A primeira transmissão de imagens em movimento em circuito aberto no Brasil aconteceu na Rua Marechal Deodoro, no número 373, numa oficina que fazia conserto de eletrônicos, em sua maioria rádios. Ali trabalhava Olavo Bastos Freire, que, vindo de Leopoldina, testava o equipamento construído ao longo dos anos. Era 1947 e o homem instalou o receptor no fundo do quintal; a câmera, deixou na janela, focalizando o bonde que passava na rua. A transmissão foi feita por ondas hertzianas e a distância não ultrapassava 20 metros. “Depois eu comecei a fazer experiências em distâncias cada vez maiores”, recordou-se Olavo em depoimento de 2001 para os pesquisadores Nilo de Araújo Campos e Hilda Rezende Paula.
Dedicado, Olavo estudava com afinco para compreender o trabalho da oficina. A experiência de transmissão surgiu anos antes, quando encontrou uma revista norte-americana, a “QSP”, que trazia um esquema para a construção de aparelho de transmissão de imagens. “O Olavo era um radioamador. Nesse esquema, a pessoa ia conversar pelo rádio e ver a imagem do outro. Ele conseguiu, com muito sacrifício, que um amigo trouxesse as peças dos Estados Unidos, foi montando na primeira metade dos anos 1940 e no final de 1947 já tinha o equipamento totalmente pronto, ou seja, uma antena, um transmissor e um receptor”, resgata Flávio Lins, professor e pesquisador da Faculdade de Comunicação da UFJF.
Em 1948, Olavo tornou público seu experimento e transmitiu a passagem do bonde no Edifício Clube Juiz de Fora para uma plateia de nomes de prestígio da sociedade local. A câmera ficou no prédio da Prefeitura, hoje ocupado pela Funalfa. O receptor ficou numa loja na Avenida Getúlio Vargas. E os convidados acompanharam a filmagem, não a transmissão. Segundo Lins, a experiência de Olavo recebeu cobertura da mídia da época e ele foi homenageado pela Câmara Municipal, que, inclusive, aprovou a proposta de subvencionar o trabalho de Olavo. “Não temos notícia e não há relato de que ele tenha recebido”, observa o pesquisador.
Em 21 de maio de 1950, portanto meses antes da inauguração da TV no Brasil, Olavo Bastos Freire transmitiu o jogo Tupi x Bangu, em Santa Terezinha, para televisores colocados no Centro de Juiz de Fora. Aquela foi a primeira transmissão esportiva do país e da América do Sul. Em 18 de setembro de 1950, há exatos 70 anos, e com toda a pompa, o jornalista e empresário Assis Chateaubriand inaugurou a TV Tupi, primeiro canal do país. “O desejo pela imagem já estava no ar em Juiz de Fora. Vale lembrar que tínhamos João Carriço fazendo seu Cine Jornal. Ele fazia montagens semanais, até diárias, e muita gente ia ao cinema só para ver o Cine Jornal do Carriço”, destaca Lins.
Olavo não permaneceu em Juiz de Fora e foi viver no Rio de Janeiro, depois em São Paulo e no Sul, onde construiu, dentre outros, um controle remoto e um equipamento para desenhar na TV. “Ele fez uma carreira e passou por vários lugares. O passe dele era disputado. Era um técnico que conhecia muito bem os aparelhos de televisão. Ele não era interessado na linguagem da TV, mas na magia da técnica de transmissão”, avalia Lins o homem que morreu em 2005, aos 90 anos.
Juiz de Fora ligada na Industrial
Longe da potência que se tornou, a televisão ainda era artigo de luxo no Brasil quando, numa pretensa modernidade e simpático ao PTB do então presidente João Goulart, o empresário juiz-forano Sérgio Mendes ganhou a concessão do primeiro canal de televisão da cidade, a TV Industrial. “Foi um grande empreendimento, colocado no alto do Morro do Imperador, com aquela arquitetura muito contemporânea dos anos 1960, com aquela torre helicoidal, depois demolida porque ameaçaria a segurança do Morro do Cristo, um projeto revolucionário para a época”, aponta a jornalista, professora e pesquisadora Christina Ferraz Musse, que em seu livro “Memórias possíveis: personagens da televisão em Juiz de Fora”, em parceria com o professor e pesquisador Cristiano Rodrigues, resgata o pioneirismo de um canal a partir das lembranças de quem dele fez parte.
“Dentro de uma visão de TV local, com uma programação eclética, com a participação da população que ia assistir e compor os programas de auditório, havia um telejornalismo que conversava muito mais com o rádio do que propriamente com a televisão, porque as câmeras eram muito pesadas e, por isso, priorizava o estúdio, com poucas externas. Tinha programas esportivos, de debate e transmissão de jogos que se tornaram uma referência de audiência para a Industrial. Ela dialogava com a cidade ao ter uma grade de programação que refletia o que era aquele clima para uma TV local nos anos 1960 e 1970”, observa a professora da Faculdade de Comunicação da UFJF. O canal transmitia, ainda, lutas de telecacth – a precursora da luta livre ou wrestling – e musicais. Também cobria o carnaval local e os eventos sociais e políticos.
Faltava, no entanto, capacidade de investimento. E com o avanço tecnológico e a formação de grandes conglomerados de mídia, a competição para a Industrial tornou-se pesada e ingrata. O canal não conseguiu se renovar, e sua pequena estrutura não deu conta de acompanhar uma cidade em expansão. “Era uma forma quase pré-capitalista, sem mensuração de audiência, sem captação de comerciais para sustentar a TV, sem investimento em equipamentos e renovação tecnológica. Fica como uma aventura quase romântica. Mas tinha um vigor muito interessante”, avalia Christina sobre o canal que 15 anos depois de sua estreia foi vendido e tornou-se transmissora da Rede Globo.
O canal que foi sem nunca ter sido: TV Mariano Procópio
O primeiro programa de televisão sobre Juiz de Fora foi feito no Rio de Janeiro. O jornalista José Carlos de Lery Guimarães ia até a então capital do país para gravar. Chamava-se “Depois das montanhas” e era transmitido pela TV Rio, concorrente da Tupi, do grupo Diários Associados. Foram poucas edições da atração que estreou em 1959 e saiu do ar meses depois, em 1960. Foi o bastante, no entanto, para que Assis Chateaubriand se empenhasse em dar forma ao que chamou de TV Mariano Procópio.
Para transmitir a inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, o Governo federal montou um grande esquema no qual selecionou sete pontos ligando o interior de São Paulo à mais nova capital do país, passando por Rio de Janeiro e Minas Gerais. “Juiz de Fora foi um dos lugares escolhidos para receber essas antenas de micro-ondas para levar o sinal das imagens de Brasília e espalhar pelas regiões. Assim, foi possível receber o sinal da Tupi e, também, enviar programação. Foi um divisor de águas”, ressalta do professor e pesquisador Flávio Lins, autor do livro “Cariocas do brejo entrando no ar – O rádio e a televisão na construção da identidade juiz-forana (1940-1960)”, em parceria com a professora e pesquisadora Cristina Brandão.
Mesmo sem concessão, o canal deu forma ao Telefoto Jornal, que adaptava um projetor de slides com fotografias dos jornais “Diário da Tarde” e “Diário Mercantil” e o ligava a um gravador de fio, fazendo nascer o primeiro telejornal local. O projeto dava fôlego à ideia de vender ações da sociedade anônima criada para gestar a nova TV de Chateaubriand. Com auxílio de uma unidade móvel da TV Itacolomi, a Mariano Procópio chegou a ficar no ar durante um dia inteiro. “Aquilo vendeu ação adoidado, mas não era o suficiente. E havia a expectativa de ter a concessão do Governo federal”, recupera Lins.
Em 1963 a concessão foi dada, mas para a Industrial. “Aquilo foi um baque para os Diários Associados”, narra o professor e pesquisador. A partir de então, programas passaram a ser gravados em película na cidade e, diariamente, eram enviados de ônibus para o Rio de Janeiro. “Tínhamos uma TV local, a Industrial, enquanto a Tupi era muito forte. O sonho da Mariano Procópio, no entanto, acabou desaparecendo”, conta Lins. “Por um triz ela não se tornou realidade.”
O apuro local na TV paga: a experiência da Visão
Com o objetivo de fomentar a produção local de conteúdo televisivo, em 1995 entrou em vigor no país a lei chamada popularmente como Lei do Cabo. Incentivando grupos locais a investirem em tecnologia e reduzindo a interferência de grandes grupos internacionais, o conjunto de regras favoreceu a criação de um canal local em Juiz de Fora quando a TV a cabo Net decidiu expandir sua atuação na região. Mas não apenas isso. “A TV Visão aconteceu por causa da loucura e do peito do Papaulo (Martins), um cara que queria fazer televisão. Ele dizia que tinha o sonho e queria ter um canal. Resolveu fazer, juntou um monte de jovens e entregou na mão da gente”, recorda-se Fred Belcavello, que trabalhou no canal de 2003 a 2007, um ano antes de a Visão encerrar suas atividades.
Diretor de produção e programação, Belcavello também apresentava o “Paraibuna Connection”, com o Teatro de Quintal, o TQ, e o “Radiola”, de entrevistas musicais. “A história dos programas foi muito de oportunidade. Fui fazer o ‘Radiola’ porque atuava como músico também e queríamos fazer entrevistas para aproveitar os bons shows que vinham a Juiz de Fora. Criamos um formato que não dependia apenas dos shows eventuais. Já no ‘Paraibuna Connection’ eu era como um interventor, segurando o TQ, botando freio para eles não abusarem”, conta aos risos, apontando a despretensão do canal cujo mérito dos maiores era o refinamento estético, próprio de produtoras de publicidade.
Não havia YouTube ainda. A plataforma de vídeos já tinha sido criada, mas não havia se popularizado no Brasil. Por isso era impossível replicar a programação. “Recebíamos um volume bem legal de e-mails. Estar no ar como apresentador era bom para mim como diretor, porque encontrava com gente na rua e ouvia sobre a TV e era um parâmetro para perceber que estávamos sendo vistos. A TV sofria com a baixa cobertura da Net”, resgata ele, rememorando que, em 2005, a Visão passou a transmitir alguns programas na TV aberta, na TVE Juiz de Fora, o que fez ampliar a audiência do canal. “A sensação que tínhamos era a de que havia relevância e audiência, mas não traduzíamos em resultado comercial.”
Segundo Belcavello, o canal se orientava olhando para trás, para a experiência da TV Industrial, e para frente, para o então ascendente mercado da TV por assinatura. “A TV ocupou um espaço que estava vazio e que, de certa forma, pipoca em Juiz de Fora desde sempre”, ressalta ele, jornalista, professor e pesquisador, sobre o canal que, assim como seus antecessores, foi inviabilizado pelo alto custo da operação. “Talvez tenha deixado uma marca no imaginário de quem vivenciou aquilo, mas acho que se perdeu. Não vejo um legado propriamente dito. Ficou memória, história para contar, mas não vejo continuidade.”
Da cidade para a TV de hoje: Juiz de Fora na telinha
Na frente ou atrás das câmeras, Juiz de Fora segue representada nas telinhas. E são muitos os nomes a ocupar as fichas técnicas da programação nacional e internacional, seja no jornalismo, seja no entretenimento. Figurinista das telenovelas da Rede Globo desde 2004, Labibe Simão é um desses nomes e já assinou o figurino de produções distintas, como as recentes “Sol nascente” e “Éramos seis”. “Juiz de Fora me possibilitou o primeiro contato com o figurino através do teatro com o grupo da Nilza James. A oportunidade de executar e exercitar a criação me deu a convicção do caminho profissional e me impulsionou a buscar novas conquistas”, rememora a figurinista que se tornou um dos mais celebrados nomes de sua área. “A telenovela se perpetua de maneira a tocar o sentimento do telespectador de várias formas. O figurino ajuda diretamente a contar histórias, ele expressa a alma dos personagens”, celebra a juiz-forana.
Labibe também fez “O astro”, em 2011, e acabou vestindo um conterrâneo, o ator Pablo Sanábio, atualmente no ar com a reprise de “Totalmente demais” e desde 2017 integrando o elenco da prestigiada série médica global “Sob pressão”. Nos bastidores, certamente já encontrou as também juiz-foranas Andréia Horta e Larissa Bracher. Também daqui saíram para atuar em novelas globais os atores Tairone Vale, que fez a série “Se eu fechar os olhos agora” e a novela “Segundo sol”, José Eduardo Arcuri, que trabalhou na agora reprisada “Laços de família”, e José Luiz Ribeiro, que esteve no primeiro capítulo de “Salve Jorge”.
Com uma das mais bem avaliadas faculdades públicas de comunicação social do país, Juiz de Fora também forma e exporta talentos do jornalismo, para diferentes canais, da TV aberta e da fechada, do noticiário esportivo, como Dudu Monsanto, à hard news da edição das 18h da GloboNews, que tem como um de seus editores Alexandre Gasperoni. Num dos maiores telejornais do canal de maior audiência da TV brasileira está uma jornalista quase-juiz-forana. Ana Paula Araújo, âncora do Bom Dia Brasil explica-se: “Nasci no Rio, mas fui ainda bebê pra Juiz de Fora e vivi na cidade até os 18 anos. Estudei no Instituto Granbery e comecei a faculdade na UFJF.”
Na cidade, Ana Paula deu seus primeiros passos na vida profissional, atuando na Rádio Nova Cidade. “Tanto na faculdade quanto na rádio, aprendi a ter respeito com o público, cuidado com a informação e responsabilidade, valores que carrego até hoje. Minha família ainda mora em Juiz de Fora e por isso nunca deixei de visitar a cidade e acompanhar seu crescimento. Mas sempre que volto fico feliz em passear por lugares que não mudaram muito, como o Calçadão e ver o lindo Cine-Theatro Central, que minha irmã ajudou a restaurar”, conta a jornalista.
O passado em ruínas e as redes presentes em rede
Nos 70 anos da televisão no Brasil, a relação de Juiz de Fora com o veículo está em vestígios de uma memória que a cidade negligencia. Os aparelhos da histórica transmissão de Olavo Bastos Freire, doados à Funalfa, permanecem guardados, bem como o reconhecimento do homem pioneiro. “Ele merecia ao menos uma sala dedicada a ele, com esses equipamentos reunidos em exposição permanente. É uma história de ineditismo, que encanta de alguma maneira. Era uma espécie de professor Pardal”, sugere o professor e pesquisador Flávio Lins. De acordo com ele, o juiz-forano, historicamente, tem interesse em ser visto na telinha. “Ele é um apaixonado pela imagem.”
A paixão está expressa no imponente prédio da TV Industrial, tombado em março do ano passado, mas carente de revitalização e ocupação. “A sede está lá até hoje, totalmente desocupada e abandonada. Um espaço que já se pensou destinar a um Museu do Rádio e da Televisão em Juiz de Fora e que nunca se concretizou. Existe algo que ficou na materialidade de um prédio que subsiste ao tempo”, defende a professora e pesquisadora Christina Ferraz Musse. “Sabe aqueles marcos da cidade que não foram trabalhados como se deveria, no sentido de um respeito à memória? Ficam ali e não são totalmente apagados, porque subsistem como uma ruína, mas não sei, se fizéssemos uma pesquisa de recepção na cidade, quais seriam as lembranças sobre a TV Industrial na memória das pessoas”, indaga.
Para o também professor e pesquisador Fred Belcavello, ao longo das décadas a cidade experimentou movimentos semelhantes ao da TV Industrial, como a TV Tiradentes na virada dos anos 1980 para 1990 e a própria TV Visão em meados dos anos 2000. “O fato de Juiz de Fora ter tido a TV Industrial nos anos 1960 e ter experimentado por 15 anos esse canal local, que coincide com a projeção e a hegemonia da Globo, era como se tivesse plantado uma semente de que na cidade temos TV local”, avalia ele, lamentando a ausência de um canal exclusivamente local nos dias de hoje. Segundo Christina, tal ausência reflete uma transformação iniciada em 1º de setembro de 1969, quando o Jornal Nacional inaugurou as transmissões em rede.
“Acredito que, naquele período dos anos 1960, havia o sonho de fazer uma televisão local. E até o voluntarismo de funcionários que se esforçavam para que aquilo fosse ao ar. Eles viam como uma missão. O jornalismo e as emissoras de televisão se profissionalizaram e se transformaram mais em negócio do que aventura”, pontua a professora e pesquisadora, repórter da Globo em Juiz de Fora de janeiro de 1981 a agosto de 1994 e, mais tarde, entre 2005 e 2009, apresentadora de um programa dominical de entrevistas na então afiliada Panorama. Hoje, a afiliada, Integração, é comandada de Uberlândia, assim como a afiliada do SBT, a Alterosa, tem direção em Belo Horizonte. No ar com sinal aberto desde 2017, a JFTV Câmara é a primeira concessão de TV pública na cidade, transmitindo sessões da Câmara Municipal e programas cujo foco é o debate de questões locais. As três atuais experiências, no entanto, se diferenciam entre si e do passado. “São tempos diferentes”, adverte Christina. E completa: “Brasis diferentes.”