“Rambo: Até o fim” estreia no Brasil nesta quinta-feira (19) – e no dia seguinte nos Estados Unidos – não apenas com a missão de encerrar a trajetória do ex-boina verde John Rambo, tanto que o subtítulo em inglês, “Last blood”, faz referência ao da produção original, “First blood”. Com direção de Adrian Grunberg, a produção pode ajudar o personagem a se livrar da maldição que também acometeu outras franquias dos anos 80, igualmente descaracterizadas com o tempo e “premiadas” com sequências cada vez piores.
Um exemplo é “Rocky”, que assim como “Rambo” tem como intérprete o interminável Sylvester Stallone. Depois de dois ótimos filmes, a série descambou para produções lamentáveis e só se recuperou com os derivados protagonizados por Adonis Creed (Michael B. Jordan), com Rocky Balboa na posição de tutor do filho de seu maior adversário, Apollo Creed (Carl Weathers). O resultado foi tão positivo que Stallone chegou a ser indicado ao Oscar de ator coadjuvante por “Creed” (2015). Por outro lado, “O Exterminador do Futuro” segue esperando por sua redenção desde o sucesso do segundo longa, de 1991, que ganhou continuações, reboots e retcons que só pioraram a situação. Uma nova (derradeira?) tentativa estreia em novembro: “O Exterminador do Futuro: Destino sombrio” tem produção de James Cameron, que retorna à franquia depois de dirigir os dois primeiros – e melhores – longas da franquia.
De militar atormentado a máquina de matar gente
Voltando ao que interessa. Lançado em 1982, o primeiro “Rambo” é um caso particular. Adaptação do livro homônimo de David Morrell publicado dez anos antes, a produção dirigida por Ted Kotcheff acertou no que não viu. Se o livro mostrava o ex-soldado John Rambo matando geral e assassinado no final pelo seu antigo comandante no Vietnã, o coronel Trautman (Richard Crenna), no longa ele é um sujeito que queria apenas visitar um antigo colega de armas, mas na volta para casa é perseguido por policiais cheios dos preconceitos. No final, com apenas uma morte nas mãos, ele se rende ao reencontrar Trautman. Nada muito original, mas servia como boa crítica à forma como os veteranos da Guerra do Vietnã eram tratados em sua terra natal.
E aí resolveram fazer uma continuação, lançada em 1985, e pronto: Rambo virou uma máquina de matar que retorna ao Vietnã em missão secreta, que ele logo abandona para resgatar uma baciada de prisioneiros dos vietnamitas comunistas aliados da União Soviética. Qualquer semelhança com “Braddock – O Super Comando”, estrelado um ano antes por Chuck Norris (outro mestre na arte de dar porrada e matar o que vê pela frente), não seria lá o que chamamos de coincidência. Apesar de massacrado pela crítica e levar o Framboesa de Ouro de pior filme do ano, o longa faturou quase US$ 200 milhões nos Estados Unidos – mais que suficiente para termos uma terceira aventura (ou segunda carnificina?) com o herói (?).
“Rambo III” chegou em 1988, e vivíamos o auge dos filmes de ação com atores de muito músculo, pouco cérebro e quase nenhum talento. Arnold Schwarzenegger já havia cometido o brutal “Comando para matar”, Sly havia destruído o conceito de atuação em “Stallone: Cobra” – e ainda havia a Guerra Fria, em que Hollywood colocava os americanos para surrar os comunistas russos em todas as situações possíveis. Rocky, por exemplo, havia esmurrado o robótico Ivan Drago (Dolph Lundgren) no quarto longa da série. Daí que Rambo foi forçado a sair de seu retiro num templo budista (!) para salvar o coronel Trautman, sequestrado pelos comunistas maus no Afeganistão. Foi um banho de sangue pra cima dos soviéticos sádicos, com a ironia de que, uma década depois, os afegãos com quem Rambo se aliou criariam o talibã amigo da Al-Qaeda de Osama Bin Laden.
Um quarto longa, lançado duas décadas depois, passou praticamente despercebido, com o ex-boina verde voltando ao batente para resgatar missionários sequestrados por guerrilheiros maus no sudeste asiático.
Rastro de violência
Se a até então despedida de John Rambo não havia despertado maiores emoções, o sucesso de “Creed” parece ter animado Sylvester Stallone a dar uma nova chance a um de seus papéis mais conhecidos. E de volta à sua terra natal, onde não matava ninguém desde o primeiro longa. Tantos anos depois, John Rambo agora vive no rancho onde nasceu e está na sua, cuidando de uns cavalinhos e em busca da paz que nunca desfrutou, afinal os fantasmas do passado – e as centenas de pessoas que mandou para a cova – não ajudam o veterano a descansar.
O problema é que o rancho fica na fronteira com o México, lugar problemático por conta dos cartéis de tráfico de drogas e pessoas, além dos imigrantes que tentam chegar ilegalmente à América. É neste cenário, pelo menos diferente dos demais filmes, que a filha de um antigo amigo é sequestrada por um dos cartéis mexicanos, e quem vai resolver a parada? Sim, ele mesmo: John Rambo.
Determinado a fazer justiça com as próprias mãos numa região em que a vida, palavra e a lei pouco valem, ele retorna ao esquema “exército de um homem só”, atravessa a fronteira e vai matar quem aparecer pela frente para cumprir a missão que resolveu assumir por conta própria – mesmo décadas e décadas mais velho que nos bons tempos de matança em nome de seu país.
Pelo jeito, vai ser difícil colocar os demônios interiores para descansar em paz.