juiz-forano. Desde 2017 já lançou novas impressões de “Poliedro” e “A idade do serrote”.
“Murilo é um poeta atualíssimo”, defende Marisa. “Tão atual que o lirismo dele chega na geometria, ele cria um código linguístico para se expressar. Estamos em 2020, na época da inovação, e ele faz um poema em que as palavras não significam na primeira instância. Ele chega a criar uma nova língua, como faz no último livro dele. Ele morre angustiado com a atitude do homem”, analisa a pesquisadora, convicta de que, hoje, a angústia seria ainda maior, vividos tantos episódios de desagregação do homem com seu semelhante e com o espaço que o cerca. “Certamente, se ele estivesse aqui hoje, seria um grande militante”, aposta ela, que em seu livro mais recente reproduz uma mandala da cosmogonia muriliana, inserindo o homem no centro de sua atenção e interesse.