Uma campanha eleitoral, não importando o cargo em disputa, deveria ser o momento de se discutir ideias e ideais, planos de governo, posicionamentos quanto a temas dos mais diversos, da segurança pública à educação, passando por saneamento, saúde, infraestrutura, mobilidade urbana. Porém, no Brasil de 2018, algumas das palavras que mais se observam por aí, principalmente na internet e suas redes sociais são: ódio, fake news, intolerância, morte, toda sorte de preconceitos travestidos de “opinião”. É neste momento que a arte, não necessariamente política em sua origem, muitas vezes precisa se manifestar como elemento de promoção do diálogo, da conscientização, ou mesmo pura e simplesmente se posicionar frente a tudo que aí está.
Por conta disso, cinco bandas de Juiz de Fora se apresentam nesta sexta-feira, às 20h (abertura da casa), no Maquinaria, no evento “Rock contra o fascismo”. Traste, Obey!, Dekradi, Coroña e Double Shot colocam suas guitarras, baixos, baterias, vozes e letras contra o racismo, o machismo e a homofobia, reafirmando “a aversão a essa postura fascista, elitista, segregacionista e militarizada”, conforme manifesto divulgado pelas bandas, que ressaltam não se tratar de “posicionamento partidário, mas sim uma defesa da liberdade de expressão”. O manifesto está nas páginas dos grupos no Facebook e pode ser compartilhado por quem interessar.
A ideia do “Rock contra o fascismo” partiu de Jordan Pereira, da Coroña, e João Vicente, da Double Shot, como fruto da indignação frente ao crescimento do discurso de ódio. “O festival foi nosso grito de ‘não!'”
Decidida a realizar o evento, a dupla buscou um espaço para o festival e também condições para que não tivesse fins lucrativos, além de convidar as demais bandas participantes. “Foi tudo resolvido rapidamente, no estilo ‘faça você mesmo’. E acabou virando algo que nos orgulhou pela união da cena do rock, com adesão total das bandas. E nada disso seria possível também sem o apoio do Arena Rock e do Maquinaria”, enfatiza.
Apoio da cena local
Um dos artistas que abraçaram a causa foi a banda Traste. “Foi ótimo poder nos envolver, principalmente por conta da galera racista, homofóbica, machista se revelando… é contra isso que lutamos ao nos manifestar”, afirma Guilherme Melich.
Para ele, a música e o pensamento artístico não precisam ser panfletários, mas que é preciso saber o momento de se manifestar. “Em determinados momentos, como é o caso de agora, acho importante nos posicionar. Apontar o dedo para o que percebemos de errado e, de preferência, tentando apresentar alguma solução, e acredito que a solução, agora, seja o diálogo. A galera está rompendo com família, com amigos de infância… O importante, agora, é nos unir. Nossos conflitos só favorecem os interesses dos ‘poderosos’. Se não estivermos dispostos a conversar, não há solução, apenas conflito.”
Diálogo, aliás, é o que também defende Juarez, o Jz, da banda Dekradi. “Precisamos debater ao invés de ser mais ofensivos, agressivos. Não combater com violência, e sim questionar as ideias de cada indivíduo, o que ele quer para si e seus iguais. As pessoas, com esse discurso de que querem melhorar o Brasil, estão carregando muito ódio e preconceito; obviamente a pessoa está sendo mais individualista, como se o bem dela não dependesse do bem do próximo”, analisa. Jz acredita que a música e a arte podem ser essas formas de expressão não-agressivas e de caráter conscientizador, mas sempre aliadas à discussão de ideias.
Jordan Pereira é mais um a acreditar na conscientização por meio da arte. “Sempre acreditei e busquei usar minha arte como ferramenta de mudança e reflexão política e social. Seja na composição, seja no repertório que tocaria. Esse é indiscutivelmente um dos papéis do artista. Ao se posicionar, ao ser o dedo na ferida, o artista ensina, instiga e tem o poder de colocar seu apreciador para pensar. Música não só pode, como deve, ser mais que entretenimento”, pontua.
“É um dever do artista se posicionar politicamente frente a tanta barbárie que tem acontecido no nosso país”, defende Douglas Rodrigues, da Obey!. “A banda, como criadora e formadora de opinião, tem um papel importante de firmar um pensamento que rege todos os integrantes e que possa de alguma maneira identificar nossa ideologia e o que nós defendemos. No meio do rock, por ser um movimento subversivo desde sua raiz, de maneira nenhuma podemos nos entregar ao conservadorismo ignorante, ao discurso de ódio, e muito menos se sujeitar a perder direitos. Resistiremos.”
Contra a demonização e o ódio
Ao mesmo tempo, o próprio artista tem sido demonizado por parte da sociedade, seja pela sua forma de se expressar, posicionamento político, social, e muitas vezes é preciso saber como lidar com essa situação. Leandro Lima, da Double Shot, lembra que existe o que considera uma “falta de tolerância” em relação ao que não é do seu meio ou nicho social. “Por exemplo: funk é visto como arte ou cultura das favelas e por isso é subjugado, de forma preconceituosa. As pessoas que julgam normalmente não conhecem o histórico da arte em questão ou a carga social que ela carrega. Arte é uma manifestação do seu ser, então ela existe em diversos níveis e é complicada de entender, porém assume um papel transformador da sociedade.
Observamos em relação a isso que as pessoas, hoje em dia, se esforçam mais para não entender do que entender o que está sendo transmitido. A consequência é essa polarização extrema que vivenciamos, onde você não pode concordar com algo que vem da oposição. Posso estar sendo ingênuo, mas sinto que por isso começa a perseguição de artistas e o desgosto por certo tipo de música ou clássicos, como aconteceu recentemente como o Roger Waters ao se posicionar contra o Bolsonaro. Óbvio que o mesmo ocorre nos dois lados, porém você vê uma massa de apoiadores mais inflamada do que a outra.”
Da mesma forma que é preciso lidar com a demonização da arte, buscar o diálogo e a conscientização, Leandro enfatiza uma questão que não se dá apenas com a arte, mas no cotidiano: o fato de que um lado não ouve o outro. “Isso fica claro a partir do momento que você cria uma manifestação ou faz uma publicação em rede social, e somente pessoas que concordam se fazem presentes de forma amistosa e debatem de maneira saudável.”
Lutando pelo ‘óbvio’
Como lidar, então, para tentar diminuir tamanho ódio, seja como artista ou cidadão? “Sempre vi na arte uma forma de canalizar energia. A aspereza do rock tem muito a ver com situações ruins que passamos ao longo da vida e que expressamos nas letras, ou através da agressividade do som”, diz Guilherme Melich. “‘One good thing about music (is that) when it hits you can feel no pain’ (‘Uma coisa boa sobre a música (é que) quando bate em você, não pode sentir dor’, já dizia Bob Marley… Cito isso porque vejo a potência expressiva do rock para canalizar esse tipo de energia negativa, ódio pelo que percebemos e recebemos do mundo, mas canalizar por um filtro positivo, mas essa potência está na arte em geral. Como cidadão, me esforço para estar aberto ao diálogo, por mais difícil que seja em alguns momentos com determinadas pessoas. É sempre um desafio lidar com quem pensa diferente, mas é importante mostrar que estamos no mesmo barco, pensando de forma divergente ou não.”
Por fim, Jordan Pereira acredita que o “Rock contra o fascismo” é a ponta do iceberg de um novo movimento que surge. “De uma ideia e união que vão ficar vivas, agregar outras bandas, produtores, casas e quem mais tiver interesse”, diz. “Nos unimos por um ato simbólico que vai além das paredes da casa e dos ouvidos de quem estiver presente. Assumimos uma postura, mostramos um posicionamento e insatisfação, para que possa gerar identificação. Realmente vivemos tempos loucos e sombrios, em que é preciso falar e lutar até pelo óbvio.”
Rock contra o fascismo
Com as bandas Double Shot, Coroña, Traste, Obey! e Dekradi. Nesta sexta (19), às 20h (abertura da casa), no Maquinaria (Rua São Mateus 552)